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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O texto investiga convergências entre urbanidade, formas de apropriação de espaços públicos e base biofísica em Marabá (PA), e mostra a importância da articulação entre velhas e novas práticas para o respeito à diversidade socioambiental na Amazônia.

english
The text investigates the convergence between urbanity, public space appropriation forms end biophysical basis in Maraba (PA), shows the importance of articulation between old and new practices that respect socioenvironmental diversity in Amazon.

español
El texto investiga convergencias entre urbanidad, formas de apropiación de espacios públicos y base biofísica en Marabá (PA), muestra la importancia de la relación entre antiguas y nuevas prácticas que respeten la diversidad socio-ambiental Amazónica.


how to quote

BIBAS, Luna; CARDOSO, Ana Cláudia. Redesenhos para Marabá PA. Aspectos socioambientais e desenho urbano. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 199.07, Vitruvius, dez. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.199/6357>.

Os anos 1950 introduziram no Brasil o desenvolvimentismo, paradigma que priorizava o cresci­mento econômico e desconsiderava pessoas e natureza, e que promoveu uma urbanização incompleta no país, com transferência progressiva de população para as cidades, sem que as cidades fossem preparadas para receber essa população (1).

Em Marabá, cidade do sudeste paraense, os grandes projetos federais levaram a uma crescente desarticulação entre escalas, e entre homem e natureza (2). As políticas que passaram a ser praticadas na região incentivaram a destruição da floresta e acumulação de terras, privilégio de poucos no acesso ao lazer, acesso limitado à serviços e infraestrutura urbana aos grupos sociais excluídos e desvalorização de atividades tradicionais da região, tais políticas difundiram uma crença de que a natureza deveria ser “domesticada”, e idealizada a partir de elementos exógenos, que se manifesta desde a poluição dos rios até a criação de espaços públicos incapazes de atender às necessidades da população (3).

Desse modo, contribuiu-se para ampliar o grupo dos socialmente excluído, nativos e migrantes pobres oriundos de outras regiões, que têm em comum uma forte relação de dependência com a natureza para a produção e reprodução da vida. Neste sentido a investigação sobre o uso de espaços públicos/naturais é especialmente relevante para esses grupos sociais e também por isso é algo negligenciado pelas políticas públicas. Portanto, essa pesquisa compara parâmetros e atributos espaciais de espaços públicos em Marabá, para avaliar sua qualidade e investigar relações entre o modo de vida e a construção de identidade local (apropriação). Adota como objeto espaços de áreas vernáculas (de ocupação tradicional) e de áreas da cidade planejadas segundo a lógica moderno/industrial.

A incompreensão de como as pessoas viviam em espaços tradicionais da Amazônia propiciou o avanço de modernizações baseadas em parâmetros exógenos, com impactos semelhantes aos das metrópoles – fragmentação e privatização da cidade, e negação da diversidade e da possibilidade de manutenção dos saberes tradicionais como recurso para preservar e melhorar os espaços (tanto futuros como preexistentes) de cidades na Amazônia. Fato agravado por grande parte da população não ter sido absorvida pelas novas atividades pós-integração.

A área de estudo e o urbano na Amazônia

Marabá nasceu como entreposto comercial, em 1913, localizada na confluência de dois rios Tocantins e Itacaiúnas, ponto de origem do núcleo Marabá Pioneira e a partir de onde a cidade se expandiu, ao longo de diversos ciclos econômicos: caucho, castanha, dia­mante, ouro, mineração e agropecuária. Estes últimos sustentam atualmente a economia da cida­de, exigindo adaptações para a viabilização de tal modo de produção, segundo parâmetros espaciais cada vez mais distantes da escala humana, vernacular e criativa.

Atualmente a cidade se divide em cinco núcleos (Marabá Pioneira, Nova Marabá, Cidade Nova, Distrito Industrial e São Félix), cada um com características específicas. Esta pesquisa focou nos três núcleos principais, que contam com espaços públicos mais consolidados: Marabá Pioneira, Cidade Nova e Nova Marabá.

O núcleo pioneiro possui ocupação vernacular, fortemente ligada à dinâmica ribeirinha e aos processos naturais. Sofre cheias periódicas que obrigam os moradores do pontal, bairro Francisco Coelho (conhecido como Cabelo Seco) a adaptar suas casas ou mudar-se provisoriamente para outros núcleos. É reconhecida a capacidade dos moradores deste bairro de conviver com as cheias e sempre voltar a seu lugar de origem à beira do rio.

