No filme Basquiat, há uma cena com a qual me identifico: é aquela em que ele, criança, está ao lado da mãe no MoMA. Me remete ao dia em que pela primeira vez minha mãe me levou, acho que ainda de calças curtas, ao Museu de Arte de São Paulo, na Rua 7 de Abril, na década de 1950.
Aquele Museu, que depois mudou para a Avenida Paulista e passou a ser chamado de Masp, era o que havia de melhor no país, obrigatório para os paulistanos, e o ponto alto para os turistas.
Com o tempo o Masp foi matando o Masp, ao inventar sempre “coisas novas” em vez de valorizar as suas “coisas velhas”, que eram simplesmente o maior acervo que havia abaixo do Equador. A opção pelo temporário, acabou por afastá-lo do permanente.
Mas eu quero mesmo é registrar a emoção que senti ao me deparar com a retomada da montagem original de Lina Bo Bardi (do jeito que foi apresentado, na inauguração, à Rainha Elisabeth II), e ao rever as primeiras referências das grandes obras de arte da minha vida. O Masp naquela época era a janela para o mundo das artes, pois viajar para fora do país era algo raro.
Nesta nova visita, além de dar de cara com meu inesquecível primeiro Bosch, vislumbrei de repente ao longe uma obra que quase fez meu coração explodir, a transparência oferecida pelos antigos suportes da Lina me permitiu visualizar, lá no fundo, uma obra muito familiar, uma inconfundível pintura da Maria Auxiliadora da Silva.
Maria Auxiliadora aparecia, às vezes, na casa daquela senhora que me levou ao Museu da 7 de Abril, trazendo, para vender, uns quadros que mostravam grande personalidade, além de serem lindos e alegres. Participei de alguns destes encontros, sempre com almoços, ajudando a escolher quadros, muitos para darmos de presente. O contato diminuiu e, tempos depois, minha mãe soube que ela tinha falecido.
Quando vi suas últimas obras, fiquei surpreso, pois apesar da mesma estrutura estética e seleção cromática, havia aspectos tristes, e de antecipação de doença e morte, como no magnífico exemplar exposto no Masp, que retrata um velório (seria o dela?).
Acredito que a arte seja uma das poucas atividades redentoras no mundo, mas mesmo assim jamais imaginaria que um dia, uma pintura daquela moça de presença marcante e convicta do valor de seu trabalho, estaria no Masp, fazendo companhia às grandes obras que foram as minhas primeiras referências de pintura e escultura.
sobre o autor
Michel Gorski é arquiteto e escritor. Com Abilio Guerra, é editor de Arquiteturismo.