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Os professores Carlos Eduardo Comas, Margareth da Silva Pereira, Ricardo Trevisan e Sylvia Ficher prestam uma homenagem a Philippe Panerai, arquiteto e professor francês recentemente falecido.

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COMAS, Carlos Eduardo; PEREIRA, Margareth da Silva; TREVISAN, Ricardo; FICHER, Sylvia. In memoriam. Philippe Panerai (1940-2023). Resenhas Online, São Paulo, ano 22, n. 257.01, Vitruvius, maio 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/22.256/8815>.


A comunidade brasileira dos arquitetos e urbanistas próxima de seus pares franceses está de luto. Perdemos a inteligência, a perspicácia, o humor e a irreverência discreta, salpicada de fina ironia, de Philippe Panerai. Arquiteto diplomado pela École Nationale des Beaux Arts de Paris em 1967 e urbanista diplomado pelo Institut d’Urbanisme de Paris em 1969, Panerai se destacou como docente, pesquisador e profissional.

Professor desde 1969 da École d'Architecture de Versailles, foi um dos fundadores do Laboratório História Arquitetônica e Urbana/Sociedades, LADRHAUS, dele sendo diretor científico de 1987 em diante. Em 1995 criou, com Yannis Tsiomis, Jean-Louis Cohen e Monique Eleb, o curso conferindo o Diplôme d’Etudes Approfondies Le Projet Architectural et Urbain e o Doctorat en Architecture na Universidade de Paris VIII, reunindo um consórcio de escolas de arquitetura e o Institut d’Urbanisme de Paris. Diretor da École Nationale Supérieure d'Architecture Paris‑Malaquais de 2000 a 2003, aí ensinou até 2005.

Mantendo escritório próprio a partir de 1989, atuou com diferentes focos de atenção. Seu interesse pelo planejamento territorial envolvendo a escala metropolitana e a relações entre cidade e campo se exemplifica com o projeto vencedor de concurso internacional de 1991 para o desenvolvimento da Estrada do Reno (Strasbourg-Kehl). Seu interesse pela forma urbana, sua unidade, suas extensões e a integração de infraestruturas primárias se evidencia no projeto para a expansão Noroeste de 360ha do centro da cidade de Rodez. Seu interesse pelas mutações do tecido urbano quanto à escala, densidade e diversidade funcional transparece em estudos de reabilitação de grandes conjuntos habitacionais (Grenoble, Sarcelles, Épinay-sur-Seine, Nîmes), refuncionalização de distritos industriais obsoletos (Grenoble, Versailles, Auberviliers), ou em projetos de reabilitação de tecidos urbanos antigos (Oloron-Sainte-Marie, Metz, Saint Julien en Genevoix). Foi membro do Conselho Consultivo Científico Internacional do Grande Paris de 2008 a 2009, e arquiteto-urbanista consultor da cidade de Reims de 2012 a 2015.

Cerimônia de dispersão das cinzas de Philippe Panerai, Tonnerre, região da Borgonha, França, 16 set. 2023
Foto divulgação

As publicações começaram com Formes urbaines: de l'îlot à la barre, de 1977, em coautoria com Jean Castex e Jean-Charles Depaule. O livro se tornou logo um clássico traduzido para diversas línguas, como italiano, espanhol, alemão, neozelandês, iugoslavo, japonês, inglês e, tardiamente, português pela editora Bookman (1). Seguiram-se em 1980 Éléments d’analyse urbaine, com diversos coautores, e Lecture d’une ville: Versailles, com Jean Castex e Patrick Céleste. Les bastides, também com diversos coautores foi lançado em 1985). Os destaques de 1999 são Analyse urbaine, traduzido para o português com um capítulo adicional sobre Brasília (Análise urbana, Editora da Universidade de Brasília, 2006) e Projet urbain, em coautoria com David Mangin. Na virada do século, Panerai participou da organização de várias bibliografias comentadas, que podem se exemplificar com Formes urbaines, tissus urbaines: essai de bibliographie raisonnée 1940-2000, com Julien Langé, 2001.

A demonstração de apreço pelos vínculos com nosso país se reiterou ao editar um número especial dos prestigiosos Cahiers de la recherche architecturale et urbaine com o tema “Brésil-France architecture”, lançado em 2006. Em 2008, surgiu Paris métropole: formes et échelles du Grand-Paris, a propósito de uma consulta presidencial sobre os destinos da conurbação ocupando a Île-de-France. Após um período como editor-chefe da revista Tous urbains (2017-2021), lançou saborosas memórias de seu tempo de estudante universitário em L’ivresse de la feuille blanche: l’architecture aux Beaux-Arts avant 1968, de 2020; Panerai integrou a última turma de uma instituição secular que viria a ser fechada como consequência dos protestos estudantis de maio de 1968. Logo vieram La ville de demain e um sucinto, mas provocante Abécédaire de la transformation urbaine / R comme résidentialisation?, ambos de 2022.

Entre as várias entrevistas dadas no Brasil, vale destacar a que concedeu em Brasília à arquiteta Sylvia Ficher, publicada no Boletim IAB/DF, n. 125 (1992). Entre os artigos, vale destacar três. “A prática do urbanismo” apareceu na revista Rua do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBa em 1996 (2). “A Grande Paris: o nascimento da metrópole, três momentos em uma longa história” foi publicado em Arquitetura + Arte + Cidade, um debate internacional, os Anais do 8º Seminário Docomomo Brasil organizados por Roberto Segre e outros (3). “À la gloire du parti”, sobre a sede do Partido Comunista Francês, foi escrito para o número especial Niemeyer estrangeiro da Arqtexto do Propar – Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura da UFRGS, em 2007 (4). “A cidade. Modos de fazer. Modos de usar” integrou o livro Insustentável arquitetura. Encontros França América Latina, organizado por Angel Bojadsen (2015) para a FAU USP (5).

Formes urbaines teve impacto expressivo sobre nós. Panerai veio por primeira vez ao Brasil em 1986 como palestrante do II Seminário de Desenho Urbano – Sedur, a convite de Benamy Turkienicz, coordenador do evento e então professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da UnB, ocasião em que conheceu Ficher, com quem manteria longa parceria acadêmica, e Carlos Eduardo Comas, um dos fundadores do Propar UFRGS. No ano seguinte, voltou como professor visitante desse programa e palestrou no colóquio Le Corbusier e a questão urbana organizado por Margareth da Silva Pereira, Cecília Rodrigues dos Santos, Romão da Silva Pereira e Vasco Caldeira no Palácio Capanema carioca; aproveitou o ensejo para extensa gira pelo nordeste e norte brasileiros.

Cerimônia de dispersão das cinzas de Philippe Panerai, Tonnerre, região da Borgonha, França, 16 set. 2023
Foto divulgação

A década de 1990 foi movimentada. Panerai participou dos Laboratórios de Arquitetura Urbana promovidos no Propar por Ligia Botta, Comas e Turkienicz, agora professor na UFRGS. Voltou a Porto Alegre para comandar outra oficina de projeto urbano no Propar organizada por Comas e foi a Salvador para oficina similar organizada por Ana Fernandes no PPGAU da UFBA. Trabalhou na pesquisa Brasília e os condicionantes da forma urbana, projeto conjunto da UnB e Versalhes. No Rio, ministrou cursos no âmbito do convênio Capes-Cofecub, convidado por Denise Pinheiro Machado e Sergio Magalhães.

Já neste século, cabe destacar o Workshop de Análise Urbana: Brasília, do Plano Piloto à aglomeração metropolitana, que conduziu com Sylvia Ficher e Francisco Leitão na UnB (2003), assim como a participação como conferencista em diversos eventos: uns de âmbito nacional, como o 8º Seminário Docomomo Brasil (Rio de Janeiro 2009) e o XII Seminário da história da cidade e do urbanismo (Porto Alegre, 2012); outros mais abrangentes, como o Seminário internacional: a proteção do Plano Piloto de Brasília no contexto metropolitano, promovido pelo Governo do Distrito Federal e organizado pelo arquiteto Alfredo Gastal, superintendente regional do Iphan, ou a X Bienal de Arquitetura (São Paulo, 2013).

A última visita se deu em 2014, com o seminário e oficina “A cidade hoje. Formas e escalas de organização. O caso de Porto Alegre”, promovidos pelo Propar (2012), e o Seminário Internacional A proteção do Plano Piloto de Brasília no contexto metropolitano, promovido pelo Governo do Distrito Federal. Dentre seus vários orientandos brasileiros estão Carlos Eduardo Comas (tese defendida na Université de Paris VIII, 2002), Sergio Magalhães (doutorado-sanduíche em Paris, 2004) e Ricardo Trevisan (doutorado-sanduíche em Paris, 2007).

Justamente agraciado com o Prêmio Haussmann em 1981, o Grande Prêmio Francês de Urbanismo em 1999 e a Medalha de Prata da Académie d’architecture em 2007, Panerai dedicou sua vida à boa causa da arquitetura da cidade. Por um bom tempo, ele viverá na memória de seus amigos, companheiros e discípulos. Porém não será esquecido mesmo quando estes também se forem: seus projetos e escritos continuarão dando testemunho da inteligência e sensibilidade de seu autor. A vida é breve, a arte longa. Requiescat in pace.

Cerimônia de dispersão das cinzas de Philippe Panerai, Tonnerre, região da Borgonha, França, 16 set. 2023
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notas

NE – A série “Homenagem a Philippe Panerai” é uma iniciativa de intelectuais brasileiros que foram parceiros, orientandos e amigos, ao longo de anos e décadas, do arquiteto e urbanista francês falecido no dia 11 de maio de 2023, em Paris. Os artigos publicados são:

COMAS, Carlos Eduardo; PEREIRA, Margareth da Silva; TREVISAN, Ricardo; FICHER, Sylvia. Philippe Panerai (1940-2023). In memoriam. Resenhas Online, São Paulo, ano 22, n. 257.01, Vitruvius, maio 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/22.256/8815>.

TREVISAN, Ricardo. 3.51, 3.51, 3.51.... Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.06, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8861>.

FORTES, José Augusto Abreu Sá. Merci beaucoup de t’avoir comme ami! Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.07, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8830>.

LEITÃO, Francisco. Um legado que continuará. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.08, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8896>.

HOLANDA, Frederico de. Colocando o dedo na ferida da erosão do espaço público. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 23, n. 189.09, Vitruvius, jun. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.189/8897>.

SCHLEE, Andrey Rosenthal. Que personaje! Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.05, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8898>.

COSTA, Graciete Guerra da. Memórias de Taguatinga. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.06, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8899>.

FICHER, Sylvia. As cidades e suas contradições. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.07, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8900>.

FERNANDES, Ana. O método de projetar (n)a cidade. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.08, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8901>.

MAGALHÃES, Sérgio. O publicista da boa arquitetura, do bom urbanismo e da boa cidade. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 190.09, Vitruvius, jul. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.190/8902>.

LEME, Maria Cristina da Silva. O incansável andarilho. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.04, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8903>.

MARQUES, Sérgio M. A referência linear e constante para a reflexão crítica arquitetônica. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.05, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8904>.

CABRAL, Cláudia Costa. Energia, entusiasmo e inspiração. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.06, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8905>.

COMAS, Carlos Eduardo. Desenhista, dançarino, cozinheiro, orientador, historiador, crítico e, enfim, arquiteto e urbanista. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.07, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8906>.

ABREU, Silvio de. O estudioso da forma urbana. Philippe Panerai (1940-2023). Drops, São Paulo, ano 24, n. 191.08, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/24.191/8907>.

1
Formas urbanas: a dissolução da quadra. Porto Alegre, Bookman, 2013.

2
PANERAI, Philippe. A prática do urbanismo. Rua, v. 4, n. 1, Salvador, UFBA, 1996, p. 66-73 <https://bit.ly/3WFfjAc>.

3
PANERAI, Philippe. A Grande Paris: o nascimento da metrópole, três momentos em uma longa história. In SEGRE, Roberto; AZEVEDO, Marlice; COSTA, Renato Gama-Rosa; ANDRADE, Inês El-Jaick (Orgs.). Arquitetura + Arte + CidadeUm debate internacional. Rio de Janeiro, Viana & Mosley, 2010.[1]

4
PANERAI, Philippe. À gloria do partido / À la gloire du parti. Arqtexto, 10-11, 1º/2º sem. 2007, p. 138-143 <https://bit.ly/43guWQT>.

5
PANERAI, Philippe. A cidade: modos de fazer, modos de usar. In BOJADSEN, Angel (Org.). Insustentável arquitetura – encontros França-América Latina. São Paulo, Estação Liberdade, 2015.

sobre os autores

Carlos Eduardo Comas é professor permanente no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação e Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre RS.

Margareth da Silva Pereira é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, onde atua no Programa de Pós-graduação em Urbanismo – Prourb desde 1999.

Ricardo Trevisan é professor associado III no Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e em seu Programa de Pós-Graduação.

Sylvia Ficher é professora emérita e pesquisadora sênior da Universidade de Brasília – UnB.

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