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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista concedida por Ermínia Maricato em João Pessoa PB. Aborda o papel do arquiteto e urbanista no século 21 e tece críticas a certas ideias lançadas na tentativa de problematizar o processo de urbanização no Brasil.

english
Interview with Ermínia Maricato in João Pessoa PB. It addresses the role of the architect and urbanist in the 21st century and criticizes certain ideas launched in an attempt to problematize the process of urbanization in Brazil.

español
Entrevista concedida por Ermínia Maricato en João Pessoa PB. Aborda el papel del arquitecto y urbanista en el siglo 21 y tensa críticas a ciertas ideas lanzadas en el intento de problematizar el proceso de urbanización en Brasil.

how to quote

SOARES, Alessandra; MAIA, Artur; ROSSI, Pedro. O papel social da arquitetura. Entrevista com Ermínia Maricato. Entrevista, São Paulo, ano 20, n. 078.01, Vitruvius, maio 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/20.078/7351>.


Ermínia Maricato dando entrevista, João Pessoa PB
Foto Pedro Rossi

Tenho um grande amigo e guru intelectual, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, que é o Roberto Schwarz. Ele cunhou uma expressão, “as ideias fora do lugar” (1). Essa expressão me vem à cabeça quase todos os dias. Estamos em uma sociedade em que trazemos do período colonial uma distância, uma discrepância, entre o pensamento e a prática. Entre o que é a base material da sociedade, que era escravista, e a base do pensamento ideológico, que era liberal. Nós conseguimos ser liberais sendo, na realidade, materialmente, escravistas. Então, existe uma distância muito grande entre ideologia e base material.

Isso é muito evidente nas nossas faculdades e nas faculdades de arquitetura. Conseguimos trabalhar com a ideia de que a arquitetura é um determinado ponto específico da cidade localizado dentro de um lote urbano. Abstraímos tudo aquilo que nos cerca. É como se o ambiente construído não fizesse parte da arquitetura, fosse alguma coisa específica, feita por gente famosa, que ganhou prêmio, aquilo que fica dentro do lote e que muitas vezes nega o entorno. Poderíamos dizer que o entorno nega a racionalidade da arquitetura.

Mas se existe uma função social do arquiteto no nosso país, ela sem dúvida está na cidade. Isso implica que a arquitetura tem que ter um compromisso com o espaço urbano e coletivo, que devemos estar de olhos abertos o tempo todo: quando estamos caminhando de um lugar para o outro, quando estamos dirigindo, quando sobrevoamos uma cidade, inclusive através do Google Earth. Mas em que, exatamente, precisamos pensar quando estamos olhando e vivendo o espaço?

É importante estar atento naquilo que é fundamental para a estruturação do espaço, em relação ao uso e à ocupação do solo. Podemos olhar o que está construído e o que não está construído. O que é verde e o que é pavimentado. Tudo isso faz parte da cidade e é objeto de trabalho dos arquitetos. O paisagismo, a questão ambiental, a permeabilidade do solo e o saneamento. Isso não é trabalho só dos engenheiros. É trabalho nosso, também. A mobilidade, por exemplo, tem tudo a ver com a distância entre casa e trabalho, casa e escola, casa e comércio, casa e faculdade. A desigualdade nas cidades é uma construção social, e os arquitetos precisam se encarar como participantes da sociedade, da cultura que é praticada, da ideologia da cidade, que é uma ficção.

Por que a nossa política habitacional e urbana segrega, isola, exila, põe para fora da cidade? Grande parte da nossa população não mora numa moradia projetada por arquitetos e construída por engenheiros. A cidade é construída como uma ficção. É como se o mercado imobiliário fosse a cidade, mas grande parte da nossa população não faz parte do mercado imobiliário.

A democratização da arquitetura e da cidade fará uma enorme diferença na vida de grande parte da população urbana, assim como na dos arquitetos, que terão outro ponto de vista de atuação profissional. A ideia é ampliar as oportunidades do acesso à arquitetura e disseminá-las, afinal, arquitetura é saúde, conforto ambiental é saúde e salubridade é saúde. A correta trajetória das aberturas de uma casa em relação à trajetória do sol, aos ventos, é fundamental, pois tem a ver com qualidade de vida.

Precisamos dialogar com outros setores para mostrar o quanto a arquitetura é fundamental na vida das pessoas, explicitando o seu alcance social. Isso é importante, inclusive para ampliar o campo de atuação dos arquitetos. Não há outra saída, pois temos uma profissão que está se proletarizando pelo grande número de pessoas que estão sendo formadas pelas faculdades de arquitetura e que não tem mercado de trabalho.

Nesse sentido, como se pode abrir o mercado de trabalho? O que é melhor para nós e o que vai ser melhor para as nossas cidades e para a sociedade brasileira? Uma das coisas mais importantes, sem dúvida, é a Lei Federal de Assistência Técnica (2). É a forma que temos de fazer pressão junto aos poderes públicos para que os arquitetos possam trabalhar com assessoria técnica junto à população que hoje não tem acesso aos serviços de arquitetura. E, também, no ensino de arquitetura, são fundamentais os cursos de extensão, atividades que saem da escola de arquitetura e da bibliografia dos livros e vão para a realidade.

Através da extensão universitária é possível se defender das ideias fora do lugar, da construção fictícia sobre o que são as nossas cidades, e trabalhar com a cidade real. A realidade não é apenas os centros dos mega edifícios do mercado imobiliário. É aquilo e é também a produção dos bairros de autoconstrução que estão fora do mercado. É preciso trabalhar essa realidade da cidade de uma forma “paulofreiriana” e passá-la para a população, inclusive para as faculdades de arquitetura e para os gestores públicos das nossas cidades.

A arquitetura é muito importante para a sustentabilidade ambiental, para a saúde das pessoas, para a racionalidade urbana, para a economia de custos urbanos, para a melhoria das cidades e para as vidas das pessoas. Há muito trabalho a ser feito, mas é maravilhoso e prazeroso para quem acredita que a arquitetura é necessária.

notas

1
A expressão cunhada por Roberto Schwarz surge no primeiro capítulo de sua tese doutoral, publicada em livro no ano de 1977 com o título “Ao vencedor as batatas”. Schwarz é graduado em Ciências Sociais pela USP; mestre em teoria literária e literatura comparada pela Universidade de Yale e doutor em estudos latino-americanos pela Universidade de Sorbonne (Paris 3). Professor de teoria literária na USP e na Unicamp, onde se aposentou em 1992. Ver: MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. Planejamento urbano no Brasi! In ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Coleção Zero à esquerda, Petrópolis, Vozes, 2000, p 121-192.

2
A promulgação da Lei no. 11.888/2008, conhecida como a Lei Federal de Assistência Técnica à Moradia de Interesse Social, assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita ao projeto e à construção de habitação de interesse social.

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