Bexiga, Bixiga
O Bexiga é um bairro tradicionalmente resiliente. Desde os negros quilombolas, os operários italianos anarquistas, os trabalhadores nordestinos, os refugiados e os novos imigrantes. O bairro desenvolvido no final do século 19 por Antônio Bexiga, foi assim denominado inicialmente e nos anos 1950 virou Bixiga nas canções de Adoniran Barbosa. Não importa a grafia do seu nome, o importante é o valor histórico de sua resistência.
O prêmio APCA na categoria “Resistência urbana” vai para um coletivo: Vai-Vai, Festa da Achiropita, Teatro Oficina, União de Mulheres Negras, Casa de Dona Yayá. Mas também reconhece todo o esforço histórico do Museu do Bixiga, da Vila Itororó que viu sua população ser expulsa em 2011 e que ainda se defende, as cantinas e os cafés que ainda resistem sem se mudar para bairros mais fashion da cidade.
Um bairro que mesmo excluído de planos e projetos urbanos sobreviveu às cicatrizes do rodoviarismo galopante dos anos autoritários – mesmo com sua fragmentação física, mantém sua unidade cultural. Há males que vêm para bem: seu esquecimento por ser bairro pobre no fim garantiu sua preservação (1).
Nos anos 1970, a área da grota foi objeto de projeto moderno não implantado – de autoria do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, foi encomendado pela Coordenadoria de Gestão de Pessoas – Cogep. Nos anos 1990 foi objeto de concurso de ideias, organizado pela Empresa Municipal de Urbanização – Emurb, atual SP-Urbanismo, a pedido da população organizada. O projeto vencedor do concurso não foi implementado. Apesar disso, possibilitou ao Departamento de Patrimônio Histórico – DPH realizar amplo inventário que deu origem ao tombamento do bairro.
São 905 bens tombados em três categorias, que podem ser assim descritas de maneira simplificada: tombamento integral, tombamento parcial e gabarito. Avaliações do DPH e de trabalhos acadêmicos constataram a necessidade de uma proteção especial, com ampla participação popular para manter as características do bairro evitando projetos assépticos que apaguem sua história e expulsem sua população.
A resistência urbana do bairro é portanto histórica, mas teve sua visibilidade redobrada com a vitória da Vai-Vai, que conseguiu a permanência da quadra no bairro, e a vitória esperada da sobrevivência do Teatro Oficina. O prêmio é coletivo para toda a população do bairro e para todos nós, cidadãos amantes e admiradores do bairro.
Bexiga ou Bixiga, parabéns!
notas
NE – Desde 2010, a APCA incorporou os críticos de arquitetura, concedendo anualmente sete prêmios. Em 2017, os críticos Abilio Guerra, Fernando Serapião, Francesco Perrotta-Bosch, Gabriel Kogan, Guilherme Wisnik, Hugo Segawa, Luiz Recaman, Maria Isabel Villac, Nadia Somekh, Renato Anelli foram os responsáveis pela seleção dos premiados. Os artigos dedicados à premiação da modalidade Arquitetura e Urbanismo da APCA 2017 são os seguintes:
SOMEKH, Nadia. Prêmio APCA 2017 – Categoria “Resistência urbana”. Bexiga, Vai-Vai; Festa de Nossa Senhora Achiropita; Teatro Oficina; União de Mulheres de São Paulo; Casa de Dona Yayá – Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo (CPC USP). Drops, São Paulo, ano 18, n. 125.01, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.125/6868>.
WISNIK, Guilherme. Prêmio APCA 2017 – Categoria “Obras referenciais”. Alberto Xavier. Drops, São Paulo, ano 18, n. 125.02, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.125/6869>.
ANELLI, Renato. Prêmio APCA 2017 – Categoria “Obra de arquitetura em São Paulo”. Instituto Moreira Salles (nova sede na Avenida Paulista), Vinicius Andrade e Marcelo Morettin. Drops, São Paulo, ano 18, n. 125.04, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.125/6881>.
SEGAWA, Hugo. Prêmio APCA 2017 – Categoria “Obra de arquitetura no Brasil”. Moradias de estudantes na Fazenda Canuanã, Rosenbaum (Marcelo Rosenbaum e Adriana Benguela), Aleph Zero (Gustavo Utrabo e Pedro Duschenes), Ita Construtora (Helio Olga). Drops, São Paulo, ano 18, n. 125.05, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.125/6882>.
PERROTTA-BOSCH, Francesco. Categoria “Urbanidade”. Sesc 24 de Maio, Paulo Mendes da Rocha; MMBB (Marta Moreira, Milton Braga e Fernando de Mello Franco); Danilo Santos de Miranda. Drops, São Paulo, ano 18, n. 125.06, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.125/6884>.
GUERRA, Abilio. Categoria “Fronteiras da arquitetura”. Guto Lacaz. Resenhas Online, São Paulo, ano 18, n. 195.01, Vitruvius, mar. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/18.195/6893>.
SERAPIÃO, Fernando. Difusão Cultural: Vicente Wissenbach [no prelo].
1
GUERRA, Abilio. Grotão do Bixiga. Arquiteturismo, São Paulo, ano 06, n. 064.01, Vitruvius, jun. 2012 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/06.064/4389>.