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my city ISSN 1982-9922

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O embate entre Legislativo e Judiciário em torno da Vaquejada – reconhecimento via tombamento como patrimônio cultural imaterial e proibição de sua prática em todo o território nacional, revela a omissão do Executivo, com o emudecimento do Iphan.

how to quote

OKSMAN, Silvio. Vaquejada. Patrimônio cultural proibido. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 197.01, Vitruvius, dez. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.197/6310>.


Vaquejada, Hector Carybé
Imagem divulgação [Wikimedia Commons]


Matéria no Portal Judiciário, em 6 de outubro de 2016:

“O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quinta-feira (6) a validade de uma lei do Ceará que regulamentou a vaquejada. A decisão abre caminho para que a prática seja banida em todo o país, se forem julgadas ações de amplitude nacional. Por seis votos a cinco, os ministros da mais alta corte do país declararam que a vaquejada não é um apenas um esporte ou atividade cultural, mas uma forma de tratamento cruel aos animais. Pela prática, dois peões montados a cavalo tentam derrubar um boi pelo rabo. A cena é comum, principalmente em festas tradicionais de estados nordestinos.

— Na verdade, são manifestações extremamente agressivas contra os animais — disse a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia” (1).

Matéria no Portal Estadão, em 26 de outubro de 2016

“A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, marcou para a quinta-feira, 3 de novembro, o julgamento de uma ação que pode ameaçar o cargo do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Os dois entraram em rota de colisão após as declarações de Renan contra uma operação de busca e apreensão na sede da Polícia Legislativa no Congresso Nacional na sexta-feira, 21” (2).

Matéria no Portal G1, em 1 de novembro de 2016

“O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (1º) um projeto de lei que torna a vaquejada e o rodeio manifestação cultural nacional e patrimônio cultural imaterial.

Defensores da atividade afirmam que a vaquejada faz parte da cultura regional, que se trata de uma atividade econômica importante e movimenta cerca de R$ 14 milhões por ano” (3).

As três notícias acima, veiculadas no último mês pela imprensa, apresentam um conjunto de questões muito complexas que misturam preservação de patrimônio cultural, discursos de proteção aos animais e poder político e econômico – este último, um campo no qual o patrimônio cultural sempre tem presença, principalmente quando se trata de disputa de privilégios.

Começaria pela questão do reconhecimento da Vaquejada como patrimônio cultural pelo senado e da sua proibição pelo STF.

A vaquejada, como outras manifestações que incluem animais – o rodeio, a tourada, a festa de San Fermin – faz parte da cultura e da agenda de festas de algumas regiões do mundo. São atos que acontecem, em alguns casos, há séculos e têm o envolvimento de um número considerável da população. Neste sentido, a atribuição de valor como patrimônio imaterial pode fazer sentido.

É evidente também que por acontecer há muitas décadas atrai também turistas e praticantes interessados em assistir ou participar. Consequentemente, contribuem com a atividade econômica que gira em torno do evento – não apenas a vaquejada em si, mas o turismo, a gastronomia, o comércio etc.

Acontece que nos últimos anos é crescente a compreensão de que festividades que promovem os maus tratos aos animais não deveriam mais acontecer. Uma leitura recente e que muda diversos paradigmas aceitos até então.

Mas será então que não se pode atribuir o valor de patrimônio a estes eventos? Para que serve a salvaguarda do patrimônio imaterial? Seria para perpetuar as manifestações e promover a sua continuidade?

Entendo que não, muito pelo contrário. O reconhecimento faz parte da construção da identidade cultural. Manifestações socioculturais que ocorrem ou ocorreram e, ao ser registradas permitem compreender os rituais e as relações sociais e culturais. No instrumento de reconhecimento não há nenhuma ferramenta para a sua perpetuação como ato do presente.

Mas será possível, para as gerações futuras, compreender que por um longo período, festas que promoviam maus tratos aos animais eram promovidas e bem aceitas. A proibição – que neste caso veio antes do reconhecimento – também é essencial. Não se pode, nos dias de hoje, tolerar manifestações violentas como estas. Assim, a impossibilidade de realizar a vaquejada apresenta mais uma camada para compreensão da sociedade. A simples proibição, sem um registro, significaria um apagamento que não parece ser, sob nenhum aspecto, interessante.

A argumentação de que o fim da vaquejada tem uma grande interferência econômica tem sua dose de verdade, mas, historicamente diversas atividades econômicas importantes foram extintas por serem consideradas ilegais ou inapropriadas. Não seria a primeira nem a última vez que isto aconteceria.

Chama atenção o fato do reconhecimento ter sido feito pelo Senado, já que o órgão federal que trata do assunto é historicamente o Iphan, que tem quadro técnico competente para isto e quem vem sendo sistematicamente esvaziado pelo atual governo. Porque o Senado toma a frente neste caso? Porque não trabalhar com o órgão competente que poderia colaborar de forma inigualável na questão do reconhecimento do patrimônio imaterial?

A decisão do Senado revela ser uma frágil resposta à proibição do STF numa clara manifestação de disputa de poder. Enquanto Legislativo e Judiciário travam uma disputa política que diz respeito a questões absolutamente distantes da Vaquejada, o patrimônio serve de alegoria para os fatos que não podem ser levados à público. A resposta do Senado, ao reconhecer o patrimônio é uma tentativa vã de enfraquecer a correta decisão do STJ.

Apesar de estar de acordo com as duas decisões – reconhecimento e proibição  que no meu entender são absolutamente passiveis de coexistir – lamento pela forma leviana como a questão de preservação de patrimônio cultural vem sendo tratada pelos altos escalões do governo.

notas

1
STF considera vaquejada ilegal e derruba lei do Ceará. Brasília, Portal do Judiciário, 6 out. 2016 <www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/11132-stf-considera-vaquejada-ilegal-e-derruba-lei-do-ceara>.

2
Cármen Lúcia marca para 3 de novembro julgamento de ação que pode ameaçar cargo de Renan. São Paulo, portal Estadão, 26 out. 2016 <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,carmen-lucia-marca-para-3-de-novembro-julgamento-de-acao-que-pode-ameacar-cargo-de-renan,10000084464>.

3
GARCIA, Gustavo. Senado aprova projeto que torna vaquejada manifestação cultural. Brasília, Portal G1, 1 nov. 2016 <http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/11/senado-aprova-projeto-que-torna-vaquejada-manifestacao-cultural.html>.

sobre o autor

Silvio Oksman, arquiteto mestre e doutorando pela FAU USP, professor da Escola da Cidade, conselheiro do Condephaat, sócio do escritório Metrópole Arquitetos onde desenvolve projetos variados com ênfase na questão da preservação do patrimônio cultural.

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