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drops ISSN 2175-6716

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Em 2006, a estatal belga RTBF apresentou em horário nobre um documentário sobre o fim do país, levando muitos belgas de língua francesa ao choro diante do fato inelutável. Mas, a emissão era uma obra ficcional.

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LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. 13 de dezembro de 2006. O dia em que a Bélgica acabou. Drops, São Paulo, ano 18, n. 118.02, Vitruvius, jul. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.118/6597>.


Cena do documentário Bye Bye Belgium
Foto divulgação


“A Bélgica é um território indefinido onde minorias se disputam em nome de duas culturas que não existem”.
Jacques Brel

O reino da Bélgica, criado no início do ano de 1830 pelas potências hegemônicas de então, passou por incontáveis crises, e todas elas de caráter existencial. Dividido de maneira quase antagônica entre valões de língua francesa e por flamengos, o pequeno país já passou por seis reformas de Estado que tiveram dois resultados, o de criar um sistema estatal extremamente complicado e o de separar os compatriotas em duas sociedades distintas e que a tudo separa: sistemas político, educacional, cultural, judiciário, profissional – e o fato de falarem duas diferentes línguas é apenas um detalhe. Por exemplo, quando há uma eleição dita “nacional”, não há certeza de que os partidos políticos – todos regionais, a Bélgica é um dos poucos países no mundo em que existe uma regionalização política – consigam formar um governo. Depois da eleição de 2010 foram exatos 541 dias para formar um precário governo de coalizão que envolveu quase todos os espectros políticos: os socialistas, os democratas cristãos e os liberais (foram excluídos apenas os ecologistas, os nacionalistas e a extrema direita). O atual governo federal apresenta o constrangedor paradoxo de ter como partido mais importante e influente o flamengo NV.A (Nova Aliança Flamenga), cujo ponto principal do seu estatuto é o fim do Estado Belga. Definitivamente, o verme está no fruto.

Em 13 de dezembro de 2006, a estatal RTBF (Radio Télévision de La Bélgique Francophone) apresentou em horário nobre um documentário (supostamente ao vivo e supostamente não ficcional) sobre o fim do país. Tudo foi exibido: a comemoração dos nacionalistas flamengos, a abdicação do Rei (na época Albert II, irmão do antigo e popular rei Bauduin I) e o fato de a chamada fronteira linguística (que separa a Valônia de Flandres) ter se tornado uma fronteira de Estado. E tudo a partir do fato de o parlamento regional de Flandres ter declarado cisão de maneira unilateral, isto é, sem o conhecimento nem a concordância das instâncias federais. Muitos belgas de língua francesa se assustaram, se comoveram e até choraram diante do fato inelutável do fim do seu país. O que nem as duas invasões alemãs (em 1914 e 1940) haviam logrado realizar estava diante dos aflitos telespectadores: Bye Bye Belgium... (1) E era este justamente o nome do documentário. Contudo, o que havia passado despercebido pela maioria era o anúncio inicial da emissão de que se tratava de... uma simples ficção em telejornal sério e respeitado. Não, a Bélgica não havia acabado e nem havia sido declarada a cisão unilateral pelo Parlamento Flamengo. Não havia, igualmente, uma fronteira de Estado e o Rei continuava tranquilamente em seu Palácio (2).


Documentário Bye Bye Belgium

Contudo, uma importante barreira havia sido rompida: os belgas de língua francesa se deram conta – finalmente! – do quão frágil era o seu país e que o Reino poderia, simplesmente, deixar de existir (3). Ora, tudo o que é pode não ser pelo simples fato de ser. No campo geopolítico europeu as antigas Iugoslávia, União Soviética e Tchecoslováquia são exemplos mais que suficiente deste fato. A sexta reforma do Estado belga, penosamente negociada entre os anos 2010 e 2011, representou, de maneira clara, a lenta agonia de um Estado: a partir de 2019 não haverá mais repasses financeiros entre as duas principais regiões do país. Os valões, que já gozam de menos benefícios sociais que os flamengos e que já dirigem os seus carros em estradas em estado precário e que já contam com menos linhas de trem (e os exemplos são múltiplos), terão a sua vida ainda pior. Ora, pode-se perguntar por que um Estado que não trata os seus cidadãos de maneira equânime ainda tem alguma razão para existir. Curiosamente, uns dos refrãos da Brabançonne – hino nacional belga – é: “Tu viverás sempre grande e bela/ E a tua invencível unidade” (4). A tal “invencível unidade” se refere à aliança entre liberais e católicos, origem do país, porém, pensando na situação atual da Bélgica e considerando o seu hino de maneira irônica, não parece mais ser claro que seria os sujeitos da frase...

notas

1
“Há dez anos, no dia 13 de dezembro de 2006, a RTBF, interrompia a sua programação para anunciar a independência de Flandres. O documentário ficção Bye Bye Belgium tinha como ambição sensibilizar o público francófono belga sobre as questões da crise comunitária. Foi um eletrochoque que não deixou de despertar uma grande polêmica”. L., A.; MARLET, P. Bye Bye Belgium: en 2006, le docu-fiction de la RTBF créait un électrochoc. RTBF, Bruxelas, 12 dez. 2016 <https://www.rtbf.be/info/medias/detail_bye-bye-belgium-en-2006-le-docu-fiction-de-la-rtbf-creait-un-electrochoc?id=9479103>. Tradução do autor do francês para o português.

2
Era um projeto no qual a política se misturava à procura de uma nova linguagem televisual: “Estava claro, a emoção foi mais forte do que aquela que havia sido imaginada pelo criador do programa, Philippe Dutilleul. Para ele assim como para a RTBF o dia seguinte foi gasto em justificativas: ‘A dimensão da emoção nos surpreendeu, mas nós não havíamos feito este programa pela emoção, mas, sobretudo, pela reflexão. Nós queríamos inaugurar uma nova forma de linguagem televisual na qual, em um documentário ficção sobre um tema que diz respeito ao conjunto da opinião pública e da sociedade belgas, com um roteiro o mais realista possível, mas também deslocado [da realidade]’, explicou ele”. Idem, ibidem. Tradução do autor do francês para o português.

3
“Em um texto de quatro folhas, o roteirista franco-belga [Philippe Dutilleul] evoca, então, a separação do Reino [da Bélgica] como “uma passagem obrigatória para apaziguar as tensões cada vez mais fortes entre as comunidades flamenga e valona’ O povo? ‘Anestesiado em um país dividido culturalmente, acorrentado por uma classe política frequentemente clientelista e sem visão, ele não se expressa a não ser em sondagens cujos resultados são a sua ligação majoritariamente pró-Bélgica, até mesmo em Flandres. Tente entender...’ Escrevem os autores”. PAR KERVIEL, Sylvie; STROOBANTS, Jean-Pierre. Bye-Bye Belgium, radiographie d'un canular <www.lemonde.fr/actualite-medias/article/2006/12/16/bye-bye-belgium-radiographie-d-un-canular_846469_3236.html. Tradução do autor do francês para o português.

4
REDAÇÃO. Les paroles de la Brabançonne. La Libre, Bruxelas, 23 jun. 2016 <www.lalibre.be/light/societe/les-paroles-de-la-brabanconne-576b8b2d35705701fd8ce863>. Tradução do autor do francês para o português.

sobre o autor

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima é arquiteto e urbanista graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Especialista em Filosofia Contemporânea pela UFES, Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP e Estágio Pós-Doutoral pela FAU USP.

 

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