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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O artigo comenta as irregularidades e erros cartográficos apresentados pela LUOS de Fortaleza em votação, em especial sobre o desaparecimento da ZEIS do Poço da Draga e o que esse processo revela das políticas urbanas da cidade.

english
This article comments on the irregularities and cartographic errors presented by LUOS de Fortaleza in process of approval, in particular on the disappearance of a Special Zone from Poço da Draga and what this process reveals of the city's urban policies.

español
El artículo comenta sobre las irregularidades y errores cartográficos presentados por la LUOS de Fortaleza en votación, en especial sobre la desaparición de la Zona Especial del Pozo de la Draga y lo que ese proceso revela de las políticas urbanas de la c

how to quote

ANDRADE, Cecília. Uma cidade produzida sobre o erro. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 204.05, Vitruvius, jul. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.204/6623>.


Vista noturna de Fortaleza a partir da praia de Iracema
Foto Abilio Guerra


No dia 27 de junho de 2017 foi iniciada na Câmara de vereadores de Fortaleza a votação da Lei de Uso e Ocupação do Solo da referida cidade. O texto da LUOS que está em processo acelerado de aprovação – pretende-se votá-la já em agosto – vem atender as demandas do mercado e pretende de forma anti-democrática e contrariando sua natureza “atualizar” o Plano Diretor Participativo. Não obstante, o conteúdo apresentado ignora totalmente as várias propostas de emendas enviadas por um grupo qualificado de professores, pesquisadores, técnicos e militantes das áreas de Arquitetura e Urbanismo, Geografia, Patrimônio e Artes, entre outras, que se debruçou por vários meses às propostas trazidas pela Prefeitura.

O grupo, que compareceu às audiências públicas esvaziadas de parlamentares e da população, pois realizadas durante o recesso da câmara e em horário comercial, produziu uma análise profunda da proposta dessa LUOS à luz do Plano Diretor, da Constituição Federal e do Estatuto das Cidades, apontando as numerosas  irregularidades do processo, as ilegalidades em forma e conteúdo, as sobreposições das leis e os “erros” nos mapas que espacializam as coordenadas geográficas, resultando, para efeito desta votação, na subtraçãos de Zonas Especiais de Interesse Social, Áreas de Preservação Ambiental, entre outras asseguradas por leis anteriores.

Com atenção à questão dos mapas, precisamos salientar que os mapas com representações diferentes da letra da lei surgiram no íntimo da Secretaria do Meio Ambiente – Seuma; esses deslizes são coincidentemente cometidos sempre no sentido de assegurar menor proteção à sociedade, ao patrimônio e ao meio-ambiente e em favor de um maior potencial construtivo ou de liberação de áreas para especulação imobiliária; os mesmos já vem sendo utilizados para a aprovação de empreendimentos ilegais.

Dentre os “erros” cartográficos apontados pelo grupo citado durante essas audiências está o sumiço da Zona Especial de Interesse Social do Poço da Draga.

O Poço da Draga é uma comunidade que se desenvolveu nas proximidades do antigo porto da cidade e encontra-se hoje espremida à leste pela obra abandonada do ex-futuro grande cartão-postal da cidade de Fortaleza – o Acquário do Ceará –  e à oeste pela Indústria Naval do Ceará – Inace, que, segundo diagnóstico do Projeto Orla do Ministério do Meio Ambiente, ocupa irregularmente a área (1).

O Poço da Draga estava classificado, segundo o PDPFor, como Zona Especial de Interesse Social 1, informação ainda verificável no website oficial Fortaleza em Mapas (2).

Impressão tela do website Fortaleza em Mapas, da Prefeitura Municipal de Fortaleza
Imagem divulgação [PLHISFOR, 2012]

As ZEIS 1 são compostas por assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental. Elas tem como objetivos efetivar o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; promover a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos ocupados pela população de baixa renda; eliminar os riscos decorrentes de ocupações em áreas inadequadas; ampliar a oferta de infraestrutura urbana e equipamentos comunitários, garantindo a qualidade ambiental aos seus habitantes; e promover o desenvolvimento humano dos seus ocupantes.

O efeito principal das ZEIS é destinar terrenos para habitação social, evitando a especulação imobiliária, mantendo o valor dos terrenos acessíveis para a população de baixa renda, e permitindo que bairros considerados irregulares sejam regularizados. Além disso, as ZEIS permitem regras especiais de zoneamento, para que seja possível a regularização e permanência de bairros que tenham características de interesse social. Ao mesmo tempo, na eventualidade de projetos de requalificação do espaço, qualquer remoção num território que é ZEIS passa por negociações e há uma garantia de relocação nas proximidades.

A constatação desse “erro” dentre mais de outros vinte erros cartográficos assumidos pela equipe da prefeitura é por si só preocupante. O apagamento da demarcação da ZEIS do Poço da Draga no mapa da LUOS em votação é, pelos motivos acima apresentados, um fato de enorme gravidade, pois pode facilitar a remoção dessa população para outro sítio, liberando essa localização privilegiada para projetos e usos condizentes com as reformas / revitalizações / ressemantizações que ambicionam situar a capital do Ceará no competitivo mapa das cidades globais.

Mais preocupante ainda é a constatação de que esse “erro” de representação – como os demais apontados diversas vezes por esse grupo qualificado nas esvaziadas audiências na Câmara dos vereadores – ao invés de ser corrigido está na verdade sendo efetivado de forma irregular, transformado em lei e produzindo potencialmente a cidade do futuro como uma máquina de não existência (3).

A aprovação deste e de outros “erros” nos impele a questionar os métodos para a produção de verdade nesses órgãos, a agenda dos mapas (4) construídos pelos técnicos dos poderes públicos e a correção das leis votadas pelos nossos políticos.

Parece claro, para os que vêm acompanhando o processo de debate e aprovação dessa nova LUOS, que as numerosas irregularidades do processo, as ilegalidades em forma e conteúdo, as sobreposições das leis e os "erros" nos mapas, antes de se configurarem em falhas do método, são, na verdade, o próprio método – um método nebuloso e sub-reptício – de produção da cidade de Fortaleza.

notas

1
LINS, Luizianne de Oliveira (coord.). Plano de gestão integrada da orla marítima – projeto orla. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Fortaleza, ago. 2006 <www.mma.gov.br/estruturas/orla/_arquivos/fortaleza_orla_11_08_06_verso_final_pdf1_11.pdf>.

2
Mapa disponível em: Fortaleza em Mapas, Prefeitura de Fortaleza <http://mapas.fortaleza.ce.gov.br/#>.

3
Silva, Boaventura. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, out. 2002, p. 237-280.

4
HARLEY, Brian. Mapas, saber e poder. Confins, n. 5, 2009 <https://confins.revues.org/5724?lang=pt>.

sobre a autora

Ana Cecília de Andrade Teixeira é mestre em Artes pelo pelo programa de Pós-Grauação em Artes da Universidade Federal do Ceará com bolsa Funcap e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela mesma instituição. Atualmente pesquisa sobre arte, cidade e tecnologia.

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