Em 2001, recém formado, quando eu trabalhava no Coop Himmelb(l)au, em Viena, fui convidado pelo Wolf Prix, um dos titulares do escritório, para assistir às bancas de graduação de seus alunos na Universität für angewandte Kunst Wien (University of Applied Arts Vienna). Entre os professores da banca, estava Zaha! Imagine a dupla como os professores avaliadores do seu TFG!! Eu, que havia acabado de me formar, só pensava nisso... Foi uma aula e tanto!
As apresentações eram excelentes, os comentários da Zaha precisos e desafiadores. Me lembro bem dela questionando os alunos a respeito de que mundo eles pretendiam construir como arquitetos, de como eles seriam responsáveis por criar espaços belos, interessantes e surpreendentes. E, também, de seu desinteresse por um dos trabalhos que era esteticamente muito bonito, mas que propunha espaços urbanos absolutamente monótonos, com prédios repetitivos, que ela chegou a chamar de "túmulos". Apesar deste episódio, a impressão que fiquei de sua fala foi a melhor possível: instigante, otimista e animadora!
Após as bancas, Prix nos apresentou e conversamos sobre as bancas e sobre o seu trabalho, que eu conhecia por completo e admirava muito. Foi amável, atenciosa e bem humorada, e, para minha surpresa, ainda ficou interessada em saber o que um jovem arquiteto brasileiro fazia em pleno inverno rigoroso vienense. Ao final, perguntei sobre o seu projeto de habitações Spittelau Viaducts, ali em Viena, então ainda não realizado, mas que eu adorava. Eu já tinha até ido visitar os antigos viadutos, na esperança de, quem sabe, ver algum sinal de obras em andamento. Ela abriu um sorriso e deixou entender que, sim, havia chances de a iniciativa ser retomada... Realmente, poucos anos depois, a obra foi executada.
Na faculdade, a sua obra, concretizada ou não, havia sido uma contínua fonte de inspiração! Me lembro de descobrirmos com entusiasmo os seus desenhos e maquetes, as suas pinturas, seus primeiros prédios construídos, o mobiliário e interiores surreais, como o Moon Soon Restaurant, no Japão. Me lembro de ler as suas entrevistas e a respeito de seu percurso acadêmico e profissional. O impacto que as suas pinturas fantásticas para o concurso The Peak, em Hong Kong, teve para nós foi enorme!
E, claro, a oportunidade de visitar pessoalmente algumas de suas obras foi extremamente marcante! Me lembro do sentimento de felicidade ao ver o IBA Housing de Berlim pela primeira vez!! O corpo mais simples do edifício horizontal alongado, com o térreo transparente, contrastando com a torre metálica, marcando a esquina com suas formas angulosas, os efeitos de luz, sobra e reflexos, os vazios, o pátio interno, as relações com o entorno, o uso misto, o prédio habitado.
O mais surpreendente foi descobrir, ao visitar a Vitra Fire Station, em Weil am Rhein, que as formas completamente singulares que víamos nas fotografias publicadas não eram efeito de lentes que deformavam o edifício, e, sim, a mais pura realidade. Experienciar aquele prédio foi um espanto e um sonho ao mesmo tempo! Uma mistura inédita de sensações que se transformavam na medida em que eu adentrava e percorria em transe os seus espaços fluidos.
Depois, as suas realizações mais recentes, o Phaeno Science Center, em Wolfsburg, o pavilhão da Chanel ou o Centro Aquático de Londres, que foram se tornando cada vez mais líquidos, na medida em que amadurecia.
Para mim, a força da sua obra, mais do que pura forma, está na surpresa do espaço inesperado experimentado e percebido com o corpo, na liberdade dos movimentos, fluxos e interpretações.
Mulher, iraquiana, extremamente culta, inquieta e revolucionária, em pouco tempo mudou a arquitetura do nosso tempo e transformou o mundo em que vivemos. Vai fazer muita falta neste cenário atual, conservador e comodista... Foi-se cedo demais!! Que bom que recebeu o reconhecimento e os principais prêmios por sua enorme contribuição.
Mais uma vez, obrigado, Zaha!
sobre o arquiteto
Marcio Novaes Coelho Jr. é arquiteto pela FAU Mackenzie, mestre e doutor pela FAU USP, com bolsa-sanduíche Capes/DAAD na TU Berlin. Atualmente, é professor da Faap. Foi arquiteto do Condephaat e, desde 2009, é sócio do escritório Sguizzardi.Coelho Arquitetura.