Nota Introdutória
Em 2007, a Secretaria Regional de Educação e Cultura – SREC da Região Autónoma dos Açores, lançou o Concurso Público n. 7/2007 – DRE – para “Selecção da Equipa projectista para a concepção de projecto e aquisição dos serviços técnicos para a construção da Escola Básica da Ribeira Grande, Concelho da Ribeira Grande – Ilha de S. Miguel”. O Programa do concurso previa um investimento de 16.500 milhões de euros para a construção de um edifício escolar como uma área bruta de construção de 14.000,00m² com vários equipamentos desportivos, recreio e lazer, para uma população total estimada de 1400 alunos, entre os 4 e os 16 anos de idade. O projeto de arquitectura que agora se apresenta, ficou classificado em primeiro lugar. Desde então foram desenvolvidas várias versões do projeto, tendo a última versão, de 2014, sido construída, entre 2015 e finais de 2016. No Plano Diretor Municipal então em vigor, o terreno destinado à implantação da nova Escola, insere-se em duas áreas de classificação: Zona Urbana (Secção II) e Espaços Urbanizáveis de Média Densidade (Artigo 51º), enquadrando-se o edifício proposto nas condições de edificabilidade previstas neste Plano Municipal de Ordenamento do Território. Descrevemos seguidamente os principais aspetos que caracterizaram o processo de concepção, elaboração do projeto deste equipamento escolar, que passou a ser designado Escola Gaspar Frutuoso.
Questões sísmicas – edificar sobre vulções
Como todos sabemos o arquipélago dos Açores, é constituído por um conjunto de nove ilhas vulcânicas localizadas a meio do Atlântico Norte. Assim, a intensa actividade sísmica que ocorre nestes territórios insulares foi um dos factores mais relevantes a ter em atenção tanto em fase de projeto como durante a sua construção. Os estudos geotécnicos apontam para o local vários perigos geológicos, dado que a ilha de S. Miguel possui um elevado índice de sismicidade. No que respeita em concreto a zona de implantação da nova Escola, que se localiza no flanco N do Vulcão do Fogo, mais concretamente a NE do Pico das Freiras, um cone de escórias com idade superior a 14.820 anos, desde 1980 tem sido palco de alguns eventos sísmicos de baixa magnitude. Contudo, sismos gerados noutras zonas sismogénicas próximas podem ter impacto significativo na área prevista para implantação da escola. Esta questão foi determinante para o cálculo do sistema estrutural e sua fundação no solo, tanto mais porque o programa funcional previa a adequação e capacitação deste edifício como centro de emergência em caso de eventual catástrofe sísmica.
Factores climáticas – construir no meio do mar
A Ilha de S. Miguel, que faz parte da Macaronésia, possui um clima temperado húmido, com uma temperatura média anual que varia entre os 9º C e os 17º C. A precipitação anual é superior a 3.000mm nas zonas de altitude mais elevada, podendo atingir valores próximos dos 4.000mm nas zonas mais baixas. A estação entre Setembro e Março é predominantemente chuvosa. Os restantes meses são menos chuvosos devido à influência do anticiclone dos Açores, não existindo contudo uma estação seca. O vento (podendo atingir os rajadas de 150km/h) é um elemento constante, com dominância do quadrante Oeste. Estes factores climáticos foram determinantes para a conceção arquitetónica, levando à criação de circuitos abrigados entre todos os blocos do edifício e o desenho de uma janela especificamente pensada para funcionar em compatibilidade com a inconstância dos regimes pluviais, a forte intensidade do vento e as variações de luminosidade exterior. É costume dizer-se que “nos Açores o dia tem quatro estações”.
Enquadramento urbano – o local
Para a implantação do novo edifício escolar, a Srec adquiriu uma parcela de terreno com área total de 31.426 m², localizada no limite da cidade, entre a área urbana consolidada e o território rural envolvente. A topografia, quase plana, e a orientação do terreno apresentavam boas condições gerais de implantação e exposição solar, ainda que a sua geometria, em forma de L, fosse menos adequada para o tipo de edificação e equipamentos de apoio previstos instalar. Nesta parcela de terreno foi proposta a construção de um edifício em dois pisos, dispondo-se em alinhamento com os arruamentos existentes. Considerando esta situação, duas questões-chave se colocaram na conceção do projeto: a primeira relacionada com o seu enquadramento urbanístico, procurando que a enorme volumetria da construção (que veio a atingir os 15.300 m2a.b.c.), não se impusesse na paisagem sem acréscimo de valor estético, o que foi conseguido com a criação de múltiplos volumes, procurando que as massas edificadas e os vazios se equilibrassem formando um todo organicamente articulado; a segunda questão esteve relacionada o redimensionando o espaço público envolvente, a redefinição das condições de acessibilidade ao novo equipamento escolar e a criação de lugares de estacionamento automóvel, para professores e funcionários, a par da reserva de placas de parqueamento para transportes públicos.
Programa funcional – a orgânica do espaço
Um estabelecimento de ensino que vise a formação de alunos desde os 4 aos 16 anos apresenta uma estrutura complexa do ponto de vista arquitetónico, uma vez que implica espaços muito distintos do ponto de vista do uso e da funcionalidade. Por outro lado, o conjunto arquitetónico, enquanto espaço de formação, deve transmitir não só aos alunos, mas aos utilizadores, valores estéticos, percecionais, vivenciais e didáticos. O projeto teve também de refletir na conceção da sua arquitetura os objetivos definidos pela política educativa constante das “Normas para concepção e construção de instalações escolares” e os “Critérios de planeamento” bem como de um vasto conjunto de outras normas e regulamentos legais aplicáveis, à rede regional e nacional de estabelecimentos de educação e ensino. Na organização espacial deste tipo de escolas deve conferir-se o necessário grau de autonomia aos núcleos de Educação Pré-Escolar, do 1º e 2º ciclos do ensino básico, já que as práticas pedagógicas e os meios didáticos para cada nível etário tem exigências e características próprias não partilháveis em muitos dos aspetos da ação educativa ou da execução e cumprimento dos diferentes planos curriculares. Por outro lado, há que considerar instalações de utilização comum, rentabilizando espaços, equipamentos e serviços necessários às atividades correntes de todos os grupos etários, promovendo, ao mesmo tempo, hábitos de convívio e de comunicação entre todos. Tendo em atenção os pressupostos anteriores, o edifício foi estruturado com base na inter-relação funcional de diferentes núcleos. Cada um desses núcleos apresenta características próprias, quanto ao tipo de atividade e hierarquia designadamente:
- Zonas Públicas: acessíveis a alunos, professores, formadores, auxiliares e público em geral;
- Zonas Administrativas: onde se encontra a direção da escola e se concentram as atividades de definição de estratégias de ensino, bem como uma zona acessível ao público geral, designadamente a secretaria e a zona de receção de pais;
- Zonas de Professores: local de trabalho corrente dos professores e formadores, áreas de trabalho de grupo e convívio;
- Zonas de Alunos: onde se incluem os diferentes núcleos correspondentes ao Pré-Escolar, 1º, 2º ciclo e ao Ensino Especial, bem como zonas de atividades comuns de desporto ou recreio e lazer.
- Zonas de Serviço: áreas de apoio ao funcionamento da escola.
Corredores – o potencial cinético das circulações
As circulações internas do edifício foram concebidas como um dos principais fatores para o bom funcionamento e a articulação dos diversos espaços da escola. A sua formulação distributiva serviu igualmente para estabelecer hierarquias de uso, possibilitar o seccionamento funcional de áreas e permitir compatibilizar as múltiplas atividades que decorrem durante e fora do período escolar. As circulações foram também concebidas como ‘um meio de leitura espacial’ e valorização estética do seu potencial cinético, ao mesmo tempo que asseguram caminhos claros de evacuação em caso de emergência. De entre as circulações propostas destacamos a que corresponde ao eixo da entrada, concebida como uma rua interior, de distribuição mas igualmente ponto de encontro e convergência do centro escolar e a galeria de circulação, localizada no alçado norte, um espaço cuja ambientalidade constitui um elemento transparência e ‘desmaterialização´ do conjunto edificado, ‘abre´ perspetivas sobre o interior do espaço escolar ao mesmo tempo que estabelece uma relação direta entre o espaço interior da escola e o exterior urbano.
Outros temas poderiam ser aqui tratados, como o da eco-edificação, o da construção para a desconstrução, ou o conceito de desenho sustentável. Cremos contudo que no livro Gaspar Frutuoso School: Architecture as a Pedagogic Space, bem como na resenha, recentemente publicada na Revista Vitruvius, os diversos autores tratam detalhadamente estes e outros temas e abordam com cuidada literatura os vários domínios estéticos, formais e técnicos que caraterizam esta obra.
ficha técnica
projeto
Escola Gaspar Frutuoso
local
Ribeira Grande, Açores, Portugal
datas
Projeto: 2014
Construção: 2016
arquitetura
Carlos Almeida Marques (autor); Luís Miguel Pombo (desenho – fase projeto); Pedro Baptista Coelho (desenho – acompanhamento de obra)
paisagismo
Miguel Cascaes
cálculo de estabilidade
João Dias Almeida e António Ressurreição