Revitalização Urbana e (re) invenção do Centro Histórico na cidade de João Pessoa (1987 – 2002) faz uma leitura do processo de revitalização/requalificação do Centro Histórico de João Pessoa a partir de um ângulo de visão pouco percebido pelo cidadão comum: a transformação – para além da recuperação física – do espaço histórico em “lugar” para onde convergem vivências, trocas e práticas de diferentes grupos sociais na busca da construção de uma identidade comum.
O processo de revitalização, iniciado em 1987 a partir do Convênio Brasil / Espanha, resumia-se, em sua fase inicial, as ações dos governos que o compunham: Ministério da Cultura do Brasil/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Ministério dos Assuntos Exteriores da Espanha /Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI), Governo do Estado da Paraíba e Prefeitura Municipal de João Pessoa. Estas ações se dão a partir da atuação técnica da entidade gestora local deste Convênio, a Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa.
Nestes primeiros anos de atuação percebe-se o pouco – ou quase nenhum – envolvimento da sociedade local no processo, decorrência, por um lado, do desconhecimento por parte do cidadão comum do acervo cultural de que dispõe a nossa cidade, e por outro, pela concentração das ações na tarefa pontual de salvar do desaparecimento importantes conjuntos arquitetônicos, vítimas de décadas de abandonado e descaso.
Dez anos após inicia-se uma nova fase deste processo, marcada pela implantação do Projeto de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim, ainda em andamento. Passa-se da intervenção pontual em monumentos referenciais para a requalificação de trechos da estrutura urbana do Centro Histórico, que através da melhoria da infra-estrutura, reurbanização do espaço público e restauração de monumentos e conjuntos edificados, visa o desenvolvimento social e econômico destes trechos, utilizando o potencial cultural como instrumento de contribuição para o desenvolvimento da cidade.
Apesar dos principais conjuntos arquitetônicos – vários deles já restaurados – localizarem-se em um setor contíguo do Centro Histórico, a Cidade Alta, a área do Varadouro foi selecionada por dois motivos principais: o potencial de associação do patrimônio cultural com o aproveitamento sustentável do meio ambiente representado pelo rio Sanhauá – integrante do estuário do rio Paraíba – e o acelerado processo de decadência e abandono da área. Este projeto busca a conservação e valorização do patrimônio cultural; a revitalização de sua função econômica dentro do contexto da cidade, com a inserção de novos usos que resgatem o caráter de centro comercial e de serviços, diversificado e de bons níveis de qualidade; a revitalização de sua função habitacional, com a dotação de condições dignas de habitabilidade e de desenvolvimento econômico e social das populações existentes e o incentivo à fixação de novas habitações, e a transformação da área do antigo porto em um ponto destinado ao lazer e diversão da população da cidade. Este projeto também marca um novo relacionamento da sociedade pessoense com o seu patrimônio cultural.
É na evolução do próprio processo de revitalização do Centro Histórico de João Pessoa e na sua relação com as mudanças de concepção e formas de utilização do patrimônio cultural a nível nacional e internacional que a autora concentra a sua análise. No entanto, a ótica na qual o livro baseia-se nas mutações do relacionamento de nossa sociedade com o seu patrimônio cultural. Explicita as particularidades do caso de João Pessoa, onde esta sociedade, a margem das forças políticas locais, e associada aos agentes técnicos da revitalização, reinvidica e cria formas de atuação no processo de revitalização. E o principal ponto desta mutação é a intervenção na Praça Antenor Navarro e no Largo de São Pedro Gonçalves cria no cidadão comum uma nova percepção do seu patrimônio. Nasce – ou renasce – no imaginário popular o Centro Histórico de João Pessoa. A sociedade, até então distante, passa não só a apropriar-se do espaço físico, mas também do espaço social que o Centro Histórico representa.
Para os gestores do processo – a Comissão do Centro Histórico – o livro registra e analisa uma transformação de relacionamentos com a sociedade que, de um momento inicial por vezes conflituoso, passa a uma parceria, que também possui seus pontos de atritos, mas de resultados construtivos no processo. Registra também as diversas formas como esta sociedade apropria-se do espaço histórico, sendo uma das mais importantes a criação de associações cujos objetivos estão voltados para a participação do processo de revitalização e que congregam diversos atores da sociedade, destacando a Oficina-Escola de João Pessoa, o Projeto Folia Cidadã (vinculada a Associação Folia de Rua) e a Associação Centro Histórico Vivo – ACEHRVO.
O livro em si também espelha estas alterações no processo de revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, na medida em que é uma reflexão sobre o mesmo, e que pela primeira vez é tornada pública, não para retratar os resultados da restauração/requalificação física do acervo de nosso Centro Histórico, mas para analisar o processo em si e a sua apropriação pela sociedade. Reflexão por vezes difícil de ser realizado pelos agentes diretamente envolvidos por conta das demandas da atividade cotidiana, mas também por sua parcialidade natural.
Ao analisar estas transformações do processo de revitalização, e em especial a do espaço físico restaurado em “lugar” apropriado pela sociedade local e palco da atuação dos seus diversos grupos, a autora revela a sua riqueza, não só para seus gestores técnicos, mas, principalmente, para a sociedade para a qual se destina. Revela que, para além das dificuldades cotidianas, o permanente diálogo entre estes diversos grupos permite a construção de melhores resultados e, principalmente, reforça os laços comuns que criam a identidade coletiva. Leva-nos a refletir na direção de que é no processo que reside o resgate pleno desta identidade, para o qual o resgate físico deste patrimônio cultural age como elemento aglutinador da interação social.
[o presente texto está publicado na orelha do livro resenhado.]
sobre o autorCláudio Nogueira e Sônia Maria Gonzalez são arquitetos e coordenadores-adjuntos da Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa