Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Márcio Campos analisa alguns casos de intervenções em edifícios ou áreas históricas na cidade de Viena, desenvolvidos nos últimos quinze anos e que revelam uma grande virada em relação ao conservadorismo cultural das décadas do pós-guerra


how to quote

CAMPOS, Márcio Correia. Novas arquiteturas sobre a cidade antiga. O caso de Viena, Áustria. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 065.04, Vitruvius, out. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.065/416>.

Por ocasião da abertura da Nona Bienal de Arquitetura de Veneza, o articulista Oliver Else perguntava-se em setembro de 2004 nas páginas do jornal diário vienense Der Standard, se a cidade italiana não seria o lugar errado para apresentar ao mundo a mais nova arquitetura. O autor levanta esta questão considerando por um lado o que ele chama de “a sombra do passado” projetada pela primeira das Bienais em 1980, e por outro lado o fato de Veneza ser uma cidade que “se recusou estritamente a participar dos acontecimentos arquitetônicos dos últimos 200 anos” (2), incluindo aí uma resistência ao próprio Pós-Modernismo, para o qual a primeira bienal teria sido tão decisiva.

Sem se aprofundar aqui na discussão sobre Veneza e sua Bienal de Arquitetura, o que podemos localizar nesta passagem é um ponto de vista decididamente comum na Áustria dos últimos anos. A tensão entre a mostra de arquitetura que pelo menos desde a sua sexta edição em 1996 vem se dedicando a apontar para o futuro de uma maneira “situada milhas distante da arquitetura proposta pela Strada Novissima” (3) e uma cidade historicamente resistente ao novo, é especialmente viva para alguém de um país cuja construção mais conhecida dos últimos anos é a Kunsthaus de Graz, projeto de Peter Cook.

Capital cultural da Europa em 2003, Graz teve como marco arquitetônico deste grande evento a construção da sua Galeria de Arte, e da ilha artificial no rio Mur, de autoria de Vito Acconci, vizinha da Kunsthaus. Vencedor de um concurso internacional com dezenas de participantes, o projeto de Peter Cook é uma materialização imóvel de suas idéias móveis da época do Archigram. Alguns de seus aspectos de destaque são a manutenção de parte da edificação que existia anteriormente no terreno, e que passa a “reter” o volume principal de forma amebóide que abriga as salas de exposição e o seu revestimento externo em policarbonato, a ser renovado com uma periodicidade de 8 anos, e que cobre uma camada de pontos de luz que podem ser utilizados por artistas plásticos à maneira de uma grande tela digital alterando constantemente a sua aparência.

Com um espaço interior que é francamente decepcionante, especialmente no primeiro piso das salas de exposição, a Kunsthaus tem sua grande força justamente como objeto urbano: a justaposição com a arquitetura do núcleo histórico da cidade não poderia funcionar melhor. Apelidado carinhosamente de “alienígena amigo”, o edifício é potente em realizar tensões tanto em relação ao conjunto urbano mais amplo como especialmente em relação aos seus vizinhos imediatos: forma, material, proximidades, reflexões dão conta de uma vitalidade urbana há muito contida.

O enorme efeito mediático alcançado pela Kunsthaus em Graz é na verdade a ponta de um iceberg de uma grande transformação de postura frente ao chamado patrimônio arquitetônico no país. A Áustria e especialmente a cidade de Viena desenvolveram nos últimos quinze anos uma grande virada em relação ao conservadorismo cultural das décadas do pós-guerra que preservou uma imagem própria incondicionalmente ligada à cultura burguesa da Ringstrasse.

Para alguns, uma mudança ligada aos novos tempos de fim do comunismo nos países vizinhos, à condição da Áustria como país membro da União Européia e, de uma maneira mais ampla, à globalização, Viena de fato construiu recentemente todo um novo centro de negócios, seguindo a fórmula em vigor nos anos 90 de uma densa mistura de usos; o quarto maior edifício da Europa – ultrapassando e muito o limite estrito à verticalização que foi durante décadas a altura da torre da Catedral de Santo Estêvão; novos edifícios em substituição a construções do século XIX devido às necessidades de ordem técnica, algo até que então fora resolvido com intervenções de adaptação; e bairros inteiros com milhares de novas unidades habitacionais, onde, à medida em que o ano 2000 se aproximava, cada vez mais as experiências afastavam-se das idéias de caráter tipológico ainda presentes no início da década.

Para se ter uma medida clara desta guinada, observemo-la sob a luz da efetividade do instrumento de tombamento, que foi recentemente relativizado. Na Áustria, qualquer edifício público é automaticamente tombado. Isto cria uma situação onde inclusive uma edificação ainda inexistente, por exemplo, se prevista em um plano urbanístico, já seja previamente tombada, independente da sua arquitetura. Se levarmos em consideração que no país a educação privada é inexistente e que a prefeitura de Viena é proprietária de mais da metade das unidades habitacionais construídas, é possível se ter uma idéia do tamanho desta lista de bens tombados e do valor comunitário que o instrumento de tombamento alcançou.

As margens desta mudança foram recentemente testadas graças à aprovação de um projeto, na vizinhança imediata da Ringstrasse e do centro histórico, para um complexo de edifícios de escritórios cuja altura vem sendo usada como argumentação para a possível retirada do centro de Viena da lista do Patrimônio da Humanidade da Unesco. E enquanto a argumentação contra o projeto oscila entre o conservadorismo nostálgico, a defesa da importância da lista da Unesco e a luta enérgica da comunidade para conter a atuação tão direta das grandes empresas de incorporação no planejamento urbano – algo que também vem sendo uma novidade na gestão pública da cidade –, a argumentação a favor do projeto defende exatamente tanto a necessidade de conferir dinâmica para a área central já visivelmente enfraquecida pelas novas ofertas imobiliárias situadas longe dela, como a quebra definitiva da imagem congelada de cidade do séc. XIX e o fim da submissão às lógicas do turismo.

Exemplar para a recente flexibilização tanto das leis de tombamento como das leis de planejamento urbano são os novos projetos para o aproveitamento em área habitável do volume formado pelos telhados dos edifícios anteriores ao século XX da cidade.

O famoso escritório de advocacia de autoria de Coop Himmelb(l)au foi neste sentido um projeto de vanguarda. No final dos anos 80 esta intervenção radical só foi aprovada pelos órgãos municipais depois de várias negativas e graças enfim a uma manobra que a caracterizou não como arquitetura e sim como uma obra de arte, conseguindo somente desta maneira a autorização para a construção.

No início da década atual uma das determinações das leis que regiam a manutenção estrita do desenho urbano da cidade foi flexibilizada, liberando a ocupação do volume formado pela cobertura da obrigação da manutenção da forma determinada pela inclinação das águas. Os primeiros exemplos surgidos após o abandono deste rigor formal já foram realizados. Especialmente voltadas para a habitação, estas intervenções primam por celebrar a liberdade conquistada e estão conferindo, sem dúvida alguma, uma heterogeneidade ao espaço urbano através de novos híbridos. Estas adições, extremamente individualizadas em seu contraste com a pré-existência, impõem uma grande dificuldade ao uso da tão querida metáfora do “diálogo”, sem deixar de guardar uma qualidade própria do que se reconhece como redesenho de toda a arquitetura, diferenciando-se assim das intervenções isoladas e fragmentadas das áreas comerciais situadas em geral no térreo dos edifícios.

E se tais intervenções em edifícios comuns destinados a apartamentos ou escolas podem ser consideradas radicais, o redesenho da área de acesso do museu Albertina, abrigado no conjunto arquitetônico do Palácio Imperial, alcança níveis de um manifesto de uma época, exatamente pela importância histórica da edificação. Já a lista dos escritórios que foram convidados a participar do concurso – Coop Himmelb(l)au, Zaha Hadid e Hans Hollein, tendo sido este último o vencedor – é um forte indicador do que os contratantes esperavam como relação com o edifício histórico.

Abrindo um acesso alternativo à escadaria já existente através de escada rolante e elevador, Hollein transforma em mais importante marco da sua intervenção uma grande cobertura que protege o visitante desde o nível da rua até a porta propriamente dita do museu. Com uma leve inclinação e apoiada na área de chegada do elevador, a cobertura avança em balanço sobre a calçada, rompendo os limites dados pela muralha antiga e passando a estar presente em todas as visuais da pequena praça onde se situa o museu. Se antes a presença do museu no espaço urbano era desproporcional à sua importância – já que o Albertina abriga a mais importante coleção de artes gráficas do mundo –, é verdade também que esta intervenção não deixa de ser indicativa de uma postura da administração que vem investindo mais em publicidade do que em pesquisa.

Isto não faz com que a intervenção de Hollein deixe de ser instigante: da sutileza das intervenções de Plecnik no castelo de Praga não se nota nada. Tampouco do Hollein dos anos 80, tão devedor da arquitetura da Strada Novissima, da qual ele fez parte.

Este conjunto de adições sobre os prédios constitui ainda um panorama bastante pontual na cidade como um todo, o que não diminui a sua potência como agentes dinâmicos do espaço urbano. Estas adições funcionam como sutis transformadores do todo ao alterar de maneira decisiva a hegemonia de um padrão tão abrangente como até então consistente, o da cidade historicista do século XIX.

