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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
O artigo aborda o processo de produção da arquitetura escolar no Estado de São Paulo a partir da década de 1960, comparando as experiências desta época com as atuais, propondo a discussão sobre diferentes modos de concepção de edifícios educacionais.

english
The article discusses the production process of school architecture in the State of São Paulo since 1960, comparing past experiences with current ones, in order to propose a discussion about different educational buildings conceptions.

español
El artículo analiza el proceso de producción de la arquitectura escolar en el Estado de São Paulo desde 1960, con el fin de proponer una discusión sobre las diferentes formas de concepción de los edificios educativos.

how to quote

CAVALLARI, Diogo. Sobre escolas que contam estórias. Drops, São Paulo, ano 15, n. 084.02, Vitruvius, set. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.084/5284>.



Do alto do miradouro do morro do convento se vê a praça histórica, implantada aos seus pés, local de fundação da cidade por Martim Afonso há quase cinco séculos. Dessa época colonial são testemunhos os edifícios da Igreja Matriz e da Casa de Câmara e Cadeia - brancos, caiados -, colocados em posição de destaque na ágora. Encostada ao morro, a ferrovia passa entre os elegantes arcos que estruturam a rampa de subida ao convento, dividindo a cidade em duas e marcando o fim do centro histórico.

Nesse sítio de densidade histórica Artigas projetou, em 1959, uma das grandes referências da arquitetura paulista, o Ginásio de Itanhaém, construído do outro lado da linha férrea, de frente para a antiga estação. A essa época de urbanização ainda incipiente a escola aparecia soberana ao pé do morro do convento, o que tornava intensa sua relação com a parte antiga da cidade.

Atento às particularidades da geografia local, o projeto de Artigas alonga-se pela baixada, mantendo a linha de cumeeira bem próxima ao chão de modo a reafirmar a horizontalidade do sítio e evitando o confronto com o outeiro próximo.

O acesso dos estudantes volta-se para a fachada do convento franciscano e é coroado pelo painel “Anchieta” – de autoria do Pernambucano Francisco Brennand – em referência aos passos do jesuíta por esta região – diálogo histórico ainda reforçado pelo aspecto similar à caiação dado pelo concreto rudimentar pintado de branco.

Numa visada a partir das fachadas menores – acesso e fundos – é notável a expressividade da estrutura obtida pela sequência de pórticos que tiram massa dos pontos de apoio e liberam a passagem pelo eixo longitudinal do edifício. Nas elevações laterais, entretanto, o edifício mostra-se sentado ao chão, sóbrio e seguro – mais ao gosto português –, revelando-nos o equilibrado jogo entre peso e leveza. Apesar de seu vanguardismo – ou justamente por isso – é como se a escola se sentisse parte de uma história iniciada há mais de 400 anos antes de sua existência.

 

A escola de Itanhaém inicia uma série de projetos das décadas de 60 e 70 que se dispõe a pensar a arquitetura escolar em seu sentido mais amplo. Além de Artigas, outros grandes nomes como Paulo Mendes da Rocha e Flávio Motta desenvolveram naqueles anos caminhos de grande especulação estrutural e espacial, dispostos a vincular de maneira visceral o projeto de arquitetura ao pedagógico. A escola, pensada como edifício exemplar, de vanguarda, servia ao propósito de mostrar o esforço público na educação de cidadãos pensantes, evidenciando a ideia de que o espaço educacional deve proporcionar algo além do previsto na grade horária ou no livro didático. Nas palavras de Artigas: “alfabetizar não basta, nem é essa a finalidade da escola no mundo moderno”, e ainda: “Nessa procura de rumos, (...) constroem-se escolas cuja arquitetura reflete talvez melhor do que qualquer outra categoria de edifícios, as passagens mais empolgantes de nossa cultura artística; os recursos técnicos que tivemos à disposição; as ideias culturais e estéticas dominantes” (1).

Após as experiências iniciais, na década de 70 apresentou-se a necessidade de aumento expressivo do número de vagas levando a administração pública a pensar maneiras de construir escolas em grande número e de forma rápida. O problema antes tomado caso a caso passou a ser enfrentado a partir de raciocínios quantitativos, buscando estruturar uma rede de escolas que atendessem a demanda.

Neste processo, o projeto adotou a padronização de dimensões, processos e materiais desde a estrutura – opção pelo sistema de peças de concreto pré-fabricadas – até os acabamentos. Foram normatizados os componentes a serem utilizados em todos os edifícios e determinadas as características exatas de cada ambiente que compõe uma escola. Deste modo, concomitante à aceleração do processo atingiu-se alto grau de homogeneidade da linguagem da arquitetura escolar em todo o estado.

Em nome da possibilidade de repetição, a implantação que antes buscava a relação mais harmoniosa com o relevo natural – como no Ginásio de Guarulhos – passou a exigir grandes cortes e aterros no terreno para possibilitar a construção de um ou dois blocos retangulares. Em terrenos planos ou de acentuada inclinação, da zona norte à zona sul e do interior ao litoral a resposta dada tornou-se bastante semelhante, ressaltando a convicção de que um sistema único teria a capacidade de atender a qualquer realidade, sendo o reflexo do programa e a transparência da técnica.

O surgimento da normatização, se num primeiro momento trouxe a estruturação do pensamento dos anos anteriores posteriormente passou a se apresentar como solução a priori, sobreposta às especificidades de cada projeto e às complexidades locais. A unidade foi alcançada por meio da supressão das diferenças, num processo de descontinuidade com o espírito especulativo que permeava o processo de projeto dos arquitetos de escolas na década de 60.

A estrutura como detentora da identidade e da expressividade plástica de cada edifício torna-se arcabouço padrão de sustentação de volumes e a pluralidade de partidos arquitetônicos existentes sucumbe à espacialidade repetitiva da linguagem oficial. O projeto da escola como rearranjo de blocos torna-se cada vez menos permeável ao seu entorno devido tanto à rigidez espacial quanto ao crescente número de gradis e caixilhos que servem de grades (mal) disfarçadas.

É especialmente desafiador o exercício de pensar em como produzir hoje uma escola bem adaptada ao lugar como a de Itanhaém. Como alcançar a elegância estrutural, a sensibilidade às preexistências e a correta percepção do lugar, aspectos dignos de um edifício público educacional, a partir de correções caligráficas de uma linguagem pré-estabelecida?

Nesse sentido, é necessário lembrar que no início da década passada arquitetos renomados foram convidados pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) para projetar escolas-referência, tendo maior liberdade na organização espacial e na utilização dos materiais, com destaque para a introdução do aço em estruturas mistas. Esse período de experimentação, entretanto, não foi sucedido de um processo de consolidação e expansão das conquistas arquitetônicas, mas, em movimento contrário, vem sendo substituído pela crescente aplicação de projetos-padrão. Hoje, torna-se comum a abertura de licitações que têm como escopo a implantação de edifícios de dimensões estabelecidas, resumindo o trabalho do arquiteto ao fazer caber. As escolas são licitadas em lotes de dezenas e o escritório vencedor recebe o desafio de implantar grande número de edifícios em pouco tempo, garantindo o cumprimento dos prazos.

Ademais da precarização do escopo do arquiteto que tal decisão coloca, a replicação representa a abdicação, por parte do Estado, da responsabilidade de entender o edifício escolar como importante agente na construção da cidade, principalmente em áreas periféricas. Dispensado da mediação da cultura e da interferência local, o projeto-padrão representa o empobrecimento material e cultural condizente com nosso sistema pedagógico massificado que tem por base prática a aprovação automática de alunos.

Apropriando-me de um trecho de Hector Vigliecca a respeito da produção de habitação social, mas transferindo o significado para o nosso caso, a escola pública “não é um problema de quantidade, nem de custo, nem de tecnologia; a questão central é, sim, a construção da cidade” (2). Nesse pensamento, é necessário entender a ação pública como legado capaz de restituir urbanidades em meio ao caos. Teatros, casas, escolas, museus e bibliotecas devem ser frutos de contínuas especulações em torno do entendimento da arquitetura como expressão da cultura de um povo, participante ativa do movimento de criação de sentido para o ambiente do homem.

A arquitetura pode se fazer narrativa, contar estórias que se relacionam ao lugar de forma a construir com as pessoas relações de descoberta cotidiana. Uma obra deve explorar sua capacidade de ativar nossos sentidos, de construir o imaginário da criança e do adulto e, em contrapartida, alimentar-se das inúmeras formas de apropriação que o homem inventa para o seu espaço.

