Embora o estudo principal publicado nesta obra seja de Marianno Carneiro da Cunha, na Introdução, Manuela Carneiro da Cunha fornece importantes informações históricas sobre o processo de retorno de ex-escravos brasileiros à África e sobre como constroem na região da Nigéria e do Benim uma nova territorialidade. Nela criam uma nova arquitetura baseada na casa colonial brasileira de corredor central. A autora atribui este retorno às perseguições e leis discriminatórias promulgadas no Brasil contra os escravos a partir de 1830, às deportações freqüentes que ocorrem a partir desta época, bem como ao incremento do comércio entre África e Brasil, o que incentivou o movimento de retorno de libertos a esta região africana. Em Lagos, capital da atual Nigéria, os retornados formam uma primeira burguesia de cultura eminentemente ocidental, cuja referência principal era a Bahia, sediada no chamado “bairro brasileiro”. Neste bairro, que Manuela Carneiro da Cunha define como “a transposição do Brasil em terras d´África" (p.45), realizavam-se celebrações religiosas e folguedos populares, como a burrinha, típicos da Bahia. Os brasileiros encontraram na região de língua iorubá a arquitetura tradicional dos compounds à qual contrapuseram a arquitetura e as técnicas construtivas desenvolvidas no Brasil. Os compounds são conjuntos quadrados ou retangulares que abrigam famílias extensas, formados por unidades construtivas voltadas para um pátio interior que concentra a vida doméstica e social do grupo, tendo apenas, em geral, uma abertura para o exterior. Os compounds são formados de pequenas unidades residenciais mais ou menos retangulares, com aproximadamente 3,00 x 1,5 m, dispostas lado a lado, com uma porta de entrada voltada para a varanda que se desenvolve em torno do pátio central. O conjunto é construído com adobe e cobertura de palha ou de telhas cerâmicas nas construções de maior prestígio, materiais que, paulatinamente, foram sendo substituídos por telhas corrugadas. O estudo de Marianno Carneiro da Cunha demonstra como a arquitetura brasileira foi introduzida neste contexto e, principalmente, como e porque alcançou uma enorme difusão e prestígio, chegando mesmo a alterar o panorama da arquitetura secular autóctone dessa região africana. Marianno atribui esse fato à competência e ao conhecimento dos artesãos e construtores brasileiros que aportaram em Lagos no século XIX, mas, principalmente, ao modo como a organização espacial da arquitetura que trouxeram adequava-se à cultura iorubá e ao seu padrão espacial. Ao realizar esta análise, Marianno filia-se à abordagem de Rapoport sobre o substrato cultural da forma arquitetônica. Afirma que a modificação da arquitetura tradicional iorubá, a partir das construções brasileiras, teria se dado sem grandes rupturas porque não teria havido alteração da essência da sua concepção espacial. Para demonstrar essa tese, Marianno associa a organização espacial em torno de uma centralidade – o pátio - do compound iorubá, obtida progressivamente a partir da junção de unidades provenientes do modelo de casa rural isolada, à centralidade também presente na casa colonial brasileira de corredor central. O autor mostra exemplos dessa apropriação e traça paralelos entre a cultura patriarcal do Brasil colonial e a cultura também patriarcal e hierarquicamente marcada da região iorubá.
CUNHA, Marianno Carneiro da.
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. Face Norte, São Paulo, Edusp, Nobel, 1985.