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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
A cidade – fábrica que permite a concentração dos meios de produção num pequeno espaço, como ferramentas, matéria prima e mão de obra – não é apenas local de reprodução da força de trabalho, mas um grande negócio, espaço de consumo e consumo de espaço.

english
The city as the factory allows the concentration of the means of production in a small space. But the city is not only a place of reproduction of the workforce, in capitalism the city becomes a big business, space consumption and space consumption.

español
La ciudad – fábrica que permite la concentración de los medios de producción, como herramientas, materia prima, mano de obra – no es sólo local de reproducción de la fuerza de trabajo, mas un gran negocio, espacio de consumo y consumo de espacio.

how to quote

SILVA, Marcos Antonio Francelino da. Disputando o poder. A lógica do capital e sua apropriação da cidade. Drops, São Paulo, ano 18, n. 122.06, Vitruvius, nov. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.122/6781>.


Construção do Parque Olímpico do Rio de Janeiro, anos 2010
Foto Verena Glass [EBC – Empresa Brasil de Comunicação]


A contradição urbana entre capital e trabalho

Ao partimos de uma análise histórica, do ponto de vista do materialismo histórico, a cidade é marcada pelas relações sociais de produção, e em particular a propriedade dos meios de produção e de vida, onde essas determinam o lugar que ocupam os indivíduos na sociedade capitalista. No capitalismo a cidade torna-se um grande negócio onde solo urbano é a grande mercadoria. A propriedade fundiária pressupõe que certas pessoas têm o direito de dispor de determinadas partes do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade (1). Esse monopólio é definido pelo poder garantido pelas leis que permitem que determinadas pessoas usem ou não partes do globo. Este poder permite que o proprietário proceda com a propriedade fundiária como se fosse uma mercadoria qualquer. Assim, a mercadoria terra, funciona como base material primária do capital e também como reserva de valor, devido justamente a que seu preço é uma renda capitalista.

Neste contexto, temos a terra como um bem limitado e não reproduzível, pois não se constitui do trabalho humano, não tem valor (trabalho socialmente necessário), e que materializa-se como propriedade privada ao ser adquirida, através do mecanismo de compra e venda, no mercado imobiliário, que realiza a renda obtida pelo proprietário fundiário. Por sua vez, o proprietário fundiário dos chamados “vazios” urbanos ou de imóveis que não cumpram sua função social, se apropria tanto do capital privado quanto do capital público investido em uma determinada localidade em um determinado momento do processo de produção. As terras privadas que não cumprem sua função social, de modo geral, nos perímetros urbanos, são espaços de reserva de valor. Essas terras urbanas são, por vezes, “presenteadas” por investimentos em determinada localidade. Esse processo caracteriza o melhoramento da terra através do capital incorporado a localidade, o que consequentemente gera um lucro maior ao proprietário da terra, que em diversas situações não teve despesas durante o processo. A figura do proprietário fundiário acaba se particularizando neste contexto, por sua capacidade de se apropriar do trabalho social gerado em outras esferas (2). Grosso modo, a renda da terra é a forma econômica através da qual as propriedades fundiárias se realizam.

Assim, o espaço torna-se aqui uma mercadoria, uma atividade produtiva, algo que possui valor de uso e valor de troca, o espaço é o produto material em relação a outros elementos materiais – entre eles, os homens, que dão ao espaço em relações sociais determinadas, uma forma, uma função, uma significação social (3). Portanto, ele não é uma pura ocasião de desdobramento da estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto histórico, no qual uma sociedade se especifica.

Portanto, a lógica do capital e sua apropriação do espaço baseiam-se na contradição capital versus trabalho e suas manifestações na vida social, sendo assim produtora da urbanização da sociedade, através do processo histórico de constituição da estrutura econômica e política das cidades.

O espaço como fonte de poder social: o fenômeno da gentrifição

No capitalismo a organização do espaço urbano e do uso da terra passa pela análise da renda da terra, seu valor de uso e de troca, que ao colidirem transformam o solo e as benfeitorias daquele espaço em mercadorias. A urbanização é essencial para a sobrevivência do capitalismo (4). Com o avanço do capitalismo financeiro, a urbanização tornou-se um dos principais focos de acumulação de capitais, as grandes cidades tornaram-se fabricas, em um mundo onde a terra possui um valor que varia conforme as condições de infraestrutura onde se inserem os terrenos.

Nesse cenário, podemos observar de um lado a formação de vizinhanças riquíssimas providas com todos os tipos de serviços e, do outro lado, áreas despossuídas de redes água, energia elétrica e/ou saneamento. Elevam-se verdadeiras fronteiras marcadas por uma linha de separação, um traço desenhado no solo, uma cerca erguida, muralha, arame farpado, miradouros. Este tipo de separação é, para além de física, também ética, política, anunciando uma divisão entre o que é permitido e não permitido, o legal e não legal, o incluído e o excluído.

Estes conflitos eclodem da contradição capital versus trabalho e dela também surgem no meio urbano alguns fenômenos, entre eles a gentrificação, fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Sobre isso relata Engels:

“A expansão das grandes cidades modernas dá um valor artificial, colossalmente aumentado, ao solo em certas áreas, particularmente nas de localização central; os edifícios nelas construídos, em vez de aumentarem esse valor, fazem-no antes descer, pois já não correspondem às condições alteradas; são demolidos e substituídos por outros. Isto acontece antes de tudo com habitações operárias localizadas no centro, cujos alugueres nunca ou então só com extrema lentidão ultrapassam um certo máximo, mesmo que as casas estejam superpovoadas em extremo. Elas são demolidas e em seu lugar constroem-se lojas, armazéns, edifícios públicos” (5).

Os processos de gentrificação são tão recentes como o emprego da palavra, estes estão enraizados em algo de mais fundamental, o capitalismo. As fronteiras da gentrificação não são mais que meras instâncias particulares das linhas de desigualdade que caracterizam todas as relações sociais capitalistas, que aludem ao mito do empreendedor individual e escondem forças económicas globais empenhadas num desenvolvimento desigual no seio de espaços urbanos.

Enquanto agência de colonização urbana, a gentrificação pressupõe a prática sistemática de desalojamento de classes populares. Baseia-se numa possibilidade económica muito simples: a diferença potencial no valor da renda de solos e áreas urbanas construídas. O processo no entanto não é só econômico, mas também político e social (6). Ela se pressupõe na lei e no poder do estado e requer o apagar da geografia e da história das classes populares da cidade, reinscrevendo outra história social que justifica preventivamente outro novo futuro urbano.

Deste modo, esse fenômeno não deve ser associado a uma mera alteração nos padrões de consumo relativamente à habitação ou a uma transformação consequente à livre escolha de indivíduos desejosos de regressar à cidade por razões diversas, interpretações deste tipo não passam de equívocos. A gentrificação é um movimento de deslocamento, de desalojamento, de expulsão de classes populares por classes dominantes, não devendo assim ser naturalizado. É através de fenômenos como a gentrificação que os conflitos oriundos da reprodução de mercadorias e da própria vida social dentro da cidade se apresentam no capitalismo. Pois, a urbanização capitalista tende a destruir a cidade enquanto realidade social e política, enquanto realidade comum de números sem fim de maneiras de habitar.

E o direito a cidade onde fica?

Neste momento, fica clara a ideia de que o espaço exerce forte domínio social sobre a vida cotidiana, e que fenômenos como a gentrificação acarretam drásticas mudanças no solo urbano e tem como grande objetivo a acumulação de capital. Em uma visão global, a reprodução do espaço parece seguir a lógica da acumulação capitalista e da segregação de grupos excluídos desta lógica, e se observa esse fato principalmente nas grandes cidades capitalistas. Assim, em grandes cidades, diferentes períodos de reprodução do capital, de maior ou menor intensidade, estão refletidos na paisagem e contribuem para criar novas relações sociais de produção. Entretanto, apesar do domínio do espaço ser em geral imposto por grupos dominantes ainda existem momentos de resistência a esse domínio: as favelas, a invasão de prédios públicos, os movimentos sociais, entre outros, representam uma forma de resistência ao que está sendo concebido no espaço.

O espaço é um agente político, nas grandes cidades, onde eclodem as contradições da relação capital versus trabalho, o controle e a apropriação dos espaços se torna fundamental. O espaço é um produto social, construído coletivamente por atores sociais que possuem intencionalidades, é a expressão da sociedade que o produz, deste modo, os espaços produzidos pela sociedade capitalista moderna vão contribuir então para a manutenção de toda a desigualdade existente nela, todos os conflitos e contradições, reflexos das relações de produção e da luta de classes. As relações de produção e a luta de classes se estendem à luta pelo espaço, pela sua apropriação, a sociedade produz o espaço e com ele todo um modo de vida, se essa afirmação é verídica então o direito a cidade só pode ser entendido como uma reapropriação da cidade pelos grupos excluídos pelo capitalismo, na perspectiva de construção de formas e mecanismo anticapitalistas de ocupação e de uso do espaço.

notas

1
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo, Abril Cultural, 1988.

2
Idem, ibidem.

3
CASTELLS, Manuel. Posfácio. In: CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.

4
Lefebvre, Henri. A revolução urbana. Tradução Sergio Martins. Revisão técnica Margarida Maria de Andrade. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999.

5
ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. Tradução Nélio Schneider. Coleção Marx e Engels. São Paulo, Boitempo, 2015, p. 160.

6
GAVROCHE, Julius. Gentrificação: A cidade como campo de apropriação, deslocação e segregação. Autonomies, mai. 2015 <http://autonomies.org/pt/2015/05/gentrificacao-a-cidade-como-campo-de-apropriacao-deslocacao-e-segregacao>.

sobre o autor

Marcos Antonio Francelino da Silva é graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisador pela CNPQ no projeto “Avaliação da produção habitacional de interesse social em Alagoas: aspectos metodológicos e aproximações entre o programa minha casa minha vida e o PAC urbanização de assentamentos precários” até 2014. Diretor de Relações Externas na Federação dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, desde 2015.

Construção do Congresso Nacional, Brasília DF, anos 1950
Foto divulgação [Arquivo Público do Distrito Federal]

Série de quadrinhos sobre o tema gentrificação, de Grayson Perry
Imagem divulgação

 

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122.06 gentrificação
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