O estudo sobre a qualidade do lugar em abrigos de animais resulta do desejo de unir os conhecimentos adquiridos ao longo da formação em Arquitetura e Urbanismo a uma causa socioambiental que exige estudo e aprofundamento. Essa ponderação tem como objetivo contribuir para a qualidade arquitetônica de abrigos para animais em situação de vulnerabilidade.
Apresenta-se como objeto de estudo a Sociedade Juizforense de Proteção Animal (SJPA), localizada na BR040, na cidade de Juiz de Fora MG. A instituição consiste em uma organização não governamental – ONG sem fins lucrativos, que abriga e conduz à adoção animais em situação de rua desde o ano de 1986. Frequentemente, são realizadas feiras municipais de adoção com esse objetivo.
Atualmente, a ONG abriga mais de quinhentos animais resgatados, entre cães e gatos. Os custos são arcados através de doações, e os salários dos três funcionários do Departamento Municipal de Limpeza Urbana – Demlurb, que trabalham no abrigo são concedidos pelo poder público. A presidente e fundadora do abrigo, Maria Elisa Souza, trabalha pela causa animal há mais de trinta anos; e organiza campanhas de arrecadação de fundos que viabilizam a compra de ração, vacinas, cirurgias, material de limpeza, energia, combustível e eventuais reformas no espaço.
Arquitetonicamente, é regularizada perante à Prefeitura de Juiz de Fora e se encontra de acordo com as normas urbanas vigentes.
A metodologia se dá pela análise pós ocupação – APO investigação multidisciplinar e sistematizada de edificações ou ambientes construídos após a sua ocupação e utilização.
Tal análise foi realizada através do walkthrough – método desenvolvido por Kevin Lynch e realizado pela primeira vez em 1960, em Boston, e se deu através de um trajeto na edificação registrado por fotografias e plantas-baixa esquemáticas, associados a entrevistas com os usuários e análise crítica de cada ambiente.
Levantamento arquitetônico: SJPA
A SJPA localiza-se em um entorno de rodovia com pouca urbanização, e possui um terreno de aproximadamente 3.000 metros quadrados, como demonstrado na figura 01.
Através do instrumento metodológico walkthrough, apresentado anteriormente, foi analisada a edificação, em relação à sua arquitetura, abordando funcionalidade, conforto, estética, alinhamento com as normas vigentes, entre outros – registrando graficamente. O percurso foi guiado pela presidente do abrigo, Maria Elisa Souza.
Na figura seguinte, consta a setorização atual do abrigo, elaborada pelos autores.
O acesso principal se dá pela BR040, havendo uma pequena área entre dois portões onde os cães resgatados de situação de vulnerabilidade são deixados.
Ao entrar no terreno, à direita encontram-se canis limitados apenas por telas, como ilustrado na figura seguinte.
Adiante, está situada a área de serviço, com uma varanda onde ocorre a recepção de possíveis adotantes – com dois canis na lateral –, uma pequena cozinha, banheiro, e sala cirúrgica. As figuras seguintes ilustram a varanda que funciona como recepção.
Passando pela área de serviço, é possível ter acesso ao gatil e ao restante dos canis, como ilustrado pelas figuras seguintes.
O restante do terreno é dividido apenas entre canis, localizados mais internamente no abrigo – alguns limitados por telas e outros por alvenaria, como ilustrado na figura seguinte.
O abrigo foi construído de forma informal, e frequentemente passa por reformas irregulares, construção de anexos e ampliação da área de canis, devido ao número crescente de animais. Alguns animais, com comportamento pacífico, permanecem soltos na área central do abrigo, devido à falta de baias que atendem ao crescente número de animais.
Em relação ao conforto térmico e lumínico, existem algumas áreas que recebem pouca ou nenhuma incidência solar ao longo do dia; tampouco ventilação cruzada, gerando um ambiente escuro e úmido para os animais que lá estão abrigados - por não possuírem janelas ou aberturas suficientes. Os canis que mais se encaixam nessa situação são sinalizados na imagem seguinte.
Conclusão
Pela análise do percurso walkthrough, concluímos que o abrigo não possui parte dos ambientes necessários a uma setorização de qualidade, de acordo com as normas vigentes. O conforto ambiental também é precário, devido à insalubridade de alguns cômodos. Através das entrevistas realizadas, foi solicitado entre os participantes, principalmente, maior distribuição de mangueiras e água para facilitar a limpeza e a dessedentação dos animais; além de revelarem que, apesar das condições precárias do abrigo, os funcionários se mostram conformados com a situação atual, de forma geral, apresentando queixas pontuais – como a já citada escassez de água e falta de verba para manter a alimentação dos animais.
O crescente número de animais em situação de rua demonstra a necessidade de políticas públicas que favoreçam os abrigos de animais, a fim de proporcionar uma existência digna e confortável a esses seres. Além disso, é importante uma mudança na mentalidade da população – que comumente ainda os abandona –, através de campanhas de conscientização sobre a responsabilidade que acompanha a posse de um animal: os necessários compromissos de castração, de cuidados com saúde, de moradia segura, alimentação saudável, lazer, atenção, entre outros.
A pesquisa focou no levantamento arquitetônico da SJPA; nas normas que orientam esse tipo de construção e nas intenções projetuais para o caso em questão. A aplicação da metodologia de APO nas visitas exploratórias possibilitou a análise do local, concluindo que a SJPA necessita de uma reforma que leve em consideração os requisitos mínimos para o bom funcionamento de um abrigo de animais.
As entrevistas mostraram, principalmente, a necessidade de um projeto de captação de águas pluviais no abrigo da SJPA. O trajeto walkthrough expôs a importância de uma estrutura arquitetônica otimizada, com área de isolamento para portadores de cinomose, conforto ambiental em todos os ambientes, área de serviço e atendimento veterinário de acordo com as normas, área de lazer para os cães, entre outros.
sobre os autores
Karla Carvalho de Almeida é arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF, 2020), e pós graduanda em Arquitetura da Paisagem pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Atua em linha de pesquisa sobre conexões ecológicas em Juiz de Fora e infraestrutura verde.
Ernani Simplício Machado é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF, 2001), mestre em arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, 2006) e doutor em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, 2012). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora.