Anualmente no final de junho ocorre na ilha de Tupinambarana, no município de Parintins, no estado do Amazonas, o grandioso Festival Folclórico de Parintins. O evento formatou de uma maneira bastante peculiar os folguedos relacionados ao bumba meu boi transformando-os em uma Ópera Cabocla encenada pelos boi bumbás Garantido (de cor vermelha) e Caprichoso (de cor azul).
Uma possiblidade de acesso ao município é o descolamento por meio fluvial entre as cidades de Manaus e Parintins. Manaus apresenta relevante patrimônio da época do Ciclo da Borracha que ocorreu na região amazônica entre o fim do século 19 e início do século XX. O Mercado Municipal Adolpho Lisboa, a Praça Dom Pedro II e o Teatro Amazonas, dentre outros, são tombados como patrimônio material pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional (Ipahn). A cidade é um local-chave para apreciar a riqueza natural, arquitetônica e cultural do norte do país. No outro extremo da viagem está a cidade de Parintins que tem o Complexo Cultural do Boi Bumbá do Médio Amazonas e Parintins registrado como patrimônio imaterial pelo Iphan. O rio que une essas cidades é nada mais, nada menos, que o Amazonas. O Rio Amazonas se forma da junção do Rio Negro com o Rio Solimões em um ponto conhecido como Encontro das Águas – impressionante fenômeno tanto quando se vislumbra de um barco, quanto de um avião.
A viagem de barco para participar do Festival Folclórico de Parintins é uma atração à parte. Em um estado em que a cultura e os centros urbanos se desenvolveram em função dos rios, navegar dentre uma majestosa paisagem natural – em uma região que suscita debates nacionais e internacionais em relação à sua ocupação e preservação – é um privilégio. No Rio Amazonas a paisagem ribeirinha é expressão da identidade regional.
Na viagem pelo Rio Amazonas a relação com o tempo é distinta da que ocorre nas grandes cidades. A duração do descolamento pode inicialmente parecer cronologicamente extensa, mas no tempo amazônico é a mais adequado para, deslizando sobre o rio, apreciar as margens, a floresta, o céu, enfim, a grandiosa paisagem cultural.
As margens do Amazonas são impactadas pelos ciclos de vazante, seca, enchente e cheia. Nos meses de meados do ano a várzea – calha alargada do rio que anualmente oscila entre terra firme e água – está alagada, pois é a época da cheia. O Amazonas, com a força das suas águas, permanentemente transforma a paisagem natural. Redefine as dimensões dos canais; altera o traçado de suas águas; expande e reduz a floresta; cria ilhas, praias e lagos temporários.
Guiados por esses desígnios da natureza os ribeirinhos tornam-se partícipes dos ciclos do Rio Amazonas. A presença humana cria uma paisagem cultural que inclui locais para plantação, criação de animais e construções em palafitas.
Os pilotis suspendem casas, escolas, comércio, igrejas, enfim, construções majoritariamente em madeira que pairam sobre o Rio Amazonas a um nível seguro da invasão das águas. Porém, o imprevisível avanço do rio por vezes excede a cota das construções transformando a cheia em uma situação dramática que obriga o abandono dos locais durante o período da cheia.
O olhar passageiro de quem não mora no local não apreende de imediato as possibilidades de relacionamentos, trabalho, lazer ou educação dos moradores dali. Mas a própria existência dessa população indica que há condições de se viver naqueles locais.
A população ribeirinha tem sua subsistência baseada nas atividades da agricultura, pesca, extrativismo e criação de gado. Essas atividades oscilam durante o ano afinal há a necessidade de se adaptar aos períodos de seca e cheia. A aparente percepção de isolamento se desfaz ao se observar o movimento das embarcações.
Singelas canoas, barcos de diversos tamanhos, gigantescas balsas, não param de cruzar por essas populações que testemunham o movimento de ir e vir nesse rio que tem sua foz no Oceano Atlântico. Em muitas casas os moradores – recostados em portas e janelas – contemplam as embarcações. Das embarcações são admirados.
O rio parece um mar de tão grande. A vegetação é farta. Algumas árvores, monumentais. As construções ribeirinhas – alvos irresistíveis para registros fotográficos – impactam pela aparente fragilidade e pequenez em meio à espantosa vastidão da paisagem local. São provas da engenhosidade construtiva e resistência da população. As palafitas parecem flutuar ao nível da água que lhes serve de espelho.
A mera observação à distância permite identificar alguns aspectos recorrentes nas construções: a planta retangular; o telhado em quatro ou em duas águas, alguns com suave curvatura; os alpendres com cobertura menos inclinada que o corpo principal; a pintura que remete ao colorido das embarcações; um certo grafismo geométrico na decoração; as esquadrias inteiriças, sem vidros nas janelas; a antena parabólica; a caixa d´água; a plataforma de pedestres unindo algumas palafitas e servindo como atracadouro dos barcos; a escada de acesso.
Tanto na ida como na volta do percurso Manaus-Parintins, as construções ribeirinhas foram elementos marcantes da viagem. Presença humana emoldurada pelo rio, pela floresta, pela chuva, pelo sol, pelo céu.
sobre o autor
Eduardo Oliveira Soares é arquiteto e urbanista (UFPEL, 1995), especialista em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística (UnB, 2008), mestre em arquitetura e urbanismo (UnB, 2013) e doutorando na UnB/FAU, tendo como tema de pesquisa as narrativas fotográficas. Trabalha na Universidade de Brasília.