Depois de anos de “trevas” de debate sobre nossa cidade, o Concurso para a Reconversão Urbana do Largo da Batata, surge no cenário arquitetônico como uma rara oportunidade de se reconduzir o discurso urbanístico para o foco de nossas atenções.
A ausência de encomendas, e a atividade de um urbanismo burocrático e funcionalista praticados nas últimas décadas, transformaram a matéria em um assunto restrito a discursos acadêmicos e institucionais. Essa crescente escassez de fóruns apropriados para o desenvolvimento do debate urbano, vem favorecendo um estado de laisse-faire generalizado que tem convertido porções inteiras da cidade à seu bel prazer. O enfraquecimento de um espírito crítico é hoje responsável pelo esvaziamento de discussões de matérias vitais polêmicas para a cidade – como a atual discussão sobre o Novo Plano Diretor, que teve passagem meteórica pelos nichos especializados de reflexão, e hoje exibe sua constituição deficiente e deficitária ao estágio de uma prematura regulamentação.
Fruto da negligência ao debate, esses processos se avolumam e hoje conduzem e definem um estado de coisas que insistimos em chamar de vida metropolitana – uma espécie de padrão alterado de sobrevivência, com tendência a se agravar se continuarmos a persistir em nossa cômoda posição de espectadores passivos de tal processo.
Nesse sentido, a tão rara demanda de um concurso que discuta um caráter mais amplo da cidade acrescido ao entusiasmo surgido com a perspectiva de realizar tal proposta dentro de uma administração com promessas mais democratizantes, provavelmente serviram de estímulo para que 120 equipes se inscrevessem.
Não é difícil se supor o sacrifício e empenho que tal tarefa exigiu de cada equipe compromissada com o tema. Uma dificuldade que não era relativa e sim absoluta. Faço essa afirmação sem medo de errar, pois embora fôssemos equipes com diferentes estágios de amadurecimento (anos de experiência profissional), a ação ingrata e complexa de propor cidade, dota a atividade profissional de uma pesada responsabilidade social. O número entregue de apenas 42 trabalhos, das 120 inscrições, confirma o desafio da tarefa e o exíguo prazo para realiza-la.
Um árduo trabalho. “Recompensado” com uma evasiva e curiosa ata e uma exposição inócua e desrespeitosa dos trabalhos.
Muito poderia se falar do teor do documento de premiação dos trabalhos, mas me eximirei deste trabalho sob a pena de meus comentários serem reduzidos a um lamento rancoroso de quem não sucedeu, como é histórico que se façam com aqueles que decidem questionar critérios. Se escrevo, o faço com o interesse daquele que deseja seriamente contribuir com o nascimento de uma novo estatuto profissional.
Neste sentido penso que um concurso público não se encerra com a premiação de um primeiro segundo e terceiro colocados, ou mesmo com as licitações, cada vez mais raras, para a sua efetivação.
A história recente confirma que por mais bem intencionados que sejam as edições de concursos, já nos acostumamos a não ver realizado o conteúdo de suas premiações. Os fatores, na maioria das vezes alheios ao desejo de seus promotores, talvez também devessem ser questionados, no entanto esta prática gerou uma condição que devemos nos dar conta. Se os concursos não se tornaram portas efetivas para a realização de projetos necessários, ao menos estes deveriam servir como plataforma para se ampliar o debate e reflexão tão necessária sobre arquitetura e urbanismo.
Publicações, exposições e debates sobre os conteúdos conceitos e idéias produzidas em concursos deveriam ser premissas indispensáveis para realização destes. Pois um concurso público só se conclui, e cumpre com seu propósito, quando seus resultados são discutidos ampla e publicamente.
Sugestões como essa parece oportuna, principalmente em uma premiação que não elege um, porém cinco projetos, para compor um projeto mix. Isso significa que o projeto final de Reconversão Urbana para o Largo da Batata está, ainda, em aberto. Sendo assim parece coerente, em tempos de gestão participativa, que haja a possibilidades de se alargar a discussão e permitir a interferência pública nas decisões.
Conclamo, neste sentido, as instituições e órgãos envolvidos na coordenação e promoção do Concurso Público para a Reconversão do Largo da Batata, a elevar à categoria de substrato para uma nova consciência urbanística, as matérias e conceitos elaborados pelas equipes participantes através da promoção de um debate público com jurado e premiados, e uma exposição em local público apropriado para que se possa conhecer o conteúdo integral dos 42 trabalhos.
Acredito que, somente assim o ânimo que motivou 120 equipes possa ser estimulado. E o respeito à seriedade das 42 equipes, que entregaram o trabalho, possa ser premiada.
Espero um pronunciamento público como resposta.
[carta enviada aos arquitetos Maurício Faria, presidente da Emurb; Jorge Wilheim, secretário de Planejamento da Cidade de São Paulo, Gilberto Belleza, presidente do IAB-SP, Marcos Romanelli, coordenador do concurso, e Abílio Guerra, editor da revista eletrônica Vitruvius]
[conheça os projetos vencedores do concurso]
sobre o autor
Denise Xavier é arquiteta.