Neste ano que se completou o primeiro aniversário do fatídico 11 de setembro e a total destruição das torres gêmeas do Wolrd Trade Center nova-iorquino, nos perguntamos, ao vermos as inúmeras propostas apresentadas por arquitetos do mundo inteiro ao vazio deixado por esta insanidade, se não seria este mesmo vazio a resposta arquitetônico-urbanística mais apropriada (para não se dizer, a mais lógica) ao simbolismo do ato em si? Ou seja, se não seria mais válido e mesmo em respeito às inúmeras vidas perdidas, a efetivação de uma proposta onde o lugar destruído das antigas torres fosse mantido como um memorial ao céu aberto, um espaço de contemplação ao invés das imposições financeiras (e sem a mínima sensibilidade e criatividade) que estão repetindo a fórmula anterior de ocupação das antigas torres como mera substituição do que (materialmente) foi destruído.
Em nossas cidades que viveram nas últimas décadas um crescimento urbano descontrolado, onde