Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Avaliando a eleição de um projeto conservador para governar o país, Luiz Fernando Janot afirma que foram-se os tempos em que valores culturais sobressaíam na sociedade sobre o imediatismo estabelecido pelo mercado.

how to quote

JANOT, Luiz Fernando. Dando a volta por cima. Drops, São Paulo, ano 19, n. 134.07, Vitruvius, nov. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.134/7179>.


Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, montage da Cia Guerreiro, Teatro do SESI Jacarepaguá, 2012
Imagem divulgação


Cumprindo o ritual democrático, a população brasileira foi às urnas com a intenção de aposentar velhas raposas políticas e eleger no seu lugar alguns ilustres desconhecidos. Insatisfeita com o que de podre viu emergir de governos passados, foi implacável na escolha do novo presidente da República.

Por se tratar de um indivíduo apegado à moral conservadora e um crítico exacerbado de certos avanços da sociedade contemporânea, a sua vitória representa um motivo de preocupação. Não duvido que a sua personalidade autoritária e impulsiva possa levá-lo a perder o controle durante a defesa de seus arcaicos pontos de vista.

Quem não compartilha do seu ideário político e cultural deve estar atônito por não saber ao certo qual rumo ele irá dar à nação no decorrer do seu mandato. Toda a atenção é pouca diante de certas propostas controversas, que chegam a tangenciar os limites estabelecidos pela Constituição Federal.

Não há dúvida de que o maniqueísmo que predominou nesta eleição, e que de certo modo ainda se observa nos dias de hoje, se deve ao embate entre duas correntes políticas extremadas e antagonicamente opostas. Se a arrogância do vencedor é um fato incontestável, no partido derrotado a soberba falou mais alto. Seus partidários insistem em não admitir os desvios de conduta durante a época em que estiveram no poder.

Em razão dessa postura esquizofrênica, perderam importantes aliados e o apoio de uma parcela significativa da população. Agora é tarde para ficar chorando o leite derramado e conclamando seus seguidores a praticarem bravatas inconsequentes. A história mostra como as derrotas têm sido implacáveis com os perdedores, especialmente com suas figuras mais notáveis.

Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo e cronista do cotidiano, deixou um extraordinário legado sobre as idiossincrasias da sociedade brasileira. Não tolerava hipocrisia e muito menos o cinismo daqueles que utilizam artifícios espúrios para camuflar os desatinos praticados. Ele sabia como poucos explorar tais comportamentos com humor e sarcasmo.

Com o seu linguajar afiado, também não poupava as contradições dos militantes políticos que o consideravam um reacionário da pior espécie. Para cada acusação recebida, usava sua verve provocativa para acirrar ainda mais o ódio entre os que o criticavam. Nelson sempre foi um homem destemido e nunca se deixou patrulhar por quem quer que fosse.

Imagino-o, hoje, comentando a mediocridade da nossa política partidária e o comportamento irresponsável dos seguidores de certas correntes radicais. Certamente, ele iria infernizá-los como fazia com as elites preconceituosas que não demonstravam qualquer preocupação com as pessoas situadas abaixo do seu nível social. A sua famosa “grã-fina de narinas de cadáver” virou símbolo caricato desse tipo de comportamento.

Não há dúvida de que a alienação cultural generalizada tende a transformar os indivíduos em seres lobotomizados. Nessa hora, me atenho ao espírito contestador de Nelson Rodrigues quando afirmava que “os idiotas acabarão tomando conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade, afinal, eles são muitos”. E arrematava dizendo que “de gente burra, só quero as vaias”.

Foram-se os tempos em que os valores culturais sobressaíam na sociedade brasileira sobre o imediatismo estabelecido pelo mercado. Tanto nas classes ricas, como na classe média e nas camadas mais pobres da população. Essa época passou sem deixar posteridade. Se ainda acreditamos que a inteligência e a cultura sejam bens imateriais indispensáveis para a formação do caráter humano, chegou a hora de resgatá-los imediatamente.

Afinal, é através de tais valores que poderemos melhor nos conhecer e, sobretudo, compreender a grande diversidade cultural que permeia a nossa sociedade. Acredito que esse seja o melhor caminho para pacificar a nossa gente e oferecer um futuro mais digno e auspicioso para as gerações futuras.

nota

NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando.Dando a volta por cima. O Globo, Rio de Janeiro, 10 nov. 2018.

sobre o autor

Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.

 

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided