Em outubro de 2016 visitei Masdar City, a "cidade sustentável-laboratório" do Instituto Masdar de Ciência e Tecnologia, em Abu Dhabi. Projetada pelo renomado escritório Foster + Partners, para ser um experimento real de urbanismo sustentável, ela é uma cidade compacta, com desenho inspirado nas cidades medievais: ruas estreitas, edifícios baixos de quatro pavimentos e nenhum automóvel.
Todo o deslocamento se faz por meio de pequenos veículos não motorizados – uma espécie de metrô do futuro, que se locomove exclusivamente no subsolo. Toda a energia consumida provém de fontes sustentáveis e a cidade é totalmente autossuficiente no aspecto energético. Uma torre eólica de 45 metros, além de refrigerar ruas e edifícios de forma natural, informa o quanto de energia é consumida no momento; há um gigantesco parque de painéis solares ao lado da cidade que geram 10 MW de energia e células fotovoltaicas foram instaladas na cobertura dos edifícios, dentre outros projetos tecnológicos operando ou em implantação. A morfologia urbana foi pensada para economizar energia e os edifícios projetam sombra sobre as ruas, reduzindo o gasto energético e o insuportável calor do deserto, que impede uma permanência prazeirosa nos espaços públicos das cidades dos Emirados Árabes.
Aparentemente é um experimento exitoso e não se pode dizer que não seja interessante e um alento para o urbanismo sustentável. A sua escala de aplicação, nessa primeira fase de implantação, no entanto, ainda é insuficiente para saber se funcionará da mesma forma em grandes dimensões urbanas. Na verdade, no seu formato atual, Masdar City se parece mais com uma pequena cidade universitária compacta, mesclando edifícios residenciais e acadêmicos. Não chega sequer a ser um bairro. Neste sentido, vale como experimento de sustentabilidade urbana, mas sua replicação em uma escala urbana de tamanho considerável ainda estar por se realizar. Mais ainda, se considerarmos o paradoxal fato deste experimento estar localizado em Abu Dhabi, uma cidade que poderia ser considerada o exemplo de cidade insustentável.
Abu Dhabi é uma cidade muito dispersa, fortemente rodoviarista, com mobilidade baseada praticamente só no automóvel (do tipo SUV, altamente consumidor de combustíveis fósseis, pois a gasolina é farta e barata), com poucos espaços públicos (o clima muito quente não convida ao seu uso) e vida urbana quase que exclusivamente restrita a espaços interiores climatizados, também altamente consumidores de energia não sustentável. Há edifícios com arquitetura high tech que pretendem promover um marketing urbano de urbanização futurista, mas, de fato, o que há é um espaço urbano muito discontituído, fragmentado e desconexo. A vida urbana não ocorre nas ruas, mas dentro dos shopping centers e dos muitos automóveis que ocupam suas largas avenidas.
Masdar City pretende ser o contrário de Abu Dhabi e também da vizinha Dubai, propondo um ambiente amigável ao usufruto do espaço urbano e condizente com os requisitos de sustentabilidade exigidos para um mundo urbano no qual menos será mais. Contrariando a tendência megalômana destas duas cidades, Masdar City parece ser a verdadeira cidade futurista. Os sheiks dos Emirados Árabes talvez saibam disto, senão não investiriam sigficativos recursos na sua implantação experimental. Contudo, as insustentáveis megas estruturas urbanas, que continuam a surgir nas cidades dos Emirados e em outras grandes metrópoles, parecem entusiasmar mais aos grandes investidores do a necessidade de colocar em prática os ensinamentos de Masdar City.
sobre o autor
Sérgio Jatobá é arquiteto e urbanista (UnB, 1981), doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Universidad de Valladolid, 2006), gerente de Estudos Urbanos da Codeplan/GDF, pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do IPEA.