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A maior contribuição do livro Projeto por cenários é a proposta aberta e múltipla de seu formato, que corresponde também a uma forma específica de pensar o projeto, que pode ser resumida na ideia do projeto como processo.

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JACQUES, Paola Berenstein. O projeto como processo. Resenhas Online, São Paulo, ano 15, n. 176.03, Vitruvius, ago. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/16.176/6145>.


Projeto por cenários, de Paulo Reyes, professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, se inscreve, contribui e fortalece um campo de pesquisa ainda pouco explorado no país (1), o da teoria e metodologia do projeto arquitetônico e urbanístico. Se a discussão tecnológica ou da relação entre projeto e tecnologia, estruturas e materiais já é uma subárea de pesquisas mais consolidada no país, na interface com outras disciplinas como engenharia civil ou design, a subárea de teoria e metodologia de projeto em arquitetura e urbanismo ainda aparece como área emergente, e as pesquisas na interface da arquitetura e do urbanismo com outras disciplinas, seja do campo das artes ou das ciências humanas e sociais, também ainda são, infelizmente, pouco frequentes. Apesar do projeto, sobretudo o projeto arquitetônico, estar no epicentro do ensino da maioria dos cursos de arquitetura e urbanismo do país, parece ainda existir uma fronteira, uma clara linha de separação, entre projeto como prática profissional e o estudo de teorias e metodologias de projeto em arquitetura e urbanismo. Parece ainda existir uma antiga separação entre os professores conhecidos como “arquitetos de prancheta” e os professores pesquisadores em teoria e metodologia de projeto. Por vezes ainda ocorre também uma separação interna nas próprias faculdades, escolas ou departamentos entre o projeto arquitetônico e o projeto urbanístico (e o planejamento urbano) e, também, entre o ensino de teoria, história e crítica da arquitetura e do urbanismo e o ensino do projeto arquitetônico e urbanístico (que muitas vezes ainda funcionam como ateliês autônomos), o que termina por manter uma antiga ideia do projeto como “inspiração divina” e do arquiteto-urbanista como demiurgo (no sentido platônico do termo). Se a concepção em projeto fosse simplesmente uma questão de “inspiração divina” e um ato demiúrgico, como seria possível qualquer tipo de ensino de projeto?

Para pensarmos o projeto de arquitetura e urbanismo de forma mais complexa e ampla, ou seja, como uma forma de produção de conhecimento, de criação cultural, de transformação social e, também, de ação crítica e política, será preciso desenvolver pesquisas inovadoras em teoria e metodologia de projeto, como se propõe, de forma bastante original e corajosa, o professor Paulo Reyes no presente livro. A pesquisa em projeto de arquitetura e urbanismo ou o processo experimental de projeto como pesquisa, como produção de conhecimento, é fundamental para dar suporte a um ensino menos simplista de projeto nos cursos de arquitetura e urbanismo, para que os futuros arquitetos-urbanistas não usem o projeto somente como simples ferramenta acrítica para tentar resolver antigos problemas, mas que, ao contrário, possam pensar o projeto de forma crítica, como um instrumento capaz de problematizar novas questões, de criar novas ferramentas, formular novas metodologias e, também, construir outras bases para novas demandas e novas políticas públicas.

Sabemos que as ferramentas, instrumentos e métodos ligados ao projeto, sobretudo em urbanismo, ainda herdados em boa parte do movimento moderno em arquitetura e urbanismo, já não são suficientes para compreender a complexidade da cidade contemporânea e, em particular, de nossas cidades brasileiras, ainda tão segregadas e desiguais. Há muito tempo que precisamos, sobretudo em casos nacionais como os de ocupações populares, favelas e outros espaços autoconstruídos de interesse social, inventar, criar, explorar novas metodologias, novas ferramentas, trocar com outros campos disciplinares, para poder pensar o projeto como um processo mais complexo, coletivo, e não apenas como o resultado de um só autor. Sem dúvida, são vários os caminhos abertos para novas pesquisas em teoria e metodologia de projeto no campo da arquitetura e do urbanismo que ainda precisariam ser explorados (2).

Talvez a maior contribuição deste livro – mais do que a própria metodologia para o projeto urbano e seus procedimentos mais práticos, expostos no último capítulo – seja a proposta aberta e múltipla de seu formato, que corresponde também a uma forma específica de pensar o projeto, que pode ser resumida na ideia do projeto como processo. Tanto a forma de montagem do livro como a forma de pensar o projeto apresentadas pelo autor são processuais. Tratar-se-ia de considerar o projeto não somente como o resultado de um determinado processo, mas como sendo o próprio projeto um processo inconcluso, plural e complexo. Tanto o formato do livro quanto a ideia de projeto nele exposta são processos polifônicos, pluridisciplinares e anacrônicos, havendo uma coexistência de vozes distintas (diferentes autores, diferentes atores sociais), de campos disciplinares distintos (arquitetura e urbanismo, psicologia, antropologia, linguística, semiótica), e também de tempos distintos (passado, presente, futuro; história e memória, trabalho de campo, projeto/projeção/cenários).

Se pensamos o projeto como um processo que agrega uma multiplicidade de configurações momentâneas, também polifônicas, não haveria possibilidade de qualquer tipo de síntese unitária final, fixa, uma metodologia rígida e doutrinária. As metodologias, no plural, seriam sempre provisórias e efêmeras. Um outro tipo de conhecimento seria possível a partir da renúncia à metodologia única, a partir do reconhecimento de que para se contemplar um “objeto” múltiplo – como a complexidade das cidades – seria preciso aceitar a impossibilidade de um só método, um só caminho, e também explorar a multiplicidade metodológica e teórica. Trata-se de uma forma complexa de ver, de compor, de pensar, desmontando qualquer tipo de unidade, qualquer tipo de certeza fixa, sedentária ou sedimentada, e remontando uma multiplicidade de outras formas de apreensão e outras maneiras de compreensão da complexidade que podem levar a outras formas de concepção, projeto e intervenção.

Talvez mais interessante do que buscar uma única “nova” metodologia a ser aplicada e replicada, engessando métodos ou outros procedimentos, seja trabalharmos para ampliar o campo de conhecimento da arquitetura e do urbanismo e pensar o projeto no “campo ampliado” (como Rosalind Krauss pensou a escultura). Talvez o melhor caminho a se seguir (met–hodos, caminho que segue) seja exatamente multiplicar os caminhos possíveis, tensioná-los uns aos outros, como são propostos pelo autor tanto no tensionamento entre os textos de outros autores no livro quanto entre os cenários realizados em suas experiências metodológicas. Ao contrário de outros usos de cenários em projetos urbanos – como por exemplo pelo Planejamento Urbano Estratégico (3), que busca sempre um consenso, uma pacificação das diferenças –, o uso dos cenários proposto por Reyes busca o dissenso, a tensão entre os cenários fabulados, a disputa entre diferentes narrativas urbanas. A perspectiva de pensar o projeto como processo, como campo ampliado, e de pensar o processo de forma aberta e plural poderá nos indicar, a partir dos dissensos e dos tensionamentos permanentes, que consideram e reconhecem os conflitos e várias disputas de forças, uma melhor compreensão da complexidade das cidades contemporâneas (4).

Seria necessária uma discussão mais aprofundada da dimensão política do próprio projeto como instrumento de poder, em particular no caso dos projetos urbanos, sempre indissociáveis das políticas públicas. Instrumentalizar, dar mais subsídios teóricos e metodológicos para a pesquisa em projeto, como a proposta do presente livro, deve também ser visto como uma forma crítica de desestabilizar formas consolidadas de se pensar e de se intervir nas cidades contemporâneas. Não podemos esquecer que a teoria e metodologia do projeto, e a própria discussão metodológica, também são ações críticas e políticas. Sabemos que temos muito a fazer por nossas cidades – com seus espaços, sobretudo os públicos, em disputas permanentes e, por vezes, violentas – e que o projeto é um instrumento importante no campo de conhecimento da arquitetura e sobretudo do urbanismo e planejamento urbano. Sabemos que o tempo da pesquisa, mesmo a teórica, não é o mesmo tempo das urgentes demandas sociais, que as pesquisas não podem se tornar operacionais de forma direta sem simplificações redutoras, que os processos de pesquisa são lentos e seus resultados também não podem ser rapidamente instrumentalizados. Quanto mais pesquisamos e experimentarmos, como Paulo Reyes nos mostra no presente livro, outras questões e novas possibilidades surgem, mais frestas investigativas emergem e, assim, essas frestas nos mostram que temos ainda muito a aprender com a complexidade de nossas cidades, com seus habitantes, com sua arquitetura popular, temos ainda muitos procedimentos e instrumentos mais consolidados e já inadequados a desnaturalizar, ou seja, temos ainda muito a pesquisar e experimentar. Projeto por cenários nos ajuda a problematizar várias dessas questões e nos dá também novos subsídios para um debate mais complexo e plural dentro do campo de pesquisa da teoria e metodologia do projeto em arquitetura e urbanismo.

notas

NE – O presente texto é prefácio do livro comentado.

1
Apesar de pouco explorado, vários estudos já contribuíram para mostrar a importância da pesquisa em projeto ou do processo de projeto como pesquisa no campo da arquitetura e urbanismo e, em particular, a complicação entre pesquisa e ensino de projeto. Mais recentemente, podemos notar também uma importante aproximação da pesquisa em projeto com a extensão universitária, com a criação ou consolidação de escritórios públicos (ou escritórios modelo – os EMAUs) em várias de nossas escolas de arquitetura, assim como nas novas residências em assistência técnica em arquitetura e urbanismo e outras iniciativas instigantes, como os projetos e planos urbanos insurgentes (penso aqui no caso dos recentes projetos da UFF para a Vila Autódromo no Rio ou da UFBA para Saramandaia em Salvador), que levam a discussão sobre o projeto para a extensão universitária, não somente possibilitando que as nossas escolas, sobretudo as públicas, cumpram de forma ampliada seu papel social e público (que também é político), como também abram novas perspectivas extremamente interessantes, muitas vezes com equipes interdisciplinares de professores e estudantes, para a experimentação e inovação em metodologias de projeto, em particular nos projetos ditos coletivos ou participativos ou ainda de interesse social.

2
E outros caminhos ainda vão surgir ou ainda ressurgir. Por exemplo, ao mesmo tempo em que conseguimos avançar nas metodologias de projeto em favelas nas últimas décadas, tanto o fantasma dos grandes conjuntos massificados nas periferias (a partir do PMCMV) quanto o fantasma da remoção de favelas em áreas centrais ou mais valorizadas, ou ainda estratégicas para novos empreendimentos, ressurgiram com força total a partir da Copa do Mundo FIFA e, em particular, no Rio, nossa cidade olímpica, mas também em várias outras cidades do país, como no centro histórico de Salvador (em particular em suas antigas ladeiras). Os projetos para essas áreas centrais ou estratégicas com populações mais vulneráveis ganham nova força política, de disputa, de resistência e também de insurgência.

3
Correntes urbanísticas aparentemente distintas, como o planejamento estratégico, o new urbanismo ou o urbanismo corporativo, chegaram a um mesmo resultado: a mercantilização espetacular das cidades (espetacularização urbana), o que pode ser visto como um pensamento hegemônico, único ou consensual. Ver Otília Arantes, Carlos Vainer e Ermínia Maricato, A cidade do pensamento único, Petrópolis, Vozes, 2000, e Ana Fernandes, Consenso sobre a cidade?, in: BRESCIANI, Maria Stella (org.). Palavras da cidade. Porto Alegre, EdUFRGS, 2001. Talvez um dos maiores exemplos disso seja ainda o chamado “modelo Barcelona”, que, em sua versão para exportação (que voltou à cena com os megaeventos esportivos no país), em particular para América Latina (via CIDEU), oferece consultores especializados na criação de imagens-cenografias de cidades e na construção de consensos-simulacros de participação. Ver DELGADO, Manuel. La ciudad mentirosa, fraude y miseria del “modelo Barcelona”. Madrid, Catarata, 2007.

4
Na mesma direção, de compreensão da complexidade urbana, ver a coleção: Paola Berenstein Jacques (coord.), Experiências metodológicas para a compreensão da complexidade da cidade contemporânea, Salvador, EDUFBA, 2015, no prelo (tomo 1: experiência, apreensão, urbanismo; tomo 2: subjetividade, corpo, arte; tomo 3: alteridade, imagem, etnografia; tomo 4: memória, narração, história).

sobre a autora

Paola Berenstein Jacques é professora PPG-AU/FAUFBA e pesquisadora CNPq.

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resenha do livro

 Projeto por cenários

Projeto por cenários

O território em foco

Paulo Reyes

2015

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