Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Felipe Moreira, em divertida crônica, nos conta como num dia qualquer da semana é possível se fazer tudo para não se fazer o principal.

how to quote

MOREIRA, Felipe. Crônica de um mestrando com procrastinação crônica. Ou como fazer tudo sem fazer o principal. Drops, São Paulo, ano 17, n. 107.02, Vitruvius, ago. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.107/6138>.


Reservei o período da manhã para escrever um artigo para um seminário sobre urbanização de favelas. Acordei cedo, arrumei a cama, escovei os dentes e comecei a preparar um café.

Arrumei a mesa, ajeitei o prato, o copo, os talheres. Ainda sonolento, servi-me de um chocolate quente com torradas. O frio e a preguiça pedem uma comidinha mais aconchegante para acolher e aquecer a alma. Na tentativa de despertar de vez, arrematei com café e bolachas (ou seriam biscoitos?).

Escovei os dentes, lavei o rosto, troquei de roupa. Espreguicei-me e senti as pernas e as escápulas se contorcerem. Estou velho, pensei.

Sentei à mesa, liguei o computador e, enquanto esperava ele ligar, observei que sob os meus pés estava uma camada generosa de pó e poeira. Senti o meu nariz coçar. Não dá pra escrever assim, pensei. Eu tenho rinite, logo logo ela ataca e acabará com toda a minha concentração.

Levantei-me, fui até a área de serviço, comecei a montar o aspirador. Tocou o celular e eu fui atender. Não era uma ligação, era alarme. Voltei para a mesa do computador e abri os emails. Eram duzentos não lidos. Li alguns, respondi poucos, sobraram muitos.

Lembrei-me que precisava marcar entrevistas para o mestrado e comecei a articular isso. Entrei no website do seminário, copiei a estrutura requerida para o artigo, colei no word e, de repente, atchim!!!

A maldita rinite chegou, lembrei-me de que não limpei a casa. Levantei, vi a louça na pia e resolvi lavar. Mas, para lavar a louça, é preciso antes guardar a que estava esperando no escorredor. Senti a perna direita vibrar. Achei que era uma nova mensagem no celular. Eram trezentas.

Sentei no sofá e li todas. Respondi poucas. Entrei na internet e li as notícias importantíssimas sobre atualidades. Vi que Michael Phelps passou a maior barra, que uma cantora nova, ou pelo menos nova pra mim, estava lançando uma música à capela, assisti ao clipe dessa tal música nova. Achei tudo meio repetitivo e mais um talento desperdiçado...

E ai veio outro espirro.

Outra vez, esqueci-me de aspirar a casa. Achei melhor varrer. Varri, como sempre, cantarolando na cabeça “diga onde você vai, que eu vou varrendo! vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo...”

Já logo pensei: lê Hanna Arendt mas gosta de pagode. Quem nunca?

Quando fui guardar a vassoura, senti um cheirinho de comida vindo do meu vizinho, bateu fome. Esquentei a comida. Comi, lavei louça, guardei louça. Fui escovar os dentes e, pela primeira vez no dia, olhei-me no espelho.

Por Deus, que cara é essa? Toda inchada, mal dormida, acabada... Resolvi fazer a barba para diminuir a cara de cansaço. Cortei-me várias vezes. Ficou uma coisa meio Fred Krugger. Pensei em colocar uma camiseta listrada pra fazer um cosplay mais apropriado, mas ela estava pra lavar, vou trabalhar com uma lisa mesmo.

Já são quase 13 horas e eu preciso ir para o trabalho.

Desisti de escrever o artigo, por hoje, e resolvi escrever essa crônica. Quem sabe escrevendo sobre qualquer outra coisa eu não me animo de escrever sobre o que eu realmente preciso.

Vocês devem ter percebido que esta crônica não terá revisão – porque não tenho tempo – então perdoem qualquer coisa.

Resolvi postá-la porque, né, não quero sofrer sozinho desse mal.

Aos cúmplices de todas as horas procrastinadas, uni-vos! Estou certo de que não sou único. E nem de que estas foram as últimas horas procrastinadas de minha vida.

nota

NE – Esta crônica foi publicada originalmente no Facebook.

sobre o autor

Felipe Moreira é arquiteto (FAU Mackenzie), mestrando em Habitat na FAU USP e membro da equipe de urbanismo do Instituto Pólis. Foi co-fundador do escritório modelo MoSaIco e trabalhou como consultor desenvolvendo Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) e de regularização fundiária em diversos municípios do estado de São Paulo.

 

comments

107.02 literatura
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

107

107.01 sustentabilidade

FabCity Amsterdam 2016

Uma nova utopia para as cidades do futuro

Gabriela Celani

107.03 sustentabilidade

Os desafios do lixo

Denise Pereira

107.04 exposição

O repouso de Laura Gorski

Ricardo Resende

107.05 lançamento

João Kon, arquiteto

Uma novidade no panorama arquitetônico de São Paulo

Abilio Guerra

107.06 história

Sobre a memória dos lugares e os lugares na memória

O novo nome do Minhocão e o apagamento da ditadura militar

Eliana Rosa de Queiroz Barbosa

107.07 homenagem

Pedro Paulo de Melo Saraiva, 1933-2016

Luis Espallargas Gimenez

107.08 cultura

O metrônomo do corpo

A música e a dança como espaços da liberdade

Federico de Felice

107.09 homenagem

Adeus Capitán

Cláudio Araújo (1931-2016)

Sergio Moacir Marques

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided