Abordaremos neste artigo a questão da poluição visual e sua relação com o patrimônio histórico, um problema comum atualmente e que muitas vezes é relegado a segundo plano. Apresentaremos o estudo de caso de Passo Fundo, mas certamente muitos leitores identificarão semelhanças com o que acontece em suas cidades.
Passo Fundo é uma cidade de médio porte, localizada no norte do Rio Grande do Sul, cujo desenvolvimento e crescimento estão intimamente ligados a atividade dos tropeiros de gado, durante o século XIX, e a implantação da ferrovia, na década de 1890. Estes fatos históricos sempre estiveram relacionados com a produção arquitetônica, representada por casarões coloniais, edifícios industrias, como a estação férrea e o moinho, e edifícios ecléticos, como hotéis, edifícios públicos e sobrados. Esta coexistência de diversos estilos e usos é um fenômeno característico de cidades consolidadas, onde as diversas “vontades” atuantes ao longo do tempo produzem novas realidades através das adições, demonstrando claramente o desenrolar da história no tempo.
Porém, o que chama atenção é o descaso com que este patrimônio está sendo tratado atualmente. Ainda não há uma conscientização a respeito do valor destes edifícios como referencial histórico da própria cidade, além do valor de memória, e arquitetônico propriamente dito. Eles são os testemunhos da nossa história, que identificam e individualizam nossa cidade frente às demais. LE GOFF afirma que a memória é um elemento fundamental, intimamente ligado à identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais das sociedades atuais. Não podemos valorizar somente o que está longe do nosso alcance, temos que começar com nossa própria “casa”.
Neste sentido, a inexistência de uma política de preservação sistematizada é um dos grandes culpados do descaso da comunidade com seu passado. ARGAN aborda esta questão afirmando que nas últimas décadas observamos o surgimento de um fenômeno de rejeição da história, causado pelo pragmatismo característico do mundo moderno, e a conseqüência direta é a degradação voluntária do ambiente da cidade, que é mostrada à sociedade como uma valorização e uma adaptação necessária à vida moderna. (1995)
O resultado desta situação pode ser visto em uma simples caminhada pelo centro da cidade, que a cada dia está mais poluído e confuso. De acordo com o dicionário Silveira Bueno, poluído significa “contaminado, sujo, manchado”, e é exatamente isto que está acontecendo com nossos edifícios históricos e com seu entorno. Como se já não bastasse a ameaça da especulação imobiliária, que ataca rapidamente, agora temos que conviver com a poluição visual, cuja ação é dissimulada, mas que possui efeitos igualmente devastadores.
Algumas empresas e comércios pretendem chamar a atenção do consumidor através do exagero de cores, placas, luminosos e outdoors. Em meio a tantos anúncios não é possível reconhecer nenhum. O resultado de toda esta apelação publicitária é a degradação visual da cidade. Os procedimentos mais comuns são a utilização de cores e materiais distintos, de acordo com cada uso estabelecido no edifício, segmentando-o e impossibilitando sua leitura como uma obra de arquitetura; e a utilização de marquises encobrindo todo o edifício, bloqueando qualquer leitura da obra e sua valorização como elemento histórico na cidade. Além da questão estética, estas soluções costumam agravar os problemas patológicos, ou por esconde-los atrás das marquises protelando as soluções, ou pelo uso de materiais inadequados, como pastilhas, cimento, tintas plásticas.
Como se não bastasse o exagero publicitário nos edifícios, ainda temos que considerar o que acontece na cidade. Nos canteiros da avenida principal e nas calçadas, se acumulam placas de sinalização, propaganda, guarda corpos, colocados de uma maneira totalmente impensada, colaborando ainda mais para a sensação de sujeira e desleixo. Não podemos considerar que estes acontecimentos sejam benéficos para nossa cidade, e tampouco devemos cruzar os braços para esta questão que a cada dia piora diante dos nossos olhos.
A este respeito, desenvolvemos um trabalho acadêmico no curso de arquitetura da UPF, com intuito de constatar a situação e propor soluções que conciliem a necessidade do usuário com o interesse histórico do edifício e seu entorno. A partir desta iniciativa pretendemos iniciar um movimento para melhorar a situação de nossa cidade.
Nosso objetivo não é o congelamento ou a fixação da cidade antiga, mas buscar o desenvolvimento da cidade atual coerente com a sua realidade histórica, assegurando o dinamismo de todo o tecido urbano, simplesmente respeitando o patrimônio histórico. (Argan, 1995) Temos que abrir nossos olhos e de todos aqueles a nossa volta para reverter esta situação o mais breve possível, pois temos o direito de viver em uma cidade bela e agradável, que nos convide a um simples e encantador passeio por suas ruas.
notas
1
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 19952
BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD-LISA, 1996.
3
LE GOFF, Jaques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.
sobre o autor
Ana Paula Wickert – arquiteta e urbanista, formada em 1998, na Universidade Federal de Santa Maria, mestranda em Conservação e Restauro do Patrimônio Histórico-artístico e Cultural pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente professora de Técnicas Retrospectivas na Universidade de Passo Fundo e de História das Artes e da Arquitetura da Universidade Regional Integrada em Santiago.