Projetos como o SESC Pompéia, o Centro Cultural São Paulo, ou a FAUUSP, têm em comum a diversidade e a ambiguidade espaciais que oferecem múltiplas possibilidades às apropriações, detendo ainda o grau de complexidade necessário para que a vivência arquitetônica pessoal vá se completando ao longo dos anos, de maneira pouco óbvia. É curioso nestes projetos como grupos de afinidades ocupam determinados espaços de maneira regular. Não é raro ao visitar CCSP observar que os dançarinos de hip-hop, os estudantes de cursinho pré-vestibular, o pessoal ligado às artes ou a 3ª idade ocupem lugares específicos, onde se sentem mais à vontade. Ou na FAU, estabelecendo semelhanças entre os usuários mais frequentes do banco dos bichos, os do piso do museu, os da lanchonete ou os do chiqueiro, grupos que se formam por proximidades de faixa etária, gosto musical, ideologia política e por uma conjunção de muitos outros fatores.

À maneira das cidades vivas, os projetos que ficam na memória têm a heterogeneidade necessária ao abrigo das diversas particularidades humanas, sem que isto aconteça através de especificações programáticas por parte do arquiteto, mas antes pela absorção de estratégias projetuais por vezes dissonantes. Alternâncias entre ordem e irregularidade, variações de escala, espaços de reclusão e exposição, cobertos e descobertos aproximam os ambientes de um edifício às ruas, calçadas e praças da cidade no que elas têm de permissividade ao verso livre, não domesticado por uma métrica monótona.

Em contraponto, as escolas genéricas de São Paulo carecem de urbanidade.

Concentradas em um ou dois blocos, na implantação mais compacta possível e muito compartimentadas internamente, as escolas-padrão fecham-se para dentro e para fora, explicitando a demarcação entre interior e exterior. As rígidas estratégias de fluxos tornam as circulações meras linhas de conexão sala-pátio, ao invés de interstícios de convivência e aprendizado criados por relações mais ambíguas entre percursos. As salas de aula, por sua vez – padronizadas em suas dimensões e dispostas sempre agrupadas em bloco –, não exploram a fluidez entre espaços de aprendizagem e áreas livres, jardins, de modo a criar relações mais orgânicas que pudessem construir identidades para os diferentes espaços.

 

As possibilidades projetuais apontadas aqui não são necessariamente uma resposta a um problema e sim uma interpretação deste. Revelam o desejo de que a concepção das novas escolas seja um laboratório de projetos, onde haja espaço para a especulação e consequente diversificação de linguagens e sistemas estruturais. Que o projeto da escola pública não seja linha de produção, mas lance sementes de pensamento, garantindo uma produção livre e heterogênea.

Temos o exemplo da Colômbia e sua plural produção de escolas e bibliotecas, com projetos inspiradores e bastante diversos entre si agrupados sob a organização de instituições como a RNBP (Red Nacional de Bibliotecas Públicas). Sensíveis e abertos ao ambiente que os cercam, esses edifícios contribuem não apenas para a educação, mas almejam a reconciliação em zonas de conflito, combatendo a violência e o narcotráfico com cultura e poesia.

A nós, cabe a consciência da necessidade de realimentar nossas referências, seja a partir das culturas locais, seja superando a falta de atenção à produção estrangeira, reflexo do sentimento de autossuficiência que torna o debate ensimesmado e a produção pouco estimulante – a exemplo dos resultados de concursos públicos de arquitetura.

Realimentação que inclui também enriquecer o processo projetual a partir dos olhares histórico, geográfico, sociológico e antropológico, de modo a não resumir a arquitetura à condição pretensamente científica de consequência natural do emprego da técnica, mas reservando-lhe espaço para o diálogo com o universo simbólico que habita a mente humana.

notas

1
ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura. Sobre escolas. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2004. Pag.122.

2
VIGLIECCA, Hector. Concurso Morar carioca. Disponível em <http://www.vigliecca.com.br/pt-BR/projects/morar-carioca>. Acesso em: 15/06/2014.

sobre o autor

Diogo Cavallari é arquiteto e urbanista graduado pela FAUUSP (2012), tendo cursado a Universidade Técnica de Lisboa (UTL) em 2011. É sócio do escritório AUÁ arquitetos, fundado em 2013.

 

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084.02 escola paulista
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