Foi no dia 21 de setembro de 1778, portanto há 223 anos atrás, que se iniciou a história da ocupação e da fundação do arraial de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque, por ordem do Capitão General e engenheiro urbanista Luiz de Albuquerque de Mello e Cáceres, então Presidente da Província de Mato Grosso. Foi assim que nasceu Corumbá, cidade localizada na fronteira oeste do Estado de Mato Grosso do Sul, uma cidade colonial brasileira.
Corumbá nasceu de uma necessidade estratégica de ocupação da margem direita do Rio Paraguai, que estava sendo ameaçada pelos espanhóis do Prata. Antes de Corumbá, nasceu o Forte Coimbra, em 1775 e, o arraial, surgiu como um presídio, assim como Coimbra, em ponto estratégico para conter o avanço espanhol e dos índios paiaguás e guaicurus. A povoação de Albuquerque foi descrita por Ricardo Franco de Almeida Serra, em 1786, como um lugar de grande pátio retangular, fechado, com casas em roda e um portão frontal, com 200 pessoas residentes. Recentemente o professor Nestor Goulart Reis publicou o livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, onde podemos ver duas plantas – uma de 1797 (Fig.1), da Mapoteca do Itamaraty, e a outra de 1790, do Museu Bocage em Lisboa, além de uma vista em perspectiva de Corumbá de 1790.
Corumbá nasceu sob o signo militar, posto avançado da Capitania e, assim, lentamente foi se transformando em povoado para, em 1800, ser destruída por um violento incêndio, onde sobrou apenas uma capela. Por volta de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai, Corumbá tornou-se muito importante para o desenvolvimento brasileiro e para a ocupação das fronteiras, quando o governo imperial concedeu isenções tributárias para importação e exportação de mercadorias pelo seu porto e é nesse momento que Corumbá vai ter seus dias de glória em termos socioeconômico e cultural-arquitetônico.
Foi através do Porto de Corumbá que chegou a riqueza, o progresso, os migrantes, o desenvolvimento e a cultura, principalmente da Europa e do Rio de Janeiro. O contato com a capital do Brasil, via Rio Paraguai e Bacia do Prata, através de embarcações modernas, trouxe para Corumbá uma certa condição especial de cidade, seja através da importação de bens e serviços ou através de intensa integração cultural.
Outro livro, de 1914, o Álbum Gráphico de Mato Grosso, publicado em Hamburgo – Alemanha, demonstra em suas mais de 300 páginas a importância de Corumbá no cenário mato-grossense e brasileiro, principalmente na movimentação de cargas, negócios e embarcações. Em 1985, a Fundação de Cultura do Estado editou o trabalho Casario do Porto de Corumbá, com textos de Valmir Batista Corrêa, Lúcia Salsa Corrêa e Gilberto Luís Alves, um excelente trabalho da análise da importância do comércio e dos comerciantes corumbaenses. Na história econômica do oeste, Corumbá tem destaque quando seu porto que já foi considerado o segundo mais importante do Brasil, era pujante; na história cultural, além das tradições pantaneiras, abrigou, no passado, o Bijou Theatro, onde operetas francesas depois de desfilarem no Rio iam para Corumbá, entre outros pioneirismos.
Mas com a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em 1914, ao sul de Mato Grosso, Corumbá perdeu sua importância, pois os trilhos pararam no Rio Paraguai, na localidade de Porto Esperança (Fig.2) e a cidade perdeu seu contato com a modernidade, até o final dos anos 40, quando a ferrovia se interliga com a cidade. A modernidade, que muitas vezes tenta destruir a história, a cultura e principalmente a arquitetura, no caso de Corumbá, chegou com menor intensidade e assim, ainda existem diversos edifícios que atestam o vigor cultural existente na cidade no final do século XIX e início do século XX, embora os exemplares do período colonial inexistam, pois foram destruídos pelo fogo em 1800.
O que se vê hoje é um conjunto arquitetônico construído no auge do ecletismo, com mais de 200 edifícios preservados, edificados por construtores italianos e portugueses, uns vindo do Rio de Janeiro e alguns até de Buenos Aires. O Casario do Porto (Fig.3) e respectivo entorno, um conjunto arquitetônico localizado na cidade baixa, tombado como patrimônio histórico federal, estará recebendo, em breve, a importância merecida, com projetos de revitalização e restauro que somam US$ 10 milhões, através do Projeto Monumenta do Ministério da Cultura, financiado pelo Banco Mundial. Ocorre que este projeto está sendo pouco discutido pela sociedade cultural e arquitetônica do Estado, pela sua importância estratégica de alavancar a mais antiga cidade de Mato Grosso do Sul, devolvendo-lhe o brilho e a glória dos velhos tempos, agora com novas ferramentas, principalmente o turismo.
Corumbá é a cidade das calçadas sem árvores – elas ocupam parte do passeio do automóvel (Fig.4), criando um interessante cenário urbano –, do imenso calor pantaneiro, com temperaturas no verão de 40º, de casarões intactos (Fig. 5 a 7),das ruas de paralelepípedos, das belas portas (Fig.8) de Manoel Barros, o maior poeta brasileiro vivo, do artista plástico Jorapimo e de tantas outras manifestações.
Corumbá, apesar da presença maciça de uma arquitetura antiga, possui dois exemplares arquitetônicos importantes – duas escolas estaduais: uma de Oscar Niemeyer, de 1952 e a outra de Paulo Bastos, de 1969, modernismo puro, manifesto em todos os elementos de arquitetura e de construção. Sendo a história e a arquitetura de Corumbá muito rica em todos os períodos – art noveuau, ecletismo, art déco e modernismo –, não vamos elencar todos os seus principais edifícios ainda hoje existentes, mas devemos lembrar do Instituto Luis Albuquerque – ILA, que abrigou o Palácio da Instrução (Fig. 9 e 10); da Casa Wanderlei & Baís (Fig. 11), que depois de restaurado funciona a Secretaria de Meio Ambiente, na Av. Beira Rio e o abandono da Casa Vasquez (Fig. 12), projetada pelo construtor de Martin Santa Luccia, uma das mais belas obras da cidade, depredada e que merecia maior cuidado dos governantes. Aliás, o que deveríamos fazer, urgentemente, é iniciarmos uma campanha para transformar Corumbá em Patrimônio da Humanidade, declarada pela ONU/UNESCO. Os incrédulos vão lembrar das dificuldades de tal causa. Se unirmos as forças políticas e sócio-culturais, talvez em 5 anos, consigamos. A hora é agora, por que não?
sobre o autor
Angelo Marcos Arruda é arquiteto, diretor da ABEA, mestrando em Arquitetura pela UFRGS, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, professor da UNIDERP e Secretário Executivo da ONG Ferroviva.