Este não é o caso das grandes intervenções do novo campus da Universidade de Viena, do Quarteirão de Museus e da requalificação do Gasômetro. Pela sua envergadura e complexidade de relação dos seus usos com a cidade, estas três intervenções têm um potencial ainda mais determinante para alterar a compreensão comum do sentido das edificações pré-existentes.

Sendo a primeira das três intervenções e tendo operado com um orçamento extremamente limitado, a adaptação do antigo hospital público municipal – uma estrutura em pátio do século XVIII com 10 hectares de extensão – para abrigar em um campus único uma série de departamentos da Universidade de Viena é também das três a mais contida, por não dizer suave, em sua expressão de “contemporaneidade”.

Isso porém não a faz menos desafiadora em relação ao conjunto edificado pré-existente. Como parte do acordo de transferência de posse da área para a Universidade, o projeto desfaz o encerramento físico e programático até então existente, abrindo uma série de novas entradas aos pátios e criando com isso uma rede de percursos muito mais rica entre as ruas vizinhas, e inserindo uma série de programas como supermercado, bancos, restaurantes para o público de moradores da vizinhança imediata. Além disto, esta população utiliza com freqüência as áreas gramadas e tranqüilas dos pátios como área de lazer.

Do ponto de vista arquitetônico, uma vez retirados todos os acréscimos feitos durante os séculos XIX e XX para que se obtivesse uma clareza espacial da estrutura em pátio original, o grande desafio estava na pouca profundidade e elevado pé-direito das alas originais da edificação. Kurrent e Zeininger optaram por uma solução que chama a atenção exatamente pela simplicidade que marca toda a série de decisões. Os espaços necessários foram criados através da construção uma segunda camada de fachada, leve e transparente, paralela à estrutura mural do antigo hospital, dispostas sempre em pares opostos em cada pátio.

Destinados tanto a circulação e áreas de convívio como também a outros usos como salas de professores, estes espaços garantem através de sua transparência uma iluminação direta sobre as fachadas do prédio original, mantidas sempre que possível com as aberturas originais. Decididamente, a concepção e percepção do espaço é a de uma camada à frente do edifício histórico. Esta camada, de tectônica invertida em relação à edificação original, articula-se com as alas a ela perpendiculares através de um recuo e mudança de material – que são executadas em placas simples de fibrocimento – em um gesto claramente derivado das articulações de diferentes volumes do barroco.

A intervenção no Museumsquartier por sua vez foi alvo de um debate caloroso que chegou a ameaçar a viabilidade da proposta. A distância entre o projeto que venceu o concurso e o realizado indicam o quanto a solução final é um termo de um difícil compromisso onde inclusive a opinião pessoal de alguns políticos municipais esteve envolvida. A vítima principal destas negociações foi a torre que abrigaria uma biblioteca e que conferiria verticalidade e assimetria a todo o conjunto.

Ao lado dos Museus de História da Arte e de História Natural, a reunião de diversas coleções e galerias espalhadas pela cidade em um único complexo, abrigado no edifício barroco desenhado por Fischer von Erlach no início do século XVIII para os estábulos do imperador, provocou de imediato discussões em torno do teor e intensidade da contemporaneidade do projeto, especialmente tendo como pano de fundo a manutenção da imagem do lugar.

Os três maiores volumes construídos em adição à estrutura física pré-existente compreendem a coleção Leopold, a Fundação Ludwig e o anexo do pavilhão central onde foi instalada a Kunsthalle. Além destas instituições, o Centro de Arquitetura de Viena, o Museu das Crianças, a sede da sociedade Lomográfica e espaços para dança, assim como livrarias, cafés e restaurantes ocupam as diferentes alas da construção barroca.

Os volumes novos guardam uma unidade grande de expressão de massa compacta e regular, estabelecendo porém uma diferença tanto entre si como em relação ao prédio de Fischer von Erlach em termos da tectônica dos materiais e cor. Os dois grandes cubos geram proximidades e contatos com o edifício barroco, onde o encontro não é abrandado em termos de escala ou de articulação formal. As supercontigüidades por eles estabelecidas são ainda ampliadas pelo volume mais prismático, de revestimento cerâmico, situado atrás do volume central ocupado pela Kunsthalle.

Abrigando as áreas de serviço no térreo, a implantação deste volume está marcada tanto por compressões e contrastes diretos entre materiais e aberturas em relação ao edifício do qual ele é extensão contínua, como pela criação de tensões espaciais por superproximidade e contraponto formal à ala de forma curva a ele vizinha. A rua de serviço desta maneira torna-se um tenso e dinâmico jogo de oposições reforçado pela releitura da marcação horizontal das paredes do edifício barroco através do desenho de relevo na parede do edifício novo.