O outro lado do rio Itacaiúnas foi ocupado no início do século 20 a partir da área do atual bairro do Amapá, mas apenas na década de 1960, após abertura da rodovia Transamazônica, e crescimento da exploração de minérios houve expansão e formação do núcleo Cidade Nova. A vinculação com a rodovia Transamazônica associou o modo de vida nesse núcleo à dinâmica de “beira de estrada”, entretanto ocupações irregulares e especulativas já avançam sobre a várzea em direção ao Rio Itacaiúnas.

A implantação de diversos projetos federais e a mi­gração de milhares de trabalhadores, resultaram na expansão da Cidade Nova e criação do núcleo Nova Marabá (projeto do governo federal). O principal produto da integração da Amazônia foi o núcleo Nova Marabá, implantado em 1973 paralelamente às políticas de incentivo fiscal e de reforma agrária de caráter “colonizador” (4), suas características são de uma cidade planejada, moderna, que não levou em consideração as particularidades locais, o local de implantação e nem as soluções de desenho foram mantidas nas adaptações feitas no projeto original (5).

A importância dos rios para o núcleo pioneiro direcionou a sociabilidade e o lazer para suas margens e praias, assim como a produção (pesca) e a reprodução da vida (atividades domésticas que demandam água). Esse núcleo respeita os limites naturais e identidade urbana típica da região como: a) as várzeas internas; b) as beiras dos rios que serviam como suporte para as atividades cotidianas, de lazer e mobilidade; c) a pequena escala que atendia ao pedestre; d) as atividades extrativas que davam condições ao sustento das famílias; e) os espaços verdes que sombreavam quintais e espaços públicos beneficiando o conforto térmico; f) a disposição de edificações nos lotes delimitando a rua – características essas que qualificavam o espaço e lhe conferiam urbanidade, conforme definido por Jane Jacobs (6); Frederico de Holanda (7) e Douglas Aguiar (8). Contudo o plano para a Nova Marabá seguiu a linha dos projetos para cidades modernas, de sociedades industriais, com propostas bidimensionais, que priorizavam a técnica em detrimento das experiências das pessoas e das características do bioma local, sua escala foi concebida para os carros, distanciou a moradia do rio e também dos espaços de lazer vinculados à natureza, rompendo com o urbano pré-estabelecido na região.

O percurso metodológico da pesquisa

Partiu-se dos estudos espaciais clássicos no campo do urbanismo em busca de qualidades reconhecidas como universais, a serem contrapostas ao material empírico levantado em Marabá.  Duas praças e espaços públicos e três ruas de cada núcleo, representativos de diferentes momentos históricos e ciclos de crescimento e expansão da cidade, foram selecionados para: a) mapeamento de uso, identificação de tipologias, e contagem de usuários e de fluxo de veículos, b) levantamento das estratégias de controle urbanístico e preserva­ção ambiental oficiais, c) entrevistas com moradores visando o entendimento da percepção destes sobre a cidade, que tipos de atividades exercem e o que esperam que a cidade ofereça no futuro e d) levantamento fotográfico e documental, que teve como objetivo apreender parte da história, transformações espaciais e as visões de mundo predominantes.

As análises realizadas caracterizaram os espaços selecionados, associando-os a atores e processos, de acordo com os atributos e qualidades espaciais manifestos, dentre as destacadas na revisão teórica, para a indicação de potenciais de otimização das funções dos espaços públicos da cidade.

Pano de fundo teórico da pesquisa

A implantação de grandes projetos federais abrangeu um conjunto de atividades, combinações de forças produtivas e relações de produção global que transformaram Marabá definitivamente em área de fronteira.

O pensamento cartesiano e abstrato (moderno) superposto à racionalidade tradicional tem levado à supressão dos espaços livres e naturais que funcionavam como espaços públicos (praias, cachoeiras, beiras de rio) para camadas populares. A produção formal da cidade tende a substituir a sócio biodiversidade local por uma homogeneidade genérica, que favorece a reprodução de relações sociais padronizadas, prioriza os espaços sem atritos e monofuncionais.

