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architectourism ISSN 1982-9930

arquiteturismo

abstracts

português
As viagens de estudo ampliam a cultura arquitetônica, proporcionando contato direto com edifícios, cidades e paisagens. Entre Limeira e Brasília, cruzando a Rodovia Anhanguera, Orlândia é um destino para mapear a arquitetura de Angelo Bucci.

english
Traveling expands architectural culture, providing direct contact with buildings, cities and landscapes. Between Limeira and Brasília, crossing the Anhanguera Highway, Orlândia is a destination to mapping the architecture of Angelo Bucci.

español
Los viajes de estudio amplían la cultura arquitectónica, proporcionando un contacto directo con edificios, ciudades y paisajes. Entre Limeira y Brasilia, cruzando la Carretera Anhanguera, Orlândia es un destino para mapear la arquitectura de Angelo Bucci.


how to quote

ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Entre Limeira e Brasília: Orlândia. Mapear a arquitetura de Angelo Bucci no meio do caminho. Arquiteturismo, São Paulo, ano 17, n. 197e198.01, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/17.197e198/8993>.


Prólogo em 1ª. pessoa

Objetos de pesquisa e seus assuntos conexos podem ser definidos por reflexões profundas, trabalhadas e decantadas em longa duração, mas de outra maneira, por vezes, também podem ser identificados de modo fortuito, justamente na dinâmica do cotidiano. É nesta segunda perspectiva de interesse que este texto se configura. O modo casual com que um assunto relacionado ao objeto de pesquisa foi delineado justifica esta abertura em primeira pessoa que não é usual nas regras acadêmicas que nos orientam, avaliam e pautam as formas segundo as quais as reflexões profundas podem ser enunciadas, registradas e comunicadas. Para não deixar escapar uma abordagem complementar dentre os tantos insights e acasos que o processo de pesquisa possui, é preferível correr o risco.

Atualmente, estudar as trajetórias profissionais e estudar os deslocamentos e as viagens de arquitetos, especialmente Oscar Niemeyer, implica em rever poder as próprias experiências de viagens, deslocamentos e andanças mundo a fora ou Brasil a dentro. Desde a infância, a experiência de deslocamentos a bordo do carro dos meus pais pelas estradas, especialmente pela Rodovia Anhanguera, sempre foi prazerosa e instigante. As placas indicando as distâncias, as direções e as cidades, a marcação da quilometragem, as interseções entre uma estrada e outra para chegar aos destinos —fosse Campinas, Piracicaba, São Paulo, Santos, Peruíbe, Brotas, São Sebastião — dava uma escala própria para o território, para as paisagens e para a própria estrada. A experiência da distância e dos deslocamentos foi ampliada com a percepção do tempo e com o gosto de cronometrar, marcar as distâncias, contar os carros, saber as marcas dos combustíveis e dos postos, parar no Frango Assado, ouvir as fitas K7 e recordar tantas outras coisas que fazem parte de um conjunto de hábitos, quiçá de uma cultura rodoviarista da classe média paulista, que poderia ser mais estudada. Afinal, se nós já aprendemos com a strip de Las Vegas, podemos também aprender com a rodovia Anhanguera, com a Anchieta, com a Rio-Santos, com a BR-050, BR-040 etc.

No contexto da pandemia de Covid-19, saí do “modo avião” e retomei o espírito “on the road”, dirigindo de Brasília a Limeira, minha cidade natal. A experiência de percorrer todo este trajeto de 868km provocou a retomada do gosto por dirigir longas distâncias, reencontrando também a percepção das escalas do território com a experiência de deslocamento. Nos anos seguintes, nas muitas viagens entre Brasília e Limeira eu pensava nas placas e nas cidades que seriam possíveis de chegar pegando atalhos e conexões com outras estradas a partir da Anhanguera. A própria rodovia alinhava muitos municípios ao longo de sua extensão, desde a capital até os limites de Igarapava, nas margens do Rio Grande na divisa com Minas Gerais. Orlândia é justamente uma dessas tantos destinos.

Toda vez que passava por Orlândia, uma ideia ecoava: preciso entrar e ver as “coisas do Bucci”. Certa vez, comentei sobre isso com o próprio Angelo e ele, mui tranquilamente, retorquiu algo como: “então vá!” Na viagem seguinte, peguei a saída 362 da Anhanguera e finalmente, cheguei em Orlândia. Entrei na cidade e fui errando entre suas ruas e avenidas até encontrar três obras: a clínica de odontologia, a clínica de psicologia e o salão de beleza/casa. São obras muito conhecidas, publicadas e que estão no próprio site do escritório do arquiteto. A ideia inicial de fazer essa parada pontual em Orlândia para ver as três obras gerou a curiosidade por outras obras: quantas são? …quais são os outros projetos? …onde estão? Afinal, três obras é muita coisa ou quase nada do que ele projetou em sua cidade natal?

É a partir dessas observações em primeira pessoa, experiências, memórias e interesses difusos que o mapeamento das obras de Angelo Bucci e do SPBR em Orlândia se origina.

Rodovia Anhanguera, sentido capital/interior
Foto Eduardo Pierrotti Rossetti, abr. 2023

Origem e destino

A Rodovia Anhanguera (SP-330) se integra ao sistema federal de rodovias estruturado a partir de Brasília, definindo eixos de circulação que se irradiam para todas as regiões do país. O traçado da Anhanguera articula diferentes estradas e caminhos, ligando o litoral e o porto de Santos, com a cidade de São Paulo, e a partir de lá, entrando nas terras do território do Estado, a rodovia atravessa e alinhava um corolário de cidades, como Limeira e Orlândia. A Anhanguera também é o mesmo caminho que para Angelo Bucci fazia a ligação entre Orlândia e Ribeirão Preto. Foi justamente neste trajeto que ele, ainda criança, teve seu primeiro contato indireto com a arquitetura de Oscar Niemeyer através do Posto Alvorada, um posto de gasolina na margem da estrada, cuja fachada fazia alusões à arquitetura de Brasília. Ou seja, a primeira experiência de Bucci com Niemeyer foi na estrada!

As viagens podem ser tomadas como metáforas para processos de descoberta e transformação, mas também como experiências para ampliar a visão de mundo. Viajar é uma prática que pode ser realizada em diferentes escalas de deslocamento, caminhando pelas ruas, perpassando territórios e vislumbrando paisagens. Viagem também é tema de pesquisa transversal, a ser explorado por abordagens múltiplas. Fernanda Peixoto recobra categorias para tratar das viagens, incluindo viagens de estudos, viagens de formação, viagens de passeio, além de viagens livrescas e expedições, propondo uma reflexão ampliada, incluindo viagens de arquitetos.

Orlândia, cruzamento da avenida 8 x rua 2
Foto Eduardo Pierrotti Rossetti, mai. 2022

Coreto da praça Mario Furtado
Foto Eduardo Pierrotti Rossetti, abr. 2023

Das páginas das revistas para o mapa de Orlândia

A presença de Angelo Bucci nas revistas é frequente, afinal seus projetos são publicados desde o resultado do concurso do pavilhão do Brasil na Expo-92. Antes de fundar seu próprio escritório, o SPBR, em 2003, ele foi um dos integrantes do MMBB Arquitetos, cujos projetos também são regularmente publicados. Do conjunto de projetos e obras construídas num contexto em que Bucci está vinculado ao MMBB, destacam-se a clínica de odontologia em Orlândia (2000), a casa de Ribeirão Preto (2002), a casa em Aldeia da Serra (2001), a garagem Trianon (1996), Terminal Parque Dom Pedro II (1997), além da colaboração com Paulo Mendes da Rocha na intervenção na Fiesp (1996), na intervenção na OCA do Ibirapuera (1998), no projeto do Sivam/Brasília (1998) e no Poupatempo Itaquera (1999).

Este conjunto de trabalhos também demarca uma atuação profissional, cuja autoria coletiva por vezes se alterna com projetos mais autorais, como o conjunto de obras localizadas em Orlândia que pode ser tratado separadamente. Neste outro conjunto, inclui-se a clínica de psicologia (1998), a clínica, a casa/salão de beleza (2012). Mas além dessas obras Bucci ainda tem, ao menos, cinco projetos residenciais —Casa Miguel Carlos Vitalino (1990), Casa Agostinho Mel (1991), Casas Geminadas-1 (1991), Casa João Gomes Pereira (1992), Casas Geminadas-2 (1997) e mais recentemente, fez a reforma da casa da família, aqui denominada de Casa Bucci.

Portanto, mapear as obras de Angelo Bucci e do SPBR em Orlândia se justifica como uma estratégia para aprofundar o conhecimento sobre a produção de arquitetura contemporânea para além dos grandes centros urbanos. Longe da dicotomia centro/periferia, ou capital/interior, interessa mapear esta produção em Orlândia considerando a contribuição das soluções formais, espaciais, técnicas e construtivas dos projetos de Bucci que também representam o reconhecimento e o prestígio do arquiteto em sua cidade natal.

Angelo Bucci vai de Orlândia para São Paulo e vai de Orlândia o mundo, mas sempre retorna. Assim, ele permanece na condição de trânsito, seja por meio de projetos, publicações ou exposições, seja como viajante, seja como professor visitante em diversas instituições. Aliás, o nome SPBR parece conter a chave de abrangência de sua atuação: SP — São Paulo; BR — Brasil. São Paulo, a cidade e/ou o Estado, ou a partir de uma base paulista. Brasil, como condição de brasileiro, a partir do Brasil, seja no Brasil, ou do Brasil… para o mundo como sua produção arquitetônica comprova. Hoje, seus projetos e obras estão espalhados para além de Orlândia e São Paulo, incluindo Ubatuba, Rio de Janeiro, Silves, Lugano, Portland, Phoenix, Murten, East Hampton, Dessau, Itaipava, Campinas, Piracicaba, Barretos, Oiten…

2022/maio — Viagem de prospecção: procurando Bucci

Toda viagem precisa de um roteiro com um mínimo de informações para elaborar seus itinerários. E apesar disso, foi justamente numa viagem entre Limeira e Brasília, que parei pela primeira vez em Orlândia. Sair da Rodovia Anhanguera na altura do 362km foi mesmo uma pausa em um lugar desconhecido. Desta vez, a ideia era simplesmente entrar na cidade e circular até achar as três obras já identificadas com seus endereços: clínica odontológica, clínica psicológica e o salão de beleza/casa. Era uma manhã fria, era muito cedo e tudo ainda estava fechado, mas isso facilitava dirigir por uma cidade absolutamente sem referências, sem ajuda de nenhum aplicativo ou mapa.

O traçado urbano quadriculado de Orlândia é rigoroso, estruturado por avenidas traçadas no sentido Norte-Sul e por ruas traçadas no sentido Leste-Oeste. As ruas e avenidas são numeradas, definindo um tabuleiro lógico, com quarteirões quadrados, em grande parte ocupados por edifícios de um só pavimento. Errando e circulando pela cidade eu achei as três obras. Parei o carro, confirmei os endereços, olhei, analisei e fotografei. Esta viagem de prospecção foi decisiva para confirmar a hipótese de que havia outras obras dele espalhadas pela cidade. Portanto, ter um mapa seria fundamental para conhecer obras ainda pouco conhecidas, de um arquiteto em plena atividade.

2023/abril — Viagem de estudos: mapeando Bucci

Para a segunda viagem foi elaborada uma tabela dos projetos, incluindo endereço, nomes de proprietários, contatos, sites, fotografias. Também havia um mapa impresso da cidade para checar a localização delas. Ao mesmo tempo, o próprio Angelo foi contactado e muito prontamente colaborou indicando obras, endereços, nomes e contatos. Ele também mobilizou o escritório para auxiliar e colaborar com a tabela. De posse deste mapa e com as obras marcadas foi definido um roteiro para passar todo o dia pela cidade, pernoitando no Grande Hotel, para retomar a estrada para Brasília somente no dia seguinte.

Com o conjunto de obras demarcadas foi possível elaborar um roteiro e organizar o itinerário por essas obras, também ajustado em razão da conveniência de quem poderia me receber. A generosidade de Angelo com esta singela atividade se confirmou mais uma vez, especialmente quando ele indicou a visita à “casa onde nascemos” na avenida 2, que foi reformada por ele. Assim, sem pretender esgotar a localização de todas as obras do arquiteto em Orlândia, a tabela abaixo indica as dez obras que foram mapeadas e visitadas:

Tabela das obras Angelo Bucci
Elaboração Eduardo Pierrotti Rossetti, 2023

A partir desta viagem foi elaborado um mapa on-line, com marcação georreferenciada dessas obras no Google Earth. Agora, torna-se possível compartilhar esta experiência e apresentar uma base cartográfica para circular por Orlândia, visitar a cidade e ver esta produção contemporânea. Com este mapa, Orlândia pode ser integrada aos roteiros de viagens de estudos de estudantes, pesquisadores ou profissionais que, uma vez na cidade, podem conhecer estas obras em cerca de duas horas. O mapeamento das obras de Angelo Bucci em Orlândia é uma oportunidade para valorizar as experiências de deslocamentos, desde a estrada até as experiências do caminhar a pé e da deambulação numa cidade. É importante alertar que este mapa deve ser tomado de modo circunstancial, devendo ser usado como uma referência a ser ampliada e atualizada com novas pesquisas, com franco caráter colaborativo, incluindo informações, nomes de colaboradores, fotografias etc. A partir desse mapa, como um convite, Orlândia fica aberta para ser explorada, sendo possível passear, tomar um cafezinho, achar um bom pastel e tomar o rumo ao próximo destino estrada a fora.

Mapear a arquitetura de Angelo Bucci em Orlândia abre alternativas para as viagens de estudos. Na escala brasileira, uma lista de cidades estratégicas para fazer viagens sobre a arquitetura no Brasil destacará Salvador, Rio de Janeiro, Ouro Preto, Diamantina, Paraty, São Paulo, Porto Alegre, Pirenópolis, Goiás, Recife/Olinda, Brasília… Mas agora, também podemos incluir Orlândia SP (1).

Captura de tela do mapa da arquitetura de Angelo Bucci em Orlândia
Elaboração Eduardo Pierrotti Rossetti e Thiago Turchi, 2023

notas

NA1 — Este texto é uma versão ultra-reduzida do artigo “Viagens de estudo, deslocamentos e o mapeamento da arquitetura de Angelo Bucci em Orlândia”, encaminhado para avaliação da Revista VIS/UnB, em 2024. O assunto é o mesmo, mas as abordagens e os enfoques são distintos.

NA2 — Agradecimentos a Angelo Bucci, Julia Bucci e toda família Bucci; Lucas Roca & Vitória de Mendonça (SPBR); Sylvia Ficher, Andrey Rosenthal Schlee, Carlos Eduardo Dias Comas, Thiago Turchi, Paulo Victor Borges Ribeiro, Rafael Urano Frajndlich e todos de Orlândia que me receberam de portas abertas, com uma generosidade inesquecível: Antônio Carvalho, Mariangela e Agostinho Mei, Mariana M.R. Pereira, Lili Barros e Luciano Bonfante.
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Mapa de marcação das obras de Angelo Bucci em Orlândia SP <https://bit.ly/4egCKHE>.

sobre o autor

Eduardo Pierrotti Rossetti é arquiteto, professor e pesquisador da FAU UnB.

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