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CAMARGO, Mônica Junqueira de. Sobre o projeto de Oscar Niemeyer para o entorno do Teatro no Parque Ibirapuera. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 056.01, Vitruvius, mar. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.056/1984>.



“É impossível imaginar o Brasil do século XX sem Oscar Niemeyer. È impossível pensar na arquitetura do século XX sem ele. É quase igualmente impossível pensar que este revolucionário criativo e notável tenha quase a mesma idade do século"Eric Hobsbawm (1)As recentes intervenções no Parque Ibirapuera constituem um caso de absoluta excepcionalidade. Uma obra tombada que, após cinqüenta anos de sua inauguração, sofre uma intervenção pelo seu próprio autor. O autor é um dos mais importantes arquitetos de sua geração, em plena capacidade criativa e intensa atividade profissional.

Deixando de lado considerações sobre a confusa tramitação desse processo, absolutamente pertinentes mas irreversíveis, a presente análise busca entender o projeto apresentado por Oscar Niemeyer sob a ótica de sua concepção criativa e a discussão que dele surgiu tendo em vista a proposta de demolição de parte da marquise tombada, um forte referencial da memória urbana paulistana.

A decisão de se construir um teatro no Parque Ibirapuera, no intuito de se concluir o antigo projeto para a Exposição do IV Centenário, provocou, desde o início, muita discussão, seja quanto à validade da proposição de conclusão de um projeto após meio século, seja pelas questões preservacionistas, uma vez que o conjunto já tinha sido tombado. A análise feita pelos técnicos do Departamento do Patrimônio Histórico do projeto apresentado foi clara em recomendar atenção especial à marquise: “o projeto das áreas externas deverá ser apresentado posteriormente , inclusive com a nova marquise de interligação. Como já foi manifestado verbalmente deverá ser respeitada integralmente a configuração da marquise atual, que é tombada e não poderá sofrer nenhuma forma de mutilação” (2).

Ao contratar o arquiteto Oscar Niemeyer – autor do projeto original – para desenvolver o trabalho era de se supor algum risco à integridade física do entorno, bem como das edificações a sua volta. É da natureza criativa de Oscar Niemeyer a liberdade plástica, a superação de obstáculos, os desafios. Imaginar que ele refizesse o mesmo projeto 50 anos depois ou que ele se contivesse diante de um projeto de sua própria autoria, seria desconhecer a sua trajetória. Do ponto de vista do Patrimônio Histórico a contratação de Oscar Niemeyer foi uma atitude, sem dúvida, corajosa, porém, correr riscos é condição primordial para se avançar.

A carreira de Niemeyer, dado seu gênio criativo, é permeada de polêmicas. Considerando que a polêmica é sempre positiva, as calorosas discussões que sua obra tem provocado, obrigando-nos à reflexão, constituem prova da dimensão do papel de Oscar Niemeyer para a cultura arquitetônica. Começando pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, de 1936, obra que praticamente marca sua entrada no universo arquitetônico, foi alvo de muitas discussões devido à arbitrariedade que permeou o processo de contratação da equipe de arquitetos. O pedido de tombamento, feito por Lúcio Costa em 1947, da Igreja de São Francisco na Pampulha um dos seus mais revolucionários projetos, é o primeiro no mundo para uma obra moderna e ainda em construção.

O seu surpreendente e precoce avanço sobre as idéias modernas causou total espanto aos estrangeiros: “Niemeyer, imediatamente depois das vanguardas, é um dos primeiros arquitetos que, a partir de uma atitude renovadora e progressista, põe totalmente em dúvida os princípios do estrito funcionalismo em arquitetura. Sua obra é antes de tudo escultórica e expressiva. E não por acaso sua intervenção em Belo Horizonte foi mal recebida pela ortodoxia européia do funcionalismo. Niemeyer havia se adiantado e somente a geração posterior aprenderia sua lição. Suas obras são uma mostra da compreensão precursora por parte de Niemeyer de que é nas coberturas que adotam formas escultóricas onde se enraíza a maior expressividade da arquitetura” (3). Recuperar todos os casos, ainda que muito ilustrativos, desviaria o alvo de nossas considerações. O que quero deixar claro a priori é que mais do que suas obras, suas idéias são patrimônio nacional.

O tombamento do conjunto do Parque do Ibirapuera, em especial da marquise, faz jus à importância dessa obra sob vários aspectos: 1 – no âmbito da trajetória do arquiteto; 2 – no panorama da arquitetura moderna nacional e internacional; 3 – do patrimônio arquitetônico paulistano; e 4 – principalmente do seu significado para o povo paulistano. Uma obra que arrisco dizer, em breve, deverá entrar para o Patrimônio da Humanidade. No conjunto do Ibirapuera, segundo Bruand, “podem ser divisados indícios da evolução futura, mas essa realização é, em primeiro lugar e acima de tudo, a síntese onde aparecem mais intimamente associados os três componentes do estilo do arquiteto antes da virada decisiva de 1955: pesquisas estruturais dinâmicas, forma livre, jogo de volumes puros equilibrando-se mutuamente” (4) E também destaca e valoriza a marquise no âmbito do conjunto arquitetônico: “Pode parecer estranho que, num conjunto arquitetônico como o do parque Ibirapuera composto de vários pavilhões cuja importância já foi ou será sublinhada, possa-se considerar uma marquise, embora sendo gigantesca, como o elemento de base da composição. Mas o fato é indiscutível. Ela é o verdadeiro traço de união entre os edifícios; o gabarito, a plástica e a disposição destes foram calculados de modo a obter um equilíbrio; nenhum deles devia sobressair, impor-se aos demais, eles deviam existir apenas em função de um todo, cuja parte central era, sem dúvida, o meio de ligação constituído pela marquise” (5).

Esse projeto de 1951, um dos maiores até aquele momento realizado pelo arquiteto, ajudou a consolidar o caráter de sua arquitetura. Os pilares em V, a marquise de grandes proporções, as formas diferentes interligadas à distância, são idéias que vinham sendo desenvolvidas anteriormente mas que não tinham sido ainda executadas ou que aí foram mais bem exploradas e até mesmo pioneiras, como destaca Marco do Valle no seu trabalho de doutorado: “No projeto do conjunto do Ibirapuera, Niemeyer propõe pela primeira vez uma concepção espacial que será recorrente em seu trabalho, uma derivada do conceito da “forma sobre plataforma e pilotis” (6).

Ainda que algumas dessas idéias tenham sido descartadas posteriormente, elas foram fundamentais para suas conquistas posteriores. A própria marquise, um forte elemento na identificação de sua arquitetura, será aos poucos abandonada, sendo praticamente deixada de lado em 1956 (7). Fato esse que fortalece a condição de excepcionalidade desse patrimônio. A marquise do Ibirapuera é um dos melhores exemplos dessa tipologia – percurso abrigado entre edifícios – e uma importante experiência no seu processo de construção da forma. Segundo Queiroz, “a proposta de distensão e esbeltez da forma tem início nos anos cinqüenta quando o arquiteto desenvolve a curva como decorrência da união entre segmentos de reta e segmentos de arco, como no caso da marquise do conjunto do Parque Ibirapuera. A introdução do segmento de reta entre segmentos de arco torna-se uma solução interessante tanto para os projetos que envolvem grandes planos horizontais (marquises) como para os volumes de perfil curvilíneo como no caso da cúpula do Palácio das Artes” (8).

Ciente da importância dessa obra para a história da capital paulistana, Niemeyer apresenta um projeto (9) para o entorno do Teatro no qual elimina 40m da famosa marquise – uma das quatro pontas que no projeto original deveria conectar-se com uma outra mais delgada que uniria o auditório ao museu. Essa destruição de parte do bem tombado tem sido o ponto central da polêmica, por um lado fere os princípios da Carta de Veneza por outro interfere na ambiência e no desenho que o novo projeto pretende criar. Ainda que tal interferência seja mais perceptível no papel, do que in loco, criar formas para serem vistas também de avião é um procedimento recorrente no arquiteto. A própria marquise em questão cumpre seu papel de integração entre os vários edifícios muito mais no desenho e numa foto aérea do que por quem a percorre pessoalmente, sua amplidão inibe a apreensão dos vários edifícios. No desenho, é legítima a justificativa de Niemeyer que a antiga marquise divide a praça, interferindo na conformação do novo espaço gerado pelo acréscimo do teatro.

Um ato que se analisado independente da personalidade criativa de Niemeyer pode parecer predatório, mas sob a ótica das considerações feitas acima é possível interpretá-lo como algo que, ao contrário, agrega valor ao valioso conjunto arquitetônico. Um ato a um só tempo mutilante e generoso: corta-lhe um pedaço, que diante da nova configuração espacial passa a ser uma intromissão e generosamente devolve-lhe um ousado apoio escultórico, que passa a cumprir o papel de um marco, transformando uma ponta desgarrada num ousado portal de acesso à marquise. A ponta, que diante da não conclusão do projeto original, ficou solta, como que a espera de algum elemento que lhe desse sentido, assume pelo novo desenho um papel especial na configuração do conjunto arquitetônico. Uma recompensa pelos anos de espera.

Consciente da importância simbólica dessa obra para os paulistanos, do significado do patrimônio histórico para a cultura de uma sociedade, Niemeyer afirma e se responsabiliza pela interferência na marquise, justificando que o que ora propõe é a melhor solução para o conjunto. Não se trata neste caso de incompreensão ou desprezo pelo patrimônio, pois sendo ele o autor do projeto original estão garantidas as prerrogativas lançadas por Camillo Boito ainda no século XIX: “para bem restaurar é necessário amar e entender o monumento” (10).

Entendo que mesmo com a subtração de 40m da marquise, a sua integridade, enquanto objeto arquitetônico, permanecerá inalterada. A antiga marquise não só continuará perfeitamente reconhecível enquanto tal como ganhará notoriedade ao integrar e participar da conformação do novo espaço. O elemento de apoio se harmoniza com as proporções existentes e constitui um registro da invejável lucidez deste arquiteto que aos 96 anos ainda está a nos surpreender. Seu instinto criativo que beira à compulsão nos faz admirá-lo não só pelo muito que já fez mas por tudo o que ainda pode vir a fazer.

notas

1
Apud SCHARLACH, Cecília. Niemeyer – 90 anos.

2
Processo 2003-0.035.768-7, folha 21.

3
MONTANER, Josep M. Depois do movimento moderno. A arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001.p.27.

4
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p.162.

5
Idem. p.162

6
VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). São Paulo: FAU/USP, 2000, p. 201.

7
Idem p. 401.

8
QUEIROZ, Rodrigo Cristiano. O desenho de um processo. São Paulo, ECA/USP, 2003, p.149.

9
Niemeyer apresentou uma segunda proposta em novembro de 2005, que é objeto desta análise. Embora ainda eliminando 40m da marquise, trata-se de uma solução mais simples, cujo desenho integra a marquise ao novo ambiente.

10
BOITO, Camillo. Os restauradores. Cotia: Ateliê, 2002.

[Texto extraído do parecer constante no processo da Prefeitura do Município de São Paulo n. Processo 2004 – 0.154.355 – 9, Proposta para as áreas externas junto ao auditório no Parque Ibirapuera configurando o espaço na praça de entrada do parque e a área de concentração de público, cuja íntegra foi publicada no Boletim On line IAB SP – 17/02/2005.]

sobre o autor

Monica Junqueira de Camargo, arquiteta, doutora, professora de história da arquitetura contemporânea da FAU/USP, autora de "Joaquim Guedes", Cosac&Naify, 2000.

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