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O próprio autor Milton Braga apresenta o livro "O concurso de Brasília: sete projetos para uma capital", que conta com ensaio fotográfico de Nelson Kon e apresentação de Guilherme Wisnik

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BRAGA, Milton. Cinco décadas do concurso de Brasília. Resenhas Online, São Paulo, ano 09, n. 102.01, Vitruvius, jun. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/09.102/3737>.


Cinquenta anos após a inauguração de Brasília, e depois da longa revisão crítica à arquitetura e ao urbanismo modernos iniciada na década de 1960, é, sem dúvida, oportuna uma reflexão mais cuidadosa sobre o seu projeto à luz do conhecimento acumulado no período. Sobretudo para um país como o Brasil, que terá ainda de enfrentar em larga escala problemas como os de reformulação e construção de amplas áreas urbanas.

Tal crítica não pode, evidentemente, ser resumida aqui. Porém, importa lembrar que, de modo geral, essa crítica iniciou-se como uma forte reação às realizações modernas de grandes conjuntos urbanos: algumas cidades novas, como Brasília, mas, sobretudo, extensos conjuntos habitacionais feitos no contexto da reconstrução europeia do segundo pós-guerra e exportados como modelo para outras partes do mundo (1). E, se hoje, no campo da arquitetura, muitos dos projetos embasados nessa crítica mostraram-se tão ou mais problemáticos que o paradigma arquitetônico que queriam suplantar, no campo do urbanismo, no entanto, tais argumentos e estratégias de ação mostraram-se profícuos, dando origem a experiências ricas e bem-sucedidas, ainda que muito menos ambiciosas e limitadas em escala.

Frequentemente criticado como esquemático e autossuficiente, o racionalismo moderno, ao contrário, produziu edifícios muito aptos a acolher as contradições do meio em que se implantaram – como é o caso notório do Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer em São Paulo. E é desnecessário mencionar exemplos simétricos inversos, pois não são poucos os edifícios tributários de tendências pós-modernas que se apresentaram claramente esquemáticos em suas proposições, além de limitados na relação com o lugar em que estão. Ou seja, no que se refere aos problemas intrínsecos da edilícia, não parece ter havido uma clara superação da arquitetura moderna, e sim a adição de novos ingredientes à questão. Já no campo do urbanismo, no entanto, pode-se dizer que o debate dos últimos cinquenta anos – ao ampliar o âmbito dos problemas que esses projetos deviam considerar, e, principalmente, ao melhor definir os limites dos efeitos que esses projetos podiam produzir –, promoveu um avanço significativo em relação aos cânones da urbanística moderna.

Talvez pudéssemos sintetizar a imensa gama de novos argumentos urbanísticos introduzidos no debate da segunda metade do século 20 através da noção geral de contexto – embora essa categoria hoje esteja sendo cada vez mais suplantada pela noção de sistema. O contextualismo foi uma estratégia de leitura e ação, em relação à cidade, que levou os arquitetos a uma compreensão muito mais ampla das dinâmicas urbanas. Sobretudo quanto ao caráter processual desses organismos, irredutíveis, nesse viés, a objetos de configuração estática e a uma lógica evidente e imutável.

Nesse sentido, a crítica ao funcionalismo da urbanística moderna aparece como uma importante contribuição do debate pós-moderno. A urbanística moderna, grosso modo, reduziu a cidade a um objeto de sistemas lógicos, distintos e previsíveis. A cidade, desse ponto de vista, poderia ser dissecada em funções claramente distinguidas, correspondendo a cada uma delas um conjunto de estruturas físicas. É o caso do sistema de circulação, com sua hierarquia de vias altamente especializadas e programaticamente destituídas de qualquer outra função urbana. Todas as propostas premiadas no concurso de Brasília compartilham, em maior ou menor grau, dessas posturas, sendo projetadas mais como um objeto do que como um processo. Como apontou certa vez Regina Meyer, Brasília “nasceu da mais fundamental das premissas da cidade ideal do renascimento – o projeto da cidade inteira – ou dito de outra forma: da cidade como objeto de projeto” (2). Hoje, com a ampla revisão da arquitetura e do urbanismo modernos, essa visão de cidade já está, há um bom tempo, em xeque.

Não obstante, diante dos novos problemas urbanísticos – crise dos espaços públicos, crise ambiental planetária, explosão da urbanização etc. –, as aspirações éticas do projeto urbano moderno voltaram à pauta, principalmente no que se refere à construção de uma cidade que incorpore as melhores tecnologias disponíveis, além do óbvio desejo universal por cidades que sejam mais saudáveis e aprazíveis. E, evidentemente, a construção da cidade igualitária e socialmente justa – aspiração maior do projeto modernista –, continua sendo o maior desafio urbanístico contemporâneo (mesmo que o projeto urbano, por si só, nunca dê conta de reformar a sociedade, como atestado pelo exemplo de Brasília).

Mas não é apenas pela permanência do programa urbanístico moderno que interessa refletir sobre a experiência de Brasília. Ao mesmo tempo em que, por um lado, parece clara a superação dos seus paradigmas, por outro, a definição de um caráter espacial de projeto que parta da consideração de grandes áreas através de um raciocínio unitário desperta hoje grande interesse. Para Regina Meyer, “Brasília possui uma coesão e uma tensão entre as suas partes que só os projetos concebidos num só fôlego conseguem alcançar”. Assim, lograr a construção de vastas áreas urbanas através de uma concepção que supere a mera aglomeração organizada de partes, e que detenha uma feição e identidade próprias capazes de perdurar num contínuo renovar-se de um processo histórico e marcar o seu devir, é um dos maiores desafios de qualquer projeto urbano contemporâneo.

Portanto agora, cinquenta anos após a inauguração de Brasília, e depois de destiladas diversas avaliações teóricas acerca das realizações urbanas modernas – entre as quais a nova capital brasileira é uma das mais importantes, e um campo de provas privilegiado para a aferição dos seus problemas reais –, debruçar-se sobre sua experiência talvez seja um modo promissor de divisar meios de conciliação entre a ambição moderna e o conhecimento urbanístico que se acumulou posteriormente à sua crise.

O exame dos sete projetos premiados no Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil parece, nesse sentido, um bom início: porque uma das melhores maneiras de compreender o plano piloto vencedor é cotejá-lo com diferentes alternativas ao que Lucio Costa desenhou. E, inversamente, uma das melhores maneiras de discernir a contribuição de cada um dos seis outros trabalhos em questão é confrontá-los com o experimento concreto da opção construída. Sobretudo porque o conjunto dessas propostas representa um dos pontos mais altos da produção arquitetônica e urbanística nacional, e um importante quadro de referências para as ações futuras de natureza similar, que certamente terão de ser empreendidas ainda.

notas

NE
O presente texto é a introdução do livro O concurso de Brasília: sete projetos para uma capital, de Milton Braga, e foi reproduzido no portal Vitruvius com autorização do autor e da editora Cosac Naify. A publicação em Vitruvius aconteceu em fevereiro de 2011, em procedimento de acerto da periodicidade da revista Resenhas Online.

1
É emblemático a associação feita por Charles Jencks ao estabelecer o dia e o horário do início da implosão do conjunto residencial moderno Pruitt-Igoe, em Saint Louis, nos Estados Unidos, como o marco da “morte” do Movimento Moderno.

2
Regina Meyer por e-mail, comentando a conclusão da minha dissertação de mestrado.

sobre o autor

Milton Braga é arquiteto e doutor pela FAU-USP, onde é professor desde 2001. Sócio da MMBB Arquitetos, juntamente com Fernando de Mello Franco e Marta Moreira, desde 1990, é também colaborador do arquiteto Paulo Mendes da Rocha desde 1995. Tem vários projetos premiados, como o Complexo de Alojamentos e Salas de Aulas e Ensaios do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão (2009), a Residência no City Boaçava (2004-08) e a proposta Watery Voids, na III Bienal Internacional de Arquitetura de Rotterdam, Holanda (2007). Seu escritório MMBB participa do livro Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista contemporânea (Cosac Naify, 2006).

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