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architectourism ISSN 1982-9930

Museu de Niterói e paisagem do Rio de Janeiro. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
A autora descreve memoriais de guerra americanos e os relaciona ao conceito de monumento.

english
The author describes war memorials and relates them to the concept of monument.


how to quote

LORDELLO, Eliane. Memoriais de guerra em um país beligerante. Arquiteturismo, São Paulo, ano 07, n. 079.04, Vitruvius, out. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/07.079/4907>.


Prelúdio cinéfilo e musical

Recentemente, os cinemas exibiram Lincoln (EUA, 2012), filme que se passa inteiramente durante a Guerra Civil Americana, no século XIX. Nessa guerra, enfrentavam-se os estados do sul separatista, contra os do norte. Ao longo deste texto, serão mencionadas outras guerras internas nos Estados Unidos da América, como a Revolução Americana, no século XVIII.

Em um passado mais longínquo, o cinema apresentou Além da Linha Vermelha (EUA, 1998), enfocando a tensão dos soldados americanos enviados a uma linha de combate, durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre a Segunda Guerra, uma plêiade de títulos poderia ser citada, em especial, os que abordam o martírio dos judeus sob a barbárie de Hitler, como a Lista de Schindler (EUA, 1993).

A Guerra do Vietnã igualmente inspirou muitas obras cinematográficas. Entre elas, as telas das salas escuras exibiram Platoon (EUA, Grã Bretanha,1986), mostrando os horrores dos dois lados do massacre entre americanos e vietcongues. Ainda sobre essa guerra, é de se evocar o memorável filme-protesto Hair (1979). Nesse musical, um alistado em vias de embarcar para o Vietnã tem uma despedida memorável de seu país, em plenos jardins do Central Park, em Nova York.

Como se sabe, além das guerras internas, há muitas outras guerras de que os Estados Unidos participaram fora de suas fronteiras. O fato é que esse é um país com um forte histórico beligerante, e o seu próprio cinema continua a patentear isso, como brilhantemente fez Guerra ao Terror (EUA, 2008), sobre um esquadrão americano de elite, desarmando bombas no Oriente Médio.

Tanto quanto filmes sobre suas guerras, a cultura americana também produziu uma imensidade de músicas sobre esses conflitos. Nesse amplíssimo universo, será destacada aqui apenas uma, por sua total representividade no tema, que a consagrou internacionalmente como um protesto anti-beligerante: The Masters of War (Bob Dylan, 1963), os Senhores da Guerra, aqueles que “apertam o gatilho/ para os outros atirarem” (1), como canta a canção. Eis o primeiro trecho desse verdadeiro libelo contra as guerras:

Masters Of War Senhores da Guerra

Come you masters of war Venham cá, senhores da guerra
You that build all the guns Vocês que construíram todos os revolveres
You that build the death planes Vocês que construíram todos os aviões mortais
You that build the big bombs Vocês que construíram as grandes bombas
You that hide behind walls Vocês que se escondem atrás das paredes
You that hide behind desks Vocês que se escondem atrás das escrivaninhas
I just want you to know Eu só quero que vocês saibam
I can see through your masks. Que eu sei ver através das suas máscaras.

Três memoriais de guerra

Em um país com semelhante caráter beligerante e que tanto produz culturalmente sobre as guerras das quais participa, era natural também encontrar uma farta quantidade de memoriais de guerra. São monumentos a diferentes memórias de guerra. Alguns são monumentos às vítimas de guerra, outros à própria guerra e seus feitos, seu fim, outros, ainda, são materializações de protestos contra a guerra.

Palavra que remonta ao século XIII, monumento provém, etimologicamente do latim “monuméntum, moniméntum e moliméntum”, e significa “o que traz à memória, lembrança e penhor de amor, o que faz lembrar um morto, túmulo, estátua”, informa o dicionário Houaiss (2). O memorial de guerra é um tipo de monumento que em tudo cabe nessa definição, conforme se tentará demonstrar ao longo deste texto.

Este artigo se ocupa de alguns dos memoriais de guerra americanos. Trata-se de um texto movido pela novidade que esses memoriais representaram para uma viajante que jamais tinha tido antes qualquer contato com monumentos de guerra – esta autora. E que justamente foi ter esse primeiro contato em um país que fortemente vinculado, no senso comum, à beligerância, à ativa participação em guerras – os Estados Unidos da América.

Todos os memoriais que serão aqui descritos foram conhecidos e fotografados pela autora em uma viagem se iniciou com uma temporada em Nova York, em janeiro de 2010, e daí partiu para quatro outras cidades: Boston, Cambridge, Providence, Newport. Todas essas cinco cidades possuem esse tipo de memorial. Os que ilustram esse texto, porém, são somente os memoriais de Boston e Providence, por sua maior intensidade dramática, no entender da autora.

O primeiro memorial enfocado aqui é o Cranary Burial Ground, cemitério histórico de fundado em 1660, onde estão sepultadas vítimas do Massacre de Boston, heróis de guerra como Paul Revere, Samuel Adams (1722-1803) e John Hancock (1737-1793), estes dois últimos célebres signatários da Declaração de Independência Americana.

O Massacre de Boston remonta ao tempo em que os Estados Unidos eram colônias inglesas. O evento em aconteceu em 5 de março de 1770, quando soldados profissionais britânicos assassinaram cinco colonialistas. Representou a culminância das tensões nas colônias. Tratavam-se de tensões que vinham crescendo desde que as tropas reais britânicas primeiramente surgiram em Massachusetts, em outubro de 1768, para impor pesadas taxas de impostos por meio dos Townshend Acts (3). Cumprindo uma função histórica e memorialística, a placa de entrada do Cranary Burial Ground informa que ali estão sepultadas as vítimas desse massacre).

Portão e placa na entrada do Cranary Burial Ground informando o sepultamento das vítimas do Massacre de Boston, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Um parágrafo para três eminentes figuras históricas do século XVIII sepultadas no Cranary Burial Ground. Paul Revere (1735 -1818) foi um prateiro e gravador. Homem colonialista, celebrizou-se na história por ter sido mandado e instruído pelo Dr. Joseph Warren a cavalgar, por volta da meia-noite, para Lexington, Massachusetts. Seu objetivo era avisar a Samuel Adams (considerado o Pai da Independência Americana) e John Hancock (1737-1793) que as tropas britânicas estavam marchando para prendê-los e enviá-los a Londres, em pleno curso de uma das batalhas da chamada Revolução Americana. Revere é reverenciado com uma estátua equestre no Boston Common (1634), o mais antigo parque público da América. Ademais, esse herói é objeto de um site (4) que cobre desde a sua cavalgada histórica, chamada de Cavalgada da Meia-noite, e seu legado em Boston.

Placa em homenagem a Paul Revere no Cranary Burial Ground, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Lápide de Samuel Adams (1722-1803). Cranary Burial Ground, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Próximo à State House, a sede do governo estadual em Boston, o Cranary Burial Ground é, portanto, um memorial fortemente cívico, e os turistas o percorrem reconhecendo heróis da história americana.

Turistas no Cranary Burial Ground, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

O segundo memorial também está em Boston, tem igualmente um forte caráter cívico, mas sua realização materializa um protesto. Trata-se de um monumento a relembrar o horror do holocausto, condenando a dizimação de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. É uma estrutura vertical de aço e vidro, penetrável pelos transeuntes, que, uma vez dentro de sua trilha, são atingidos por uma névoa, simulando o gás mortal que dizimou judeus nos campos de concentração. Esse monumento é chamado Memorial ao Holocausto (Holocaust Memorial), e, também, A Trilha da Liberdade (The Freedom Trail).

Holocaust Memorial, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Em Reflexões Sobre a Violência (5), texto de 1969, ao caracterizar o que chama de “A Nova Esquerda”, Hannah Arendt descreve uma geração que aprendeu na escola o horror do holocausto. Em suas palavras:

“Esta é a primeira geração que cresceu à sombra da bomba atômica, tendo herdado dos pais a experiência de uma intrusão maciça da violência criminosa na política – aprenderam no colégio e na faculdade sobre campos de concentração e extermínio, genocídio e tortura, e hecatombes de civis na guerra, sem o que as modernas operações militares são inviáveis, ainda que só utilizem armas ‘convencionais’”.

Não se está especulando aqui a qual setor político se liga o Memorial ao Holocausto de Boston. Mas, ao lerem-se no piso a palavra “lembre-se” (remember, em inglês), em diferentes idiomas, e os textos que emolduram o memorial, pode-se cogitar de que as pessoas que o promoveram foram educadas para não querer que os horrores do nazismo sejam esquecidos. Cabe, portanto, considerar que seus promotores enquadram-se nas características da geração acima descrita por Arendt.

A palavra lembre-se em dois idiomas no piso do Holocaust Memorial, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Ademais de relembrar o flagelo do holocausto, com o clamor “lembre-se” em todo o percurso do seu piso, o memorial, traz, em suas extremidades, textos muito tocantes enfocando a necessidade da solidariedade. A exemplo disso, nos pontos postremos do monumento há placas de pedra com textos alusivos ao horror da guerra e exortativos da fraternidade. Neste último caso, enquadram-se os dois textos reproduzidos adiante, imediatamente seguidos pelas fotos das placas em que figuram.

ELES PRIMEIRO VIERAM atrás dos comunistas,
E eu não me manifestei porque eu não era um comunista.
ENTÃO ELES VIERAM pelos judeus,
E eu não me manifestei porque eu não era um judeu.
ENTÃO ELES VIERAM pelos sindicalistas,
E eu não me manifestei porque eu não era um sindicalista.
ENTÃO ELES VIERAM pelos católicos,
E eu não me manifestei porque eu era um protestante.
ENTÃO ELES VIERAM por mim,
E naquele tempo não restava ninguém para se manifestar.
Martin Niemoeller.

Placa com texto de Martin Niemoeller no Holocaust Memorial, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

29 de abril de 1945, Campo de Concentração de Dachau

Eu era um macilento garoto de quatorze anos quando um soldado americano me ergueu em seus fortes braços. Ele olhou com compaixão para os meus olhos cansados, dividiu sua comida comigo e me deu uma pequena bandeira americana da liberdade. Stephan B. Ross, sobrevivente do holocausto.

Placa com depoimento de Stephan B. Ross no Holocaust Memorial, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Outra placa modelar das intenções desse memorial, que se proclama “A Trilha da Liberdade”, é a do texto laudatório aos soldados americanos e aliados que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Nesta placa, lê-se:

“29 de abril de 2003: A Trilha da Liberdade. Boston

Nós erguemos essa bandeira em tributo a todos os soldados americanos e outros aliados que nos libertaram da brutal tirania nazista e abriram os portões para nossa trilha da liberdade na América.”

Placa da Trilha da Liberdade. Holocaust Memorial, Boston MA
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Perto de Boston, mas já no estado de Rhode Island, na pequena Providence, destaca-se um memorial aos soldados americanos que lutaram na Primeira Guerra Mundial – o Soldiers’ Memorial Gateway, de 1921. Trata-se de um portal a dar acesso a uma das partes do lindo campus da Brown University.

Soldiers’ Memorial Gateway, Brown University, Providence RI
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Projetado por Shepley, Rutan & Coolidge (6), o portal foi construído em calcário na forma de um arco do triunfo romano. Embora o modelo de arco romano seja reconhecidamente repisado para tais memoriais, não se pode negar que esse emociona ao trazer gravado o motivo de sua construção: os 43 homens que a universidade perdeu na Primeira Guerra Mundial. Em memória deles, na flâmula suspensa por anjos, no topo do arco, lê-se: “Para os homens da Brown, que na Guerra Mundial deram suas vidas, possa essa liberdade perdurar” (7).

Inscrição na flâmula: Para os homens da Brown, que na Guerra Mundial deram suas vidas, possa essa liberdade perdurar”
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

O portal Soldiers’ Memorial Gateway fica em local de destaque também na Thayer Street, importante via de comércio e serviços da cidade de Providence (8). É nesta sua face que surgem os nomes dos 43 homens que a Brown University perdeu na Primeira Guerra Mundial.

Soldiers’ Memorial Gateway: inscrições com nomes dos homens americanos que Brown University perdeu na Primeira Guerra Mundial
Foto Eliane Lordello, jan. 2010

Memoriais de guerra, monumentos afetivos

Quando Aloïs Riegl ocupou-se, pioneiramente, em 1903, do conceito de monumento, definiu-o em termos afetivos:

“Por monumento, no sentido mais antigo e verdadeiramente original do termo, entende-se uma obra criada pela mão do homem e edificada com o propósito preciso de conservar sempre presente e vivo na consciência das gerações futuras a lembrança de uma ação ou destinação (ou as combinações de uma e da outra) (9).

Igualmente, Françoise Choay, consigna esse propósito afetivo do monumento, ao dizer que o desígnio do monumento não é o de dar uma informação neutra, mas sim, o “de tocar, pela emoção, uma memória viva” (10). Assim o compreendendo, Choay designa por monumento a “tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças” (11).

Por mais hostil que seja a destinação guerra, os três memoriais descritos neste texto cumprem seu propósito monumental afetivo. Eles o fazem ao transmitir às gerações subsequentes e futuras, a lembrança dessa destinação, suas ações, suas consequências, e ao constituirem, no dizer de Choay, uma “memória viva”.

Ideal, porém, seria existirem monumentos à paz, em um onírico mundo sem guerras.

notas

1
Tradução nossa. No original: “You fasten the triggers/ For the others to fire ” (Masters of Wars, Bob Dylan, 1963).

2
HOUAISS, A. Dicionário eletrônico da língua portuguesa 1.0. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.

3
Disponível em: <www.bostonmassacre.net/>. Acesso em: 17 mai. 2013. Cf: <http://www.kidport.com/reflib/usahistory/americanrevolution/lexingtonbattle.htm>. Acesso em: 17 mai. 2013.

4
Disponível em:<www.paulreverehouse.org>. Acesso em: 17 mai. 2013.

5
Reflexions on Violence, publicado originalmente a 27 de fevereiro de 1969 na revista The New York Review of Books. In: SILVERS, Robert B.; EPSTEIN, Barbara; HEDERMAN, Rea, S. 30 Anos do The New York Review of Books: a primeira antologia. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p.98-142.

6
Cf. WOODWARD, Wm McKenzie. PPS/AIAri Guide to Providence architecture. Providence: Providence Preservation Society, 2003.

7
Tradução de Terezinha Saleme. No original: “To the men of Brown who in the world war gave their lives that freedom may endure”.

8
Cf. LORDELLO, Eliane. Providence, Rhode Island – Uma linda lição histórica da arquitetura americana. Arquiteturismo, São Paulo, ano 04, n. 045.02, Vitruvius, nov. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.045/3661>.

9
RIEGL, Aloïs. Le culte moderne des monuments: son essence et sa genèse. Paris: Éditions du Seuil, 1984, p. 35. Tradução nossa. No original: “Par monument, au sens le plus ancien et véritablement originel du terme, on entend une œuvre créée de la main de l’homme et édifiée dans le but précis de conserver toujours présent et vivant dans la conscience des générations futures le souvenir de telle action ou telle destinée (ou des combinaisons de l’une et de l’autre).

10
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, 2001, p.18.

11
Idem, ibidem.

sobre a autora

Eliane Lordello é Arquiteta e Urbanista (UFES, 1991), Mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) na área de Teoria e Projeto, Doutora em Desenvolvimento Urbano (UFPE, 2008), na área de Conservação Urbana. Como pesquisadora, atua, sobretudo, nos seguintes temas: Edificações históricas, museus e instituições de memória; sítios e centros históricos; cidades históricas; turismo. Atualmente é arquiteta da Gerência de Memória e Patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo – SECULT-ES.

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