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Como resultado, a conservação física das máquinas e materiais proporcionada pelo Museu permite até mesmo a reprodução atual de técnicas extintas, assim como a pesquisa e a observação direta de quase todos os tipos de rodas d’agua que já foram usadas
Criado para ser a memória viva da imigração e da colonização da região do Sudeste catarinense, o Museu ao Ar Livre Princesa Isabel, em Orleans (SC), teve sua proposta de tombamento aprovada pelo Conselho Nacional do Patrimônio Cultural, no dia 12 de junho, na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O espaço cultural preserva de maneira viva e dinâmica as técnicas e métodos de trabalho dos colonos chegados entre meados do século XIX e início do século XX.
Além de ser um espaço que dá visibilidade à contribuição do imigrante europeu para a cultura nacional e o desenvolvimento da região, o acervo do Museu ao Ar Livre Princesa Isabel representa um momento pré-industrial da história da tecnologia no Brasil, onde conviviam o uso de máquinas e o artesanato. Assim, trata-se de um pedido de tombamento relacionado diretamente com a atuação do Iphan no campo do patrimônio industrial e da industrialização do Brasil, valorizando o aspecto cultural do universo do trabalho. A proteção federal ao museu valoriza a presença do elemento da imigração europeia na formação do país, contribuindo para a diversidade de etnias e elementos que formam o rico Patrimônio Cultural Brasileiro.
Para a presidente do Iphan, Kátia Bogéa, a aprovação do Conselho reforça a campanha Patrimônio Cultural do Sul: Turismo Cultural como ativo para o desenvolvimento das cidades históricas, lançada pela instituição no início de 2019. “O reconhecimento do Museu de Orleans não apenas aumenta a participação da Região Sul no Patrimônio Cultural, como reconhece a participação desses povos imigrantes na construção da Nação brasileira, com seus saberes, seus costumes e sua cultura”, enfatizou a presidente. Já de acordo com a superintendente do Iphan em Santa Catarina, Liliane Janine Nizzola, o tombamento é "um orgulho para todos os descendentes dos imigrantes, que se veem representados no museu. Fica também um convite e um valor agregado para todos que ainda não o conhecem. Além de ser um local que reúne a comunidade, ele é um patrimônio nacional".
Inaugurado há quase 40 anos, em agosto de 1980, em meio a uma festa que atraiu moradores de diversas cidades para comemorar o ápice de um processo iniciado anos antes pela própria comunidade, o espaço cultural pertencente à Fundação Educacional Barriga Verde ocupa um terreno de aproximadamente 20 mil m². Seguindo a proposta de um museu vivo, ele dá prioridade à interação com a comunidade, à recuperação de narrativas não oficiais e à participação de pessoas comuns no processo histórico. É formado por um conjunto de unidades de produção tradicionais típicas das atividades agroindustriais empreendidas no período da chegada dos colonos ao país. O visitante pode conhecer um antigo engenho de farinha de mandioca, monjolo, oficinas artesanais, balsa, ferraria e a Casa de Pedra, edifício que abriga o Centro de Documentação Histórica Plínio Benício.
“O reconhecimento é um marco importante para o museu e para nossa cidade, pois torna de relevância nacional esse que já um patrimônio do estado. Ele engrandece o nosso trabalho e valoriza a história da imigração catarinense”, afirmou a diretora do Museu, Valdirene Böger Dorigon. “É um acervo riquíssimo que pode ser ainda melhor aproveitado com a maior visibilidade do museu, que no ano passado recebeu cerca de 13 mil visitantes”, completa Valdirene.
Em seu parecer, a conselheira relatora do processo, Maria Cecila Londres Fonseca, ressaltou a "variedade e a adequação" do projeto museográfico. Além disso, ela considerou que diversos outros fatores acrescentam importância ao local, tais como "o caráter comunitário de sua realização, sua função pedagógica e a dimensão simbólica do tratamento dado à temática do trabalho no campo na vivência dos imigrantes".
Origem do Museu
Alguns anos antes da criação do museu, em 1974, a região havia sido atingida por uma grande enchente, o que provocou a destruição da maior parte das indústrias rurais que ainda funcionava à força hidráulica e animal. Diante desse risco à riqueza cultural da região, duas figuras protagonizam a criação do Museu Aberto de Orleans: o Padre João Leonir Dall’Aba, que nomeia a rua onde está situado o terreno e foi o grande idealizador do projeto, e Altino Benedet, artesão responsável pela instalação dos equipamentos.
Montagem do MuseuO religioso foi líder da iniciativa comunitária para criação do espaço, motivado pela falta de informações que identificou em suas pesquisas sobre a imigração do Sul de Santa Catarina. Na busca por depoimentos e subsídios para sua investigação, localizou em um porão cerca 80 mil documentos da Empresa Colônia Grão Pará, pertencente à Princesa Isabel e seu marido, Conde D’Eu, que tinha como objetivo vender aos imigrantes as terras que foram dote de casamento da Princesa. O material compõe hoje o acervo do Centro de Documentação. Padre Dall’Aba teve o suporte fundamental de Altino Benedet, marceneiro desde os 14 anos de idade, àquela altura mestre nas técnicas construtivas tradicionais, para recuperar e restaurar todas as peças que encontram-se atualmente em condições perfeitas de funcionamento. Atualmente, o filho do artesão, José Benedet, que aprendeu o ofício com o pai e participou da montagem das peças quando era adolescente, e ainda hoje trabalha como responsável pela manutenção dos equipamentos.
O projeto de criação do museu foi amparado e incentivado pelo Centro Nacional de Referência Cultural, parte de um programa de estudos de História da Ciência e da Tecnologia no Brasil, dirigido então por Aloísio Magalhães, posteriormente presidente do Iphan. A sua implementação envolveu a produção de uma detalhada documentação por meio de fotografias, textos e desenhos, além do relato de Altino Benedet, que foi responsável por desmontar e remontar os aparelhos, visando preservar não apenas os bens, mas também a memória do processo de fabricação dos instrumentos. Dessa forma, o acervo trata da história das técnicas, mas também registra os fazeres das populações imigrantes. Como resultado, a conservação física das máquinas e materiais proporcionada pelo Museu permite até mesmo a reprodução atual de técnicas extintas, assim como a pesquisa e a observação direta de quase todos os tipos de rodas d’agua que já foram usadas: rodas copeira, meio-copeiras, rasteiras, turbinas e até o tradicional monjolo, entre outras técnicas.
Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
O Conselho que avalia os processos de tombamento e registro é formado por especialistas de diversas áreas, como cultura, turismo, antropologia, arquitetura e urbanismo, sociologia, história e arqueologia. Ao todo, são 22 conselheiros, que representam o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), o Ministério da Educação, o Ministério do Turismo, o Instituto Brasileiro dos Museus (Ibram), o Ministério do Meio Ambiente, Ministérios das Cidades, e mais 13 representantes da sociedade civil, com especial conhecimento nos campos de atuação do Iphan.
Em sua próxima reunião, nos dias 12 e 13 de junho, o colegiado avaliará, além do processo de tombamento do Museu Aberto de Orleans, a solicitação de registro do Bembé do Mercado, manifestação cultural de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano.