Um canto, um judeu e algumas cartas
Um canto, um judeu e algumas cartas
Uma pequena homenagem e duas grandes obras "malditas" de Alberto Cavalcanti
Claudio M. Valentinetti
Cinemateca do MAM, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, São Paulo; 1ª edição, 1997
edition: português
352 p
14,5 x 21 x 2 cm
600 g
illustrated
photos
ISBN
85-85751-09-6
(cinema, roteiro e direção cinematográficos, artes do vídeo)
about the book
Foi na sala do Cosme que conheci Claudio Valentinetti em agosto de 1995. Ele estava no Rio para o lançamento do livro sobre Alberto Cavalcanti, realizado em parceria com Lorenzo Pellizzari. Não foi difícil perceber que o vinculo Cosme / Valentinetti extrapolava o gosto pelo charuto, cuja fumaça parecia tornar ainda mais cordial a evidente cumplicidade que existia entre os dois. Além do charuto, unia-os também a paixão pelo que se convencionou chamar "material de arquivo", que muitas vezes pode permanecer durante anos, ou mesmo décadas, intocável nas estantes de um departamento de pesquisa. No caso, o alvo comum era Alberto Cavalcanti, cujo percurso cheio de lacunas ganhava consideráveis acréscimos com o livro então concluído. Sabe-se, porém, que para alguns pesquisadores, a busca de novos materiais pode ser uma saudável obsessão. E apesar do livro bem realizado, Claudio Valentínetti ainda não estava satisfeito.
Alguns meses depois, ele telefona de Milão. Consternado, lamentava a morte de Cosme Alves Netto, ocorrida em fevereiro de 1996. Semanas depois, enquanto preparava sua mudança para Assunção, voltava novamente ao Rio e à Cinemateca do MAM. A vocação de pesquisador insatisfeita e uma singular dedicação a Alberto Cavalcanti o levava a indagar: "Cosme me disse que tinha várias cartas de ou para Cavalcanti e, além disso, dois roteiros. Seria possível ter acesso ao material para elaborar um novo livro?"
Foi visivelmente emocionado, mas também entusiasmado, que Claudio Valentinetti debruçou-se sobre o pacote de pequenas correspondências – algumas delas em papel fino já bastante deteriorado, sob olhar atento de Hernani Heffner, curador de documentação da Cinemateca. Examinava o material com cautela, separando cartas de bilhetes, e detinha-se na caligrafia nem sempre clara de Alberto Cavalcanti. Com cuidado manipulou os dois roteiros encontrados – O Canto do mar e O Doutor Judeu. Havia ainda fotos – e a seleção para o livro não foi uma tarefa fácil, pois nada pior para um pesquisador do que selecionar, escolher, o que implica deixar coisas de fora, que poderão, quem sabe, preencher novas lacunas no futuro.
Bem, agora o livro está pronto, e sua gênese configura alguns significados exemplares da função de uma Cinemateca, voltada, por definição, para a preservação de materiais vinculados à história do cinema – de filmes, obviamente, passando por textos, roteiros filmados ou que não saíram do papel, entre vários tipos de material. No entanto, instituições voltadas à preservação da memória contam não só com os "acervos oficiais", como revistas, livros, recortes de jornais, catálogos. Há também um acervo extraoficial e que deve a sua existência à alma de colecionadores informais que. geralmente por questões pessoais, acabam guardiães de textos importantes escritos de forma espontânea e informal por pessoas que, como Alberto Cavalcanti, têm uma importância fundamental na história do cinema brasileiro e internacional.
Essas coleções "pessoais, informais, espontâneas" em estado bruto, acumuladas de forma afetiva e não-sistemática podem um dia chegar a uma instituição para que sejam guardadas de forma apropriada, em envelopes ou pastas devidamente numeradas e classificadas em uma das muitas prateleiras de um Departamento de Pesquisa. O destino deste material é incerto: por um lado, ele está depositado, numerado, classificado. Em resumo, preservado. E como tal, pode permanecer anos e anos – talvez até mesmo para sempre. A não ser que uma alma curiosa quanto estudiosa decida oferecer-lhe um destino mais generoso, mais amplo e mais abrangente.
E este o caso do material encontrado em envelopes por Claudio Valentinetti na Cinemateca do MAM graças à generosa provocação de Cosme Alves Netto. Com a sua publicação, cumpre-se uma das missões da Cinemateca: ser um arquivo vivo, capaz de gerar novos materiais, abastecer mentes curiosas e ajudar a preencher lacunas na história do cinema, no caso, a inserir novos "planos" no percurso extremamente particular de Alberto Cavalcanti e sua ligação com o cinema.
(Susana Schild, Coordenadora da Cinemateca do MAM)
about the author
Claudio M. Valentinetti
Nascido em Milão, é jornalista e tradutor, graduado em Letras Modernas com tese sobre o Cinema Novo Brasileiro. Já traduziu do espanhol e do português para o italiano obras de diversos escritores renomados e é autor de alguns livros.