Fruto de necessidades programáticas, a adição destes três volumes principais está acompanhada de uma lógica de fluidez de percurso que subverte a estruturação espacial hierárquica do conjunto histórico. Através de conexões com estações de metrô em suas extremidades, de novas aberturas na fachada principal e principalmente da ampliação da conexão com a rua situada atrás do conjunto, o Museumsquartier é também um grande desenho de possibilidades de percurso tendo seu pátio central como campo de confluência. Assumindo esta condição, escadas, passagens e elevadores em vez de se retraírem, tornam-se o elemento mais importante, ao lado, através, à frente do conjunto pré-existente.

A intervenção no Gasômetro por sua vez pode ser caracterizada pela amplificação de uma lógica extremamente pragmática presente nos dois outros exemplos: a possibilidade de um forte incremento da área total construída através da área disponível e das condições arquitetônicas específicas. Tombado desde 1981 e desativado desde meados desta mesma década, a base física pré-existente consistia dos cilindros em alvenaria que envolviam os tanques metálicos do antigo reservatório de gás e que foram construídos há cem anos apenas para “envolver” o desenho industrial destes tanques, evitando a sua presença na paisagem urbana.

Seus impressionantes 220.000 m² de área total construída que garantiram o surgimento de uma nova urbanidade em uma área antes tipicamente industrial, têm como uma das condicionantes básicas para a sua concretização a infra-estrutura do metrô, cuja ampliação em direção ao sul da cidade gerou uma estação diretamente conectada ao novo complexo. Distante da relativa especificidade dos programas das intervenções vistas anteriormente, o desafio do Gasômetro era o de estabelecer todo um complexo de usos aliado à diversidade de soluções dadas para cada cilindro de um diâmetro aproximado de 64 metros por arquitetos tão distintos como Jean Nouvel, Coop Himmelb(l)au, Manfred Wehdorn e Wilhelm Holzbauer.

Sobre um grande shopping center que atravessa os dois primeiros níveis dos quatro gasômetros em um espaço contínuo, foram construídos mais de 600 apartamentos e cerca de 250 residências estudantis, combinados com escritórios, repartições da prefeitura, jardim de infância, garagens, um complexo de cinemas no edifício ao lado e que se conecta também diretamente com o gasômetro, além de uma grande arena para shows com capacidade para 3000 pessoas no subsolo do cilindro projetado por Coop Himmelb(l)au, que mantém o uso dado ao gasômetro nos anos 90, onde aconteciam as maiores raves da cidade.

Para atender à demanda de iluminação natural das unidades habitacionais a pele de alvenaria foi rasgada verticalmente, em um desenho que tanto obedece à marcação das suas pilastras como enfatiza a sua condição original de pele externa. E a base de terreno elevada sobre a qual os cilindros foram implantados foi escavada para a locação das garagens e da arena para shows.

A intervenção do gasômetro destaca-se formalmente graças à inserção desenhada por Coop Himmelb(l)au. O grande edifício que envolve parcialmente um dos cilindros foi apelidado pelos seus autores de carapaça justamente por se sobrepor de maneira tão dramática ao edifício pré-existente. A instabilidade visual da forma, que parece se apoiar no cilindro do século XIX, associada às suas dimensões, levou à crítica a falar inclusive em efeito Bilbao em Viena.

O sucesso do investimento foi garantido graças ao financiamento por parte da prefeitura para as unidades habitacionais, que rapidamente foram vendidas. O sucesso das áreas de acesso público indica que todo o complexo de comércio, lazer e serviços desempenha claramente o seu potencial de atender além dos moradores do local. E o surgimento de novas edificações destinadas a escritórios ao redor do Gasômetro constata o seu efeito de pólo dinamizador urbano.

É importante que seja dito que o Gasômetro tem sua compreensão diretamente ligada à junção de intensidade de usos com a densidade de construção. As críticas mais duras consideram que o projeto avançou demais exatamente nesta condição: não só restou pouco, ou quase nada, do vazio anterior da edificação, como também existem apartamentos exclusivamente voltados para o interior do cilindro e por isso com iluminação natural comprometida. Wolf Prix, do escritório Coop Himmelb(l)au, rebate estas críticas afirmando que “exatamente a densidade faz o projeto urbano”. Para ele, “sem densidade não há cidade. Seria inimaginável para europeus reproduzir Los Angeles” (4).

Talvez seja exatamente sob esta perspectiva que devamos olhar para a importância do caráter contemporâneo destas intervenções. Longe de confinar a pré-existência ao seu caráter de patrimônio, ela se torna uma alavanca importante para a garantia de urbanidade. O novo campus da Universidade poderia muito bem ser construído nos grandes terrenos livres dos novos bairros situados na outra margem do Danúbio. A reunião de museus no Museumsquartier, para além de seu caráter primariamente econômico, acaba por valorizar a área mais tradicional de comércio de rua da cidade, que vem sendo ameaçado constantemente por novos shopping centers. As unidades habitacionais do Gasômetro poderiam estar dispersas em filas de casas a quilômetros de distância do centro. Especialmente o Gasômetro, com sua conexão precisa com diferentes hierarquias do sistema viário urbano, torna nítida esta condição de negação da suburbanização.

Retornemos então a um desenho dos anos 60 de autoria do próprio Peter Cook, intitulado Metamorfose de uma Cidade Inglesa (5). Nesta seqüência de tiras à maneira de uma história em quadrinhos, observamos uma cidade que a partir da implantação de um bloco modernista inicia um processo de metamorfose que subverte o lento e contínuo processo de construção e adaptação de usos anterior. Na seqüência, ao mesmo tempo em que a estrutura antiga se fragmenta, peles e tendas, apoiadas em estruturas metálicas vão redesenhando o espaço urbano, ao ponto de, no desenho final, onde não há mais diferença entre edificação e crescimento, a arquitetura tenha se tornado uma indulgência, um luxo, uma nostalgia.

Observando este desenho mais como um diagrama, podemos notar a importância do referencial urbano para a metamorfose. O novo grau de artificialidade nele vislumbrado é fruto de uma artificialidade radical em relação ao lugar, bem no espírito que anos mais tarde Rem Koolhaas irá enfatizar em seu Delirious New York. Ainda que neste diagrama as habitações tenham se transformado em unidades móveis com autonomia de vôo, podemos relacionar as intervenções que acabamos de comentar aqui muito mais com esta criação sobre a cidade que acelera o ritmo de transformação, do que com a ausência de vitalidade e desperdício de energia tão comum nas expansões de residências unifamiliares em subúrbios mais ou menos tipologicamente corretos que marcaram também as cidades européias nas últimas décadas.

As intervenções em Viena parecem indicar uma necessidade radical de metamorfose do patrimônio se o que importa é a cidade como construção coletiva. Base deste desenvolvimento, as pré-existências não são origens porém para gestos auto-referenciais, ao contrário, elas estão convidadas a entrar no jogo vivo e dinâmico onde diferentes qualidades se contrapõem, se interpenetram, se apóiam. Este jogo impõe desafios contemporâneos da ordem de fluidez e densidade de uso aos edifícios históricos, apontando efetivamente para uma superação da distinção progressiva entre edificação e crescimento.

notas

1
Versão textual da conferência apresentada no Seminário Novas arquiteturas nas arquiteturas antigas de Salvador, organizado pelo grupo de pesquisa e extensão Arquimemória da Universidade Salvador – UNIFACS, out. 2004

2
Der Standard, edição online de 10 set. 2004 <www.derstandard.at>

3
Idem

4
Em entrevista à cadeia estatal de telecomunicações ORF1, reproduzida nos arquivos disponíveis em internet do ArchitekturZentrum Wien

5
COOK, Peter. “The Metamorphosis of an English Town (drawing)”. In JENCKS, Cahrles; KROPF, Karl. Theories and manifestoes of contemporary architecture. Londres, Academy Press, 1997, p. 232-233

sobre o autor

Márcio Correia Campos, arquiteto formado na UFBa Brasil, Dipl.-Ing. Arch. TU-Wien Áustria.

comments

065.04
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

065

065.00

Conclusões do XI SAL em Oaxtepec

Ramón Gutiérrez

065.01

O modernismo arquitetônico em São Paulo

Carlos Alberto Cerqueira Lemos

065.02

A regra do modelo. Casa Milhundos em Portugal

Rui Barreiros Duarte

065.03

Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projeto

Parte 7 – Operação Urbana Carandiru – Vila Maria

José Geraldo Martins de Oliveira

065.05

A fachada frontal da Villa Stein: um exorcismo corbusiano

Ronaldo de Azambuja Ströher

065.06

Pensando a pós-graduação em arquitetura e urbanismo: Brasil, 2005

Fernando Luiz Lara, Claudia Loureiro and Sonia Marques

065.07

O padrão territorial de Goiânia:

um olhar sobre o processo de formação de sua estrutura urbana (1)

Maria das Mercedes Brandão de Oliveira

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided