Sangue, ossos e terras
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Sangue, ossos e terras
Os mortos e a ocupação do território luso-brasileiro
Renato Cymbalista
Alameda, São Paulo; 1ª edição, 2011
edition: português
p
ISBN
978-85-7939-026-5
(teoria da urbanização)
about the book
Sangue, Ossos e Terras traz a criativa hipótese de que compreender a ocupação do território do Brasil pelos portugueses pressupõe estudar um grupo de pessoas que raramente leva-se em conta nas pesquisas: os mortos.
Muito diferente dos nossos defuntos atuais, sujos, segregados e ocultados, na colônia eles eram considerados quase como um extrato da sociedade, com o qual os vivos lidavam cotidianamente, negociavam, pediam, ofereciam, temiam. Fazendo esse passo, o livrne a integração entre o religioso e o social como porta de entrada para a compreensão daquele mundo, onde não havia dúvida de que a força maior de construção do mundo era a providência divina. Deus comandava e controlava todas as coisas, tudo estava em suas mãos. A vida material era a revelação de uma dimensão espiritual, sem qualquer questionamento.
Na contramão de uma produção acadêmica que circunscreve cada vez mais os corpos documentais, o livro tem como fontes documentos muito diversificados: cartas, relatos sem proposição inicial de publicação, testamentos, atas de Câmaras, livros de doutrina eclesiástica, cartografia, vidas de santos, plantas arquitetônicas e urbanísticas, gravuras, pinturas, fotografias de locais ou edifícios da época, peças de teatro, poesias.
A multiplicidade das fontes evidencia que o objetivo final do trabalho não é a problematização dos documentos, mas a busca de adentrar uma realidade há muito destruída, investigando a forma como uma série de representações circulava, complementando-se entre si, reforçando os nexos de interdependência entre o território dos vivos, dos mortos e dos corpos sagrados, em suma, tornando discurso em verdade. Nesse sentido, o trabalho não é o de interpelar ou desconfiar da documentação, mas o de “querer crer” nela, em sua literalidade.
Não questionando aquela visão de mundo, o livro questiona a nossa maneira de fazer isso. Funcionalidade, economia, exploração colonial, racionalidade (ou improviso) dos traçados urbanísticos são categorias que nos permitem aproximar a documentação colonial da capacidade interpretativa dos pesquisadores contemporâneos, mas não são capazes de explicar uma série de sentidos que estruturaram fortemente o cotidiano e o território, para cuja compreensão a espiritualidade é porta de entrada bem mais eficaz.
Olhando o território da América Portuguesa sob a perspectiva da morte e dos mortos, Renato Cymbalista inscreve-se de forma original no debate sobre a cidade colonial e no debate mais amplo sobre os ainda obscuros dois primeiros séculos de colonização. Faz isso com um olho no passado e outro no presente, sem perder a dimensão propositiva que traz de sua formação de arquiteto e urbanista. Segundo o autor, o exercício de adentrar a realidade religiosa dos séculos XVI e XVII pode ser bastante instrumental para nossa ação contemporânea: “conhecer melhor um mundo e uma humanidade cujas ações são motivadas pela religiosidade e pela espiritualidade não é um capricho, mas uma urgência”.
about the author
Renato Cymbalista
Arquiteto e urbanista, é professor de História da Urbanização na FAU-USP.