O fato de ser metrópole incompleta não é desdouro para a Capital federal. Segundo o saudoso geógrafo Milton Santos, metrópoles completas são as que possuem equipamentos e estrutura complexa, inclusive parque industrial, capazes de organizar o espaço nacional. As metrópoles incompletas, ao contrário, apenas polarizam o espaço regional à sua volta. Por sua vez, em fins da década de 60, o IBGE estabeleceu as características demográficas e sócio-econômicas para definir as nove metrópoles brasileiras. Na época, Brasília, preenchia as características demográficas, mas não detinha grandes indústrias para a Capital ser incluída nas metrópoles então delimitadas.
Hoje, com a constituição de 1988, a competência para delimitar espaços metropolitanos passou para as unidades federativas e o Distrito Federal poderia considerar que já possui volume populacional e complexidade nas funções para estabelecer uma gestão metropolitana. Suas atividades terciárias e quaternárias (serviços de alto padrão, Congresso Nacional, universidades, centros tecnológicos, etc), possibilitam razoável capacidade de integração de grandes espaços geográficos (Norte, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste). Destas regiões, aliás, provêm as correntes migratórias mais significativas para o DF. Assim, Brasília seria uma metrópole terciária/quaternária, incompleta por não apresentar produção industrial de importância econômica em âmbito nacional. São Paulo é a metrópole completa do Brasil, pois, além de ter pujança econômica, suas industrias abastecem os mais distantes rincões nacionais, exportando para os países vizinhos em volume significativo.
O estatuto do Plano Piloto de Brasília estipulou para a Capital funções políticas e administrativas e coibiu a instalação de indústrias pesadas ou as que gerassem poluição ambiental. Apesar da restrição, Brasília cresceu e, hoje, é uma grande cidade. Escapou das restrições para que tivesse, no fim do século XX, algo como 500.000 habitantes (ou 600.000 como sugeriu Sir William Holford, presidente do júri internacional formado para a escolha do projeto urbanístico da Capital). Hoje, Brasília apresenta população superior a dois milhões, ou 2,5 milhões se incorporados os núcleos contíguos, como os do Estado de Goiás e que possuem estreita integração com a Capital. Por este aspecto, ela é incontestavelmente uma das grandes cidades brasileiras.
Nesse ponto, é importante ressaltar que Brasília organizou-se espacialmente aglomerando o Plano Piloto de Brasília, ou o centro da cidade, com os demais assentamentos urbanos, antes denominados de cidades-satélites. Essas, pela legislação federal, não podem ainda ser consideradas sedes municipais, pois o município é Brasília, do qual fazem parte. O Distrito Federal (DF) é a unidade federativa que engloba o território (cidade e campo), equivalendo-se aos demais estados federados. Possui, todavia, o duplo status de estado e município e não há porque polemizar a respeito. O fato de o GDF ter, por decreto, alterado a denominação para cidades, não eleva as antigas satélites à condição de sedes municipais. Ser sede de município, pela Carta Magna, é o requisito básico para um núcleo receber a denominação de cidade. Aliás, a polêmica em torno do assunto deveria se ater não à denominação de cidades-satélites ou cidades (tout court), mas às funções e capacidade de gerar empregos por parte desses núcleos, bem como aos níveis de conforto urbano que oferecem aos seus habitantes. Há, nelas, saneamento básico? Como e onde geram empregos ou estes dependem do forte equipamento do Plano Piloto de Brasília? Qual é o padrão das habitações? As vias de acesso e de capilaridade da malha urbana são pavimentadas nestes núcleos? Como está estruturado o sistema de transportes para os que não possuem automóvel? Qual a estrutura da renda nesses núcleos? Vê-se que a questão da denominação se reduz, fica menor e de pequena importância a cada questionamento...
Brasília expandiu-se de forma polinucleada no interior do DF e para além de seus limites, em Goiás. Os municípios goianos próximos possuem fortes laços funcionais com a Capital e interagem fortemente com ela. Este fato chama à responsabilidade (federal e do DF) para que se implante a Área Metropolitana de Brasília (AMB), capaz de dar coesão à gestão do território que se formou ao longo destes 42 anos de existência oficial ou de 45, se considerarmos os primeiros assentamentos (canteiros de obras no Plano Piloto e na antiga “Cidade Livre”, o Núcleo Bandeirante).
Ao defendermos a AMB para esse aglomerado urbano o fazemos na consideração da importância de Brasília no cenário nacional. Em quatro décadas atraiu migrantes de todos os recantos do país, trabalhadores e detentores de capitais; pessoas que não tinham onde morar e empresários empreendedores; pequenos agricultores expulsos do campo e agências bancárias, filiais de multinacionais e incorporadores imobiliários que mudaram a face do Plano Piloto. Por isto, em sua curta história, Brasília ensejou uma expansão urbana de grande expressão populacional e funcional. Atraiu favelas, obrigou a implantação de novos assentamentos ainda destituídos de infra-estrutura e capacidade de gerar novos postos de trabalho. Isto favorece a visão de uma cidade excludente, com “guetos” em que se alojaram os empobrecidos. Mas, com isto, e por causa disto, a cidade requer que se mude seu perfil de empregos, sua estrutura, funcionalidade e o modelo de gestão urbana vigente.
Na comemoração de seus 42 anos, Brasília clama por uma melhor distribuição dos benefícios e da renda. Por que os novos assentamentos não previram espaços para a implantação de atividades? Por que há timidez em proporcionar trabalho nas proximidades de moradia dos “periferizados”? Por que os gestores urbanos insistem no padrão “um terreno, uma família; uma família, um terreno”, que, em breve, esgotará o estoque de terras para fins urbanos. Com isto, já se avança sobre territórios que, até por lei, possuem proteção ambiental, exclui o uso habitacional. Por que tanta burla às leis ambientais, com assentamentos urbanos em APAs (áreas de proteção ambiental)? Por que não há um programa continuado de habitações populares verticalizadas (com pequenos edifícios) no estilo do Conjunto Lúcio Costa (Guará)?
Como estas questões, com maior propriedade ainda, podem ser levantadas para as cidades goianas limítrofes, voltamos a insistir na criação de um ente metropolitano capaz de ensejar uma estreita colaboração de Brasília e estas cidades, de tal forma que da integração se maximizem os equipamentos, se afastem duplicidades de gestão urbana de serviços que entrosados poderão reduzir os desperdícios. A gestão integrada dará força para a boa administração da educação e da saúde pública; serão maximizados os grandes eixos de transporte público; será gerada riqueza para a implantação de tratamento de água, esgoto e do lixo urbano (o que promoverá a elevação da qualidade ambiental, bastante desgastada, hoje). A metrópole formada com o aglomerado urbano em questão dará guarida para a efetiva implantação da RIDE, a Região Integrada de Desenvolvimento Econômico e a possibilidade de atrair recursos para mudar o cenário de um futuro de ingovernabilidade para a Capital. A questão da RIDE, todavia, merece ser abordada em outro artigo.
sobre o autor
Aldo Paviani é pesquisador associado do Departamento de Geografia e do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais da UnB; organizador de obras da Coleção Brasília da Editora UnB.