A figura abaixo apresenta a redução da vegetação na área contida pelo atual perímetro urbano de Marabá, entre os anos de 1994 e 2014. Para ilustrar a intensidade do impacto sobre o espaço natural que desempenha funções de um tipo de espaço público popular dentro da cidade, deixado em segundo plano, dada a força do padrão hegemônico que vem sendo implantado.

Enquanto Marabá recebia os projetos federais e a Nova Marabá era construída aos moldes modernistas (1960/1970), os países centrais viviam as críticas ao movimento moderno. Desde então cidades do mundo todo colecionam experiências sobre qualidades do espaço urbano, estruturando o campo disciplinar do desenho urbano e fortalecendo uma expectativa de construção de urbanidade, característica assumida como parâmetro na avaliação da qualidade dos lugares, constituída pelo modo como as pessoas se apropriam de espaços construídos ou não e pela forma como a tensão entre pessoas e destas com o espaço gera tolerância à diversidade, civilidade e acesso, e constrói a identidade de lugares (9).

Constituiu-se um descompasso entre os discursos e atividades dos profissionais baseados nos países do Norte e nos países do Sul, pois nas décadas de 1960/1970 ainda eram implantados planos fechados no Brasil, alheios à realidade socioambiental do local de implantação, modelando o espaço urbano de maneira seletiva e inadequada.

No Norte global houve a progressiva valorização da menor escala, como objeto de projeto, viabilizando a ênfase no pedestre, no ciclista e usuários de transporte público, para além do foco no sistema viário e no automóvel, em busca da garantia de qualidades e atributos (ex.: diversidade urbana e vigilância coletiva) para as cidades (10). Portanto houve a valorização de tipos de espaços que possuem características que correspondem aos espaços tradicionais da cidade preexiste aos grandes projetos, conforme será exposto no estudo de caso.

A sistematização de experiências em cidades ao longo da história também revela o quanto a des­consideração de ciclos naturais podem resultar em poluição do ar, do solo e das águas, aceleração de processos geológicos, doenças, surgimento de pragas urbanas e altos custos de manutenção e de reparos à eventos extremos, cheias, desabamentos etc., prejudicando espaços públicos valiosos para a vitalidade urbana (11).

Há um amplo leque de exemplos e metodologias bem-sucedidas que apoiam a pro­dução e a gestão do espaço urbano articulado ao seu ecossistema, reduzindo custos de manutenção, combatendo incômodos e oferecendo maior quali­dade de vida na cidade (12).

O quadro abaixo apresenta obras clássicas do debate internacional sobre espaços públicos, que destacam as pessoas e o respeito dos seus modos de vida e ne­cessidades, e oferecem parâmetros de qualidade espacial que foram assumidos como referência para a análise de espaços públicos da cidade de Marabá: a) diversidade: de tipologias e do padrão nas apropriações dos espaços; b) atratividade: corresponde ao quanto o espaço é atrativo para a população; c) conforto ambiental: importante para a região extremamente quente; d) acesso igualitário: facilidade de acessar certo espaço; e) segurança: aspecto importante e relativo à visibilidade do e no espaço; e por último, f) identidade: relacionada à questões culturais. Todas as qualidades contribuíram para a avaliação da urbanidade nos lugares analisados e indicam que há vínculo entre urbanidade e o meio biofísico, conforme análise dos dados empíricos apresentados na sequência do texto. Esse artifício espera auxiliar o rastreamento das perdas, potenciais e metamorfoses do espaço público da cidade de fronteira, a partir da sua aplicação na caracterização dos espaços selecionados para investigação.

Análise dos espaços públicos em Marabá

É importante introduzir um pouco de como Marabá se comporta em sua configuração e desenho, em seus três principais e mais importantes núcleos. A Marabá Pioneira sempre respeitou os limites biofísicos de seu terreno, principalmente por conta das inundações periódicas, a população sempre respeitou o rio e seus tempos, pois dele vinham seu sustento, o canal de transporte, para escoamento da produção (extrativista) dos ciclos econômicos que sustentavam a cidade/região. A figura abaixo mostra a superposição da cota de alagamento recorrente na cidade à mancha urbana formada por três núcleos.

Os espaços vazios, não são vazios à toa, são várzeas de acesso público onde são realizadas funções de serviços, de balneário, praias e orlas, principalmente na Marabá Pioneira onde há conexão entre margem de rio, rua, praça e várzea. Esse núcleo conta com um espaço denso, mas de ocupação horizontal por lotes pequenos, e cuja população usa o espaço público como extensão da casa, para várias funções conforme a hora do dia.

Todavia, a cada modernização, esse modo de vida é processado pelo urbanismo acadêmico – pós-integração – como improvisado. A ruptura acontece e quando a proposta da Nova Marabá assumiu a rua como espaço de circulação – principalmente de carros, desse modo a expectativa de realização de funções que aconteciam no núcleo pioneiro no espaço público foi transferida para espaços de serviços privados (shopping centers, academias, condomínios) que atendem somente a população com maior poder aquisitivo, dentro daquilo que seria visão de sociabilidade e lazer; enquanto que nas áreas populares o espaço público tem uma funcionalidade instrumental.

A possibilidade da construção de uma nova cidade (Nova Marabá), desencadeou coalizões e arranjos políticos que eram imprevistos e que foram capazes de suplantar as diretrizes que haviam sido estabelecidas pela proposta do então arquiteto Joaquim Guedes, onde apesar da concepção moderna, trazia uma proposta relativamente coerente, ainda que exógena, utilizando a grande escala como ferramenta em função da drenagem sem tubulação, das áreas de reflorestamento e da arborização, que reforçavam o respeito à necessidade do conforto térmico.

O plano não foi completamente implementado e as adaptações sofridas assumiram um programa inadequado. As áreas de reflorestamento não foram respeitadas, as ruas foram tomadas por carros com prioridade dada aos novos fluxos, o que associado à grande escala acabou por excluir o pedestre. A densidade foi reduzida e estabelecida a partir da grande escala das vias e do grande lote, as áreas de drenagem foram ocupadas por “praças rotatórias” pavimentadas, os canteiros drenantes foram ocupados por estacionamentos ou edificações e as áreas de mata e várzea foram estigmatizadas e escondidas, diante da valorização das áreas lindeiras às grandes avenidas e das ruas da cidade planejada que, no entanto, geraram uma paisagem árida.

Ao ignorar as várzeas, que antes eram metabolizadas pela população tradicional e que agora não tinham valor para o mercado formal, converteram-nas no espaço do excluído, nativo ou migrante pobre que metabolizou as áreas livres transformando-as em áreas de favela. Tal associação, acelerou a desvalorização do modo de vida dos nativos, eliminando a possibilidade do uso da várzea para o sustento e produção. Sem acesso à cidade, às redes de infraestrutura, trabalho (por falta de qualificação não assumiram postos de trabalho formal) o que findou por excluí-los das novas oportunidades que a integração ofereceu.

Houve destruição dos espaços dos locais (nativos) e distorção das diretrizes de implantação do plano original desde que a responsabilidade da gestão urbanística foi transferida para o município, além da permissividade da ocupação informal que expandiu os núcleos Nova Marabá e Cidade Nova.

A pesquisa de campo realizada em três espaços públicos dos três núcleos, permitiu a qualificação dos mesmos segundo as qualidades de análise selecionadas da literatura e a espacialização dessa trajetória de transformação dos espaços públicos da cidade.

A Marabá Pioneira: núcleo original de Marabá, de origem ribeirinha, contou com ocupação vernácula, espontânea, de escala espacial humanizada. A morfologia conta com ruas estreitas, casas pequenas em madeira ou alvenaria que, na área popular, são relacionadas com atividades ribeirinhas. Nas áreas de maior centralidade houve modernização da orla, e elitização dos serviços (restaurantes) e comércio, que tendem a repelir o comércio ambulante, que disputa consumidores nas calçadas.

Este núcleo apresenta áreas livres, verdes no miolo das quadras, e espaços públicos adequados ao convívio social (com vitalidade). Sua orla atual é acompanhada por um muro que limitou a acessibilidade ao rio, contudo ainda é um dos espaços mais importantes e democráticos do núcleo e da cidade, conta com calçada larga, bancos e guarda-sol, que não funcionam muito bem; o calor é intenso e a arborização escassa; há intensa atividade informal ao cair da noite.

A rua separa atividades informais, na calçada da orla, de atividades formais, no outro lado da rua. Várias atividades ao longo da orla abrangem esportes, passeios, ciclismo, comércio etc. Ainda que não realize todo o seu potencial, a orla é muito procurada pela população, inclusive os que descem pelas rampas para pescar ou trabalhar no rio, e seus turistas, com centralidade intimamente ligada à identidade deste núcleo, ao surgimento da cidade e à cultura ribeirinha amazônica.

A Cidade Nova: esse núcleo tem forte conexão com o fluxo migratório desencadeado com a implantação do projeto da Nova Marabá, do aeroporto e da vila para abrigar os funcionários do Incra (Vila Transamazônica). Seu desenho possui uma quadrícula que difere dos dois outros núcleos analisados, é formado pela aglutinação de loteamentos formais e clandestinos e ocupações que se aproximam cada vez mais do Rio Itacaiúnas, demonstrando a força e facilidade de apropriação desse padrão espacial.

A Nova Marabá: núcleo planejado, justificado pela expectativa de criação de uma base urbana de apoio à atividade industrial, mas que revela o caráter colonizador dos projetos na Amazônia dos anos 1970, desde o seu desenho exótico, em forma de folha da castanheira até sua escala, que pensada para o uso do automóvel, desvaloriza os rios, o pedestre e atividades que estimulem encontros.

A sobreposição das contagens às entrevistas realizadas e às percepções e observações de campo permitiram a classificação desses espaços públicos no quadro abaixo através do uso em cores indicativas do grau de urbanidade (decomposta nas categorias: diversidade, atratividade, acesso, segurança, identidade e conforto) observado em cada um dos núcleos. Este quadro apresenta o comportamento de cada espaço público dentro de seu núcleo em relação às categorias citadas, e a comparação entre cada uma dessas categorias. O núcleo pioneiro revelou-se como o de melhor desempenho, seguido pela Cidade Nova e Nova Marabá, seus espaços carregam características que lhe conferem diversidade, atratividade, acesso igualitário, segurança, identidade e conforto (exceto pelo atributo conforto no espaço público da orla).

O núcleo pioneiro é o que possui a melhor qualidade urbana, de acordo com categorias selecionadas, evidenciando a articulação entre espaço tradicional, o bioma e a sociabilidade de seus habitantes (que se apropriam, utilizam e modificam o espaço) revelando um espaço articulado com o bioma e de fácil a apropriação pelos habitantes que dependem de atividades tradicionais ligadas ao rio.

Já os núcleos da Cidade Nova e Nova Marabá apresentam desempenhos médios ou baixos. Estes núcleos foram relacionados com a aspiração do fortalecimento econômico, trajetória de destruição do bioma e da memória tradicional, a respeito da convivência com a floresta e os rios.

A nova lógica fomenta a substituição do modo de vida tradicional por fórmulas e estratégias que transformam a cidade em ponto de apoio das atividades de grande porte ligadas à acumulação de capital, e a proposta de desenvolvimento econômico que valoriza o uso da terra pelo seu valor de troca, e não mais de uso como a anterior, e alimentam os processos de valorização imobiliária.

A comparação das condições existentes em Marabá com as experiências e a  produção acadêmica de países do Norte Global a respeito de gestão urbanística e ambiental combinados, permite a sinalização do potencial existente em Marabá para a criação de um sistema de espaços públicos capazes de atender diversas escalas dentro do perímetro urbano, graças às várzeas que a cidade ainda dispõe, e que poderiam reinterpretar espaços naturais como espaços públicos/verdes de diversas escalas e funcionalidades.

Foram identificadas três formas de utilização do espaço público nos núcleos de Marabá. A que tem mais amplo espectro e a que melhor atende a literatura no quesito urbanidade, ocorre na Marabá Pioneira, onde há ocupação tradicional e a identidade amazônica mais forte. Nos outros núcleos a urbanização foi incompleta, e onde as lacunas geradas comprometem os conjuntos de características se articularem entre si e consequentemente o desempenho do espaço público.

Recentemente o aumento na pressão pela urbanização dos espaços livres tem levado à ocupação irregular e violenta dos varjões, há uma expectativa de drenagem definitiva e regularização da área a benefício das elites articuladas ao mercado imobiliário. Está aprovada a construção de uma nova usina hidrelétrica na área do Bico do Papagaio que poderá desviar o curso do rio Itacaiúnas e consolidar a urbanização de suas várzeas. Tal desastre socioambiental é visto com otimismo pelo setor imobiliário local. A terra tem sido vista somente como reserva de valor, e não está sendo entendida em seu potencial ambiental e social. A população sempre utilizou esses espaços para sociabilidade e o crescimento da mancha urbana não foi acompanhado pela oferta de nenhum tipo de alternativa que permita prática semelhante, a apropriação diversificada, gratuita, relativamente democrática, acolhedora, associadas às várzeas, praias, rampas de decida ao rio e que pode ser um referencial para as cidades amazônicas.

O desafio é tratar tais espaços sem elitizá-los ou deixá-los segregados e completamente invisíveis, e por isso, associados ao crime e ao atraso, isso seria o outro extremo.

Após esse percurso metodológico, a pesquisa produziu o mapa de um sistema de espaços livres/verdes para ilustrar o potencial existente, apontando áreas da cidade que podem receber um programa, tratamento e conexão com o sistema de ruas para adquirir visibilidade e atender à população em diversas escalas com um leque diversificado de alternativas de espaço públicos, conforme inspiração oferecida pela Marabá Pioneira.

O objetivo desse sistema seria dar visibilidade à variedade de tipos de espaços livres existentes em Marabá: espaços pontuais, já utilizados na cidade, mas que são insuficientes para a demanda; os espaços que são potenciais, marcados em vermelho, que podem ser trabalhados para criação de praças; espaços de descanso, amortecedores de trânsito ou simplesmente em barreiras de tráfego. Esses espaços podem contribuir para a criação de novas centralidades, desejáveis para o fortalecimento de qualidades urbanísticas, adotadas para análise nessa pesquisa, tornando o espaço o território da cidade mais seguro e diverso.

Os seguimentos em linha cheia representam a possibilidade de criação de espaços lineares em sua maioria relacionados à espaços contínuos de verde, já existente ou verdes com córregos, braços de rios e canais, espaços como parques lineares, vias ecológicas ou que conectam outros espaços, e podem contribuir para abrandar o microclima local, e oferecer os espaços públicos necessários à população, dentro do marco cultural de convivência com a natureza própria do bioma amazônico, fortalecendo a identidade da cidade de Marabá, característica importante segundo Alexander (13) para a população criar vinculo e desenvolver a res­ponsabilidade pelo cuidado com o lugar em que vive.

Outro tipo de espaço detectado com grande potencial são os espaços verdes contínuos, que correspondem aos varjões entre os núcleos e as beiras de rio, e devem ser preservados pela sua importância ambiental. Estes espaços já estão protegidos pelo plano diretor, porém não são efetivamente protegidos, tanto por falta de fiscalização quanto pela falta de apropriação dessas áreas pelas pessoas, favorecendo a sua ocupação indevida e especulativa por empresas privadas e ocupações sucessivas (e superpostas) pelos grupos sociais excluídos.

Considerações finais

Se as metrópoles brasileiras, consolidadas há mais tempo, colhem segregação e degradação socioespacial da urbanização guiada pela racionalidade cartesiana, industrial e homogeneizadora; a cidade da fronteira da Amazônia é conduzida por esse caminho mas ainda não absorveu completamente tal modelo, havendo ainda possibilidade da inovação a partir do encontro de racionalidades, visões de mundo e modos de usar e produzir o espaço urbano, conforme observado nas avaliações dos espaços públicos da Marabá Pioneira. Essa diretriz utópica espera contribuir para a superação da dicotomia cidade-natureza neste e em outros contextos brasileiros.

Observa-se que a Marabá Pioneira, de origem espontânea, contém espaços que estão intimamente ligados à identidade local, à proximidade com a natureza e aos saberes tradicionais, espaços predominantemente seguros onde as pessoas podem simplesmente estar, conviver ou desenvolver algum tipo de atividade, espontânea ou obrigatória.

Nas áreas planejadas da cidade, observa-se uma negação da identidade local e a imposição da cultura do automóvel, fato agravado pelo investimento insuficiente em transporte público; a circulação de pessoas nesses espaços é dificultada pela total adaptação das ruas ao tráfego de veículos. A solução espacial dos espaços públicos desse núcleo desestimula a permanência de pessoas, de acordo com as contagens realizadas e com os croquis das figuras 5, 7 e 9. É evidente que o número de carros é inversamente proporcional ao número de pessoas e transportes alternativos como a bicicleta, muito presente no núcleo pioneiro e pouco presente nesse núcleo planejado.

As contagens demonstram que todos os espaços são utilizados, uns menos outros mais, revelando a importância desse tipo de espaço aberto/público para a população. Para além da falta de qualidade nos espaços da cidade, a falta de identidade destes locais prejudica a permanência da população composta por pessoas de diversas origens, gera confusão no modo como veem a cidade e como se enraízam nela.

Em Marabá, os rios internos ainda sofrem tamponamento, quando não são deixados abertos recebendo o esgoto, ainda se cortam as árvores porque elas “sujam” as ruas, nivelam-se terrenos que “atrapalham” a circulação, aterram-se as áreas alagadas e assim por diante, em nome do progresso e segundo a lógica da fronteira em que atores econômicos e políticos se consideram imunes às determinações da legislação ambiental.

Este trabalho procurou construir perfis espaciais para sugerir uma nova abordagem para o sistema latente de áreas verdes e espaços públicos de Marabá, ainda invisível às autoridades, mas passível de acontecer por meio de diretrizes de desenho e análise do local, sem recurso a fórmulas, mas respeitando parâmetros e qualidades associadas ao bem viver, que curiosamente revelaram que se vive melhor onde o espaço é mais antigo e aliado ao bioma amazônico. A possibilidade de produção de um espaço-sistema capaz de conectar população-espaço-natureza apresenta-se como uma “nova” estratégia, que aproveita práticas tradicionais, de (re) construção da identidade da cidade de fronteira amazônica.

notas

1
MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000, p. 121-192.

2
PONTES, Louise Barbalho; CARDOSO, Ana Cláudia Duarte. Open Spaces: Windows for Ecological Urbanism in the Western Amazon. Urbe – Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2015.

3
PONTES, Louise Barbalho; BIBAS, Luna; CARDOSO, Ana Cláudia Duarte. Espaços livres em Marabá PA: nuances da forma e da apropriação dos espaços públicos. In: 4ª Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana – PNUM 2015. Brasília, Configuração urbana e os desafios da urbanidade, 2015.

4
CARDOSO, Ana Cláudia; LIMA, José Julio. Tipologias e padrões de ocupação na Amazônia Oriental. In: CARDOSO, Ana Cláudia Duarte (Org.). O urbano e rural na Amazônia. Belém, Editora da UFPA, 2006, v. 1, p. 55-93.[1] TOURINHO, 1991

5
TOURINHO, Helena Lúcia Zagury. Planejamento urbano em área de fronteira econômica: o caso de Marabá. Dissertação de mestrado. Belém, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, 1991.

6
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, Martins Fontes, 2011.

7
HOLANDA, Frederico de (Org.). Arquitetura e urbanidade. São Paulo, Pro Editores, 2003.

8
AGUIAR, Douglas. Urbanidade e a qualidade da cidade. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 141.08, Vitruvius, mar. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.141/4221>.

9
DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo, Pini, 1990; JACOBS, Jane. Op. cit.; LYNCH, Kevin. A boa forma da cidade. Lisboa, Edições 70, 1999.

10
GHEL, Jan. La humanización del espacio urbano. La vida social entre los edificios. Barcelona, Reverte, 2009; JACOBS, Jane. Op. cit.

11
SPIRN, Anne Whiston. O jardim de granito. São Paulo, Edusp, 1995.

12
Idem, ibidem.

13
ALEXANDER, Alexander; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray. Uma linguagem de padrões. Porto Alegre, Bookman, 2013.

referências complementares

CULLEN, Gordon. El paisaje urbano: tratado de estética urbanística. Barcelona, Blume, 1978.

BENTLEY, Ian; ALCOCK, A.; MURRAIN, Paul; MCGLYNN, Sue; SMITH, Graham. Entornos vitales. Barcelona, Gustavo Gili, 1999.

McHARG, Ian L. Design with nature. Nova York, American Museum of Natural History, 1971.

sobre as autoras

Luna Bibas é arquiteta urbanista (FAU/UFPA), mestranda no PPGAU/UFPA.

Ana Cláudia Cardoso é arquiteta urbanista (UFPA), mestre em Planejamento Urbano (UnB), Ph.D. em Arquitetura (Oxford Brookes University/UK) e professora associada da FAU PPGAU UFPA.

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