Ana Rosa Oliveira: Fale um pouco sobre a Roberto Burle Marx e Arquitetos Associados.
Fernando Tábora: Era formada pelo Burle Marx, Maurício Monte, John Stoddart, Julio César Pessolani e eu. A Sociedade surgiu a partir dos trabalhos na Venezuela iniciados em 1956. Maurício Monte se formou em arquitetura na Universidade Federal, ele estava na equipe, já trabalhava com o Burle muito antes que os demais. Dedicava-se exclusivamente à pintura de painéis coloridos para o Burle, e o fazia com maestria. Acho que desde 1953, pois ele trabalhou nos painéis para o Ibirapuera. Ele nunca se interessou pela arquitetura paisagística. Ele fazia piadas muito engraçadas com o nome das plantas. Quando o Stoddart viajou para Nova Iorque para trabalhar com Harrison e Abramovitz, Pessolani e eu ficamos como assistentes do Burle em todos os projetos e, com Maurício Monte fomos a base da sociedade.
ARO: Qual foi a influência de Maurício Monte em Burle Marx?
FT: Não sei, mas se houve influência foi de Burle Marx em Maurício Monte. Ele estava muito interessado em design de objetos para complemento da arquitetura, o Burle também. A música e o jazz eram sua paixão. Depois que se retirou da Sociedade dedicou-se a pintar e desenhar, um de seus trabalhos apareceu num livro do Bardi.
John Stoddart chegou ao Brasil em 1954, com uma bolsa de estudos da Inglaterra. Do Brasil ele foi para os Estados Unidos onde estabeleceu relações que foram muito importantes para nós. Ele ministrava conferências sobre a obra de Burle Marx e foi através de uma de suas conferências na Universidade de Cornell, que conseguimos o projeto do Clube Puerto Azul, início dos nossos trabalhos na Venezuela. Depois de 6 meses, quando nós já tínhamos a certeza de que íamos ter muito trabalho, o chamamos para integrar a equipe, ele veio. Stoddart e eu trabalhamos juntos durante 40 anos. Nosso trabalho, durante muito tempo dificilmente pode ser separado, principalmente nas primeiras fases; depois seguimos formas de expressão diferenciadas. Ele tinha um grande interesse pela história da arquitetura e foi importante para nós porque tinha muitos contatos ingleses e norte-americanos entre eles Geoffrey Jellicoe e Ian McHarg.
O Júlio César Pessolani é um arquiteto paraguaio formado pela Faculdade de Arquitetura da UFRJ. Sua habilidade extraordinária em detalhar e organizar trabalhos e fazer maquetes foi vital em nossos projetos. Eu deixei o Brasil quando o anteprojeto do Aterro já estava pronto, foi quando o Pessolani ficou assessorando a Lota (1), passando a ser seu assistente principal na defesa do nosso projeto.
ARO: Fale sobre o modo de trabalhar de Burle Marx.
FT: Ele gostava de ter alguém ao lado dele para discutir o que ele captava do espaço, para dizer “Burle faz isso”,“precisa emparelhar esse jardim”, etc. Ele ia ao lugar, captava a idéia e depois desenvolvia um conceito de desenho que era levado à prancheta para passá-lo a escala, introduzir a vegetação, mas sempre considerando os elementos valiosos existentes. Ele nos dava um projeto mais ou menos feito. Aí se começava a fazer os desenhos. Isso ia para a prancheta. Uma vez terminada a lista de plantas e numeradas no plano, o Maurício Monte fazia uma pintura que depois era entregue ao cliente. Fazia-se uma festa, entregava-se o projeto e o cliente saía com o painel do jardim em guache, emoldurado, e já estava pronto. Os projetos eram quase de graça, porque o importante, o que interessava, era vender as plantas e cobrar pela execução do jardim. Eles ganhavam dinheiro com isso e nós arquitetos achávamos uma injustiça, que a parte criativa não valesse nada.
Nos jardins era assim, mas no Parque del Este o trabalho foi diferente, coisa de equipe, que realmente conseguisse gerir isso como um edifício, realmente construção, isso implicava uma visão de espaço diferente, de aspectos funcionais e tudo muito diferente. Os grandes projetos foram assim, os outros foram da maneira como o Burle trabalhava.
ARO: Então, se poderia falar de “Burles”?
FT: Antes do Parque del Este, todo o trabalho do Burle era feito com a visão de um artista, tanto que o escritório se chamava atelier. Nos seus projetos existia uma grande preocupação ecológica, uma relação com o que se fazia, com o ambiente em que se estava. Não era só uma questão formalista. Quando chegamos à Venezuela, a primeira coisa que fizemos foi visitar os parques nacionais em diferentes lugares, tipos de vegetação para ver justamente como era o país com o qual trabalharíamos. Isso foi uma grande lição que nós aprendemos com o Burle. O Ibirapuera era um jardim para feiras internacionais com um plano diretor de Oscar Niemeyer e ele trabalhou com esses condicionantes. Em Brasília, o que aconteceu foi que nós tínhamos que entregar o trabalho em prazo muito curto, em condições ambientais desconhecidas e a única maneira de fazer um programa gigante como aquele era essa idéia formal, mas isso foi uma exceção. O ideal teria sido fazer um Plano Diretor, mas isso não foi possível, assim só foram feitos projetos isolados, como o do jardim zôo-botânico e os do setor bancário.
ARO: Poderia falar sobre o uso da cor através das plantas?
FT: O Roberto sempre valorizava certo aspecto da cor das plantas que ia utilizar. Ele estabelecia uma convenção de cores para as diferentes plantas, flores ou folhagens. Algumas delas no painel colorido em guache não correspondiam, porque uma planta floresce às vezes somente uma vez por ano e a folha era o que contava, mas no painel era contada como uma cor, por exemplo, se eram Ibiscus vermelhos se punha vermelho, não verde e vermelho como realmente era. Era uma deturpação da realidade que satisfazia a ele como pintor.
O painel era feito para que se visse como um quadro para equilibrar-se como um quadro, tanto que os donos dos projetos os levavam e colocavam em uma moldura e era um quadro do Burle. Isso muitas vezes não tinha nada a ver com a realidade do jardim, porque existem outros elementos de textura e volume, transparência. Tudo isso não podia ser expresso num desenho plano com cores planas, mas o Burle insistia nisso, porque era uma satisfação para ele como pintor.
No caso do Parque del Este não se fizeram planos coloridos, porque se experimentava com plantas que nunca tinham sido utilizadas em jardins. Nós fizemos expedições a todas as regiões da Venezuela para trazer material, que era, em muitos casos, bastante novo, plantas que não tinham sido utilizadas em jardins, que não sabíamos como iam se adaptar. No Parque del Este, primeiro se fez um plano diretor em que se levava em conta todos os fatores de funcionamento do parque, como um elemento de criação importante para a cidade, este plano esteve a nosso cargo.
ARO: O senhor falou que no seu curso de graduação em arquitetura, foi auxiliar de Joseph Albers, realizando muitas experiências com a cor. Houve alguma busca de refletir isso nos painéis, nos muros do Parque del Este?
FT: A experiência com Albers foi essencial para mim. Não só trabalhávamos a cor do ponto de vista psicológico, mas também, todo tipo de exercícios com diferentes meios de expressão usando técnicas extraordinárias pela sua criatividade. Os muros coloridos dos pátios do Parque del Este foram obras do Burle que nada tiveram a ver com minha experiência com Albers, Burle já tinha feito murais em diversos jardins pois uma forma de levar a pintura aos jardins é através de murais. Era onde se recriavam. Eu mesmo trabalhei num jardim que se fez para o Baby Pignatari (2) em 1955. Um jardim que se iniciava com dois grandes painéis emoldurando um gramado em quadrícula de duas cores de grama. A influência deste jardim naqueles murais do Parque del Este, que não foram executados, é evidente.
No desenho do Parque del Este, porém, surgiram muitos aspectos que normalmente não apareciam nos jardins projetados no atelier, aspectos de desenho urbano, de arquitetura, de serviços incluindo acessos, transporte, conservação e segurança.
notas
1
Maria Carlota (Lota) de Macedo Soares
2 Francisco Pignatari