Implantada no centro do Brasil, duas décadas após Brasília, Palmas-TO, fundada em maio de 1989, não teve seu processo de ocupação muito diferente das demais cidades brasileiras. Marcado pela exclusão da população de baixa renda, por uma ocupação territorial desordenada, repleta de vazios urbanos e uma grande parcela da população de baixa renda residindo em regiões periféricas, com déficit de equipamentos sociais, infra-estrutura e moradia adequada.
Os problemas sócio-territoriais vivenciados nas experiências das demais cidades planejadas não serviram de referência para implantação da nova capital. Fragmentada em parcelas, apresenta atualmente a realidade de duas cidades opostas, de um lado a “cidade formal”, planejada, repleta de padrões e formalismos modernistas, rica em espaços de lazer, e espaços vazios aguardando valorização; de outro lado, a cidade informal, repleta de irregularidades, desigualdades sociais e degradação ambiental, o “lugar dos excluídos”.
Durante sua implantação, o Estado, como principal responsável, se tornou o maior proprietário fundiário. Sob a ótica, da expansão capitalista, comercializavam-se as propriedades junto ao mercado imobiliário e negociava-se para pagamento das empreiteiras responsáveis pelas obras de construção da cidade. Com o avanço da urbanização, o Governo do Estado, desapropriava terra rural e vendia terra urbana já valorizada, podendo com isso formar capital para investimento. (1)
Com o aumento do número de imigrantes, o Estado utilizou como estratégia para manter a população de baixa renda fora do plano urbanístico, barreiras policiais nas entradas da cidade, e dessa forma, induziu a ocupação da região sul com moradias destinadas à população de baixa renda, à revelia do plano urbanístico. A implantação da cidade ocorreu, por conseqüência, de maneira esparsa, provocando vazios urbanos e a prática da especulação imobiliária.
O Plano Diretor Urbanístico de Palmas (2) previa uma densidade mínima de 300 habitantes por hectare, racionalizando a implantação da infra-estrutura urbana, estimou-se uma população nos dois primeiros anos de 30 mil habitantes que deveriam ocupar 2.500 hectares. A segunda etapa previa uma expansão de 1.600 hectares, que deveria absorver uma população aproximada de 100 mil habitantes, prevista para até 1995. A implantação das terceira e quarta etapas estava prevista para abrigar aproximadamente 1 milhão de habitantes. As áreas de expansão urbana foram previstas para uma etapa posterior. A cidade, com a ocupação destas áreas chegaria a 38.400 hectares podendo abrigar aproximadamente 2,5 milhões de habitantes (Figura 01).
Apesar de ficar clara a intenção de promover uma ocupação ordenada e sequenciada, o que se observou foi um processo desordenado de ocupação do território, concentrando nas regiões centrais um grande número de vazios urbanos e nas regiões periféricas uma densa concentração da população de menor poder aquisitivo. A evolução da ocupação urbana desconsiderou o planejamento inicial da cidade, já no início da implantação, no segundo ano, em 1991 o Estado promoveu o parcelamento do Jardim Aureny I, na região sul, visando abrigar a população de baixa renda que se deslocava pra nova capital. Enquanto isso mantinha um grande número de quadras desocupadas, próximas ao centro. Os documentos oficiais mostram que os problemas relacionados ao déficit habitacional iniciaram-se logo nos primeiros anos de sua implantação. O Diário Oficial do Estado publicou em abril de 1992, o seguinte texto:
O Estado do Tocantins vive uma situação habitacional grave, caracterizado pelo enorme déficit de moradia e a carência de equipamentos urbanos e de saneamento básico (...) A penosa questão habitacional e a de saneamento se aprofundam, ainda mais, com o aumento da intensidade do fluxo migratório (...) (3)
Fica claro que, apesar da cidade ter sido planejada para abrigar 100.000 habitantes no seu segundo ano de ocupação e sua ocupação territorial ordenada por etapas, não admitia-se a ocupação por trabalhadores de baixa renda na região central da cidade. Visando reverter esse quadro o Governo do Estado, em 1990 criou uma estratégia de exclusão dessa população.
Visando uma ocupação ordenada e seqüenciada, determinou o fechamento da Rodovia no limite de Taquaralto. Dessa forma todo imigrante que chegava sem um local para morar, era obrigado a descarregar ali, sua mudança. Transformando-o em um bairro densamente povoado (...) (4)
Tal fato, explica a intenção do Estado de excluir essa população do acesso à cidade e à terra urbanizada, induzindo a ocupação esparsa e desordenada. Estima-se que em Palmas existam cerca de 34 mil domicílios localizados em assentamentos precários ou subnormais, representando aproximadamente 7,4% da população urbana. A região central, que abriga aproximadamente 47% da população urbana, possui uma densidade demográfica de até 12 hab/ha. A região mais adensada se configura à periferia da cidade, chegando a uma densidade de 71hab./ha. (Figura 03). Na Região Sudeste da cidade, podemos perceber que o aumento da densidade demográfica é diretamente proporcional ao aumento da distância à área central, e inversamente proporcional à renda da população. De acordo com dados da SEDUH (2006) a área de vazios urbanos na cidade ocupava 4.127,81 hectares, concentrada principalmente na região central, como pode ser observado na figura 04.
O enorme número de áreas vazias nas regiões centrais representa a forte especulação imobiliária praticada em Palmas, fato que exclui a população do acesso a estas terras. Observa-se também que à medida que a distância da área central, principalmente em direção à região sul, a densidade aumenta e a renda diminui, chegando à predominância de famílias com ganho entre três e seis SM, seguidas de famílias com renda entre um e três salários mínimos nas áreas mais distantes ao centro, e predominância de famílias que percebem acima de oito salários mínimos (SM), próximas ao centro. (Figuras 03, 04 e 05).
A Figura 05 apresenta a territorialização da população por faixa de renda em Palmas, onde a população de menor poder aquisitivo encontra-se localizada principalmente nas regiões noroeste e sul da cidade. A região noroeste, conhecida popularmente como Vila União foi objeto de ocupação e luta dos movimentos de moradia, e atualmente encontra-se parcialmente regularizada. Previa-se a ocupação dessa região por uma população com melhor poder aquisitivo, contudo a organização social dos movimentos e a regularização da área proporcionaram que uma população de menor renda pudesse residir em uma região próxima ao centro da cidade, fato que reduz a situação de exclusão, contudo não resolve a situação de “confinamento” que pode ser observada na figura 5, principalmente na extremidade norte, como a ARNO 44, com 93% da população cadastrada com renda média de até 3 salários mínimos, e outras como a ARNO 71 e 72, com 85% e 87% da população nesta mesma faixa.
Prevista para expansão e ocupação posterior, a Região Sul de Palmas, possui atualmente mais de 50% da população urbana total, com uma maior densidade demográfica, localiza a maior quantidade de pessoas com menor poder aquisitivo. Bairros como o Aureny III, com a maior densidade populacional, possui em média 87% da população com renda de até 3 salários mínimos; o Aureny IV possui 85% das famílias com renda até três salários, o Morada do Sol e o Sol Nascente com 91% das famílias. Este cenário mostra claramente a segregação espacial das famílias de baixa renda em áreas periféricas da cidade.
Outro indicador que retrata as desigualdades na cidade de Palmas diz respeito às áreas irregulares existentes no município. Dados recentes apresentam um número aproximado de 133 áreas irregulares, com 640 unidades cadastradas, no perímetro urbano da cidade. Na figura 06 podemos observar que estas áreas estão localizadas em diversas regiões, contudo sua maior concentração está na região sul, com 425 unidades (5).
Podemos perceber com os dados apresentados uma espécie de homogeneização social da população no território da cidade, marcada por fortes desigualdades de renda, com a população de menor renda em locais mais afastados da região central, do centro de decisões e ao mesmo tempo com um menor acesso aos equipamentos urbanos e políticas públicas.
Concluímos que Palmas foi uma cidade planejada com base em conceitos modernistas, porém sofreu uma ocupação diferente da proposta, observamos ainda que o Estado foi um dos principais agentes responsáveis pela implantação de uma cidade esparsa, com baixa densidade territorial e um alto custo de administração. Percebemos a urgência da prática de outra lógica de planejamento, que se livre das amarras tecnocráticas, articulado com a gestão e controle social, direcionando os investimentos de acordo com o interesse público (social e ambiental), e implantando uma normatização justa do território (6). Enquanto o planejamento for praticado como uma técnica política submetida aos interesses hegemônicos sob a lógica da acumulação capitalista não será possível a garantia do direito à cidade e à promoção da cidadania.
notas1
Diagnóstico do Plano Diretor Participativo de Palmas. Palmas, 2005. P.53.2
Lei Municipal nº 468 de 06 de janeiro de 1994 - Lei 468/94 – Plano Diretor Urbanístico de Palmas (PDUP), Artigo 7°, § 1.3
PALMAS. Prefeitura Municipal. Unidade Executora Municipal. Plano estratégico municipal para assentamentos subnormais. Palmas, TO: [s.n.], 2001, p. 14.4
PALMAS. Op. Cit., p. 15.5
PALMAS. Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Habitação. Diagnóstico do Plano de Regularização Fundiária Sustentável, 2009.
6
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: Alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
sobre a autora
Germana Pires Coriolano é Arquiteta e Urbanista, especialista em Planejamento Urbano e Ambiental e mestranda em Desenvolvimento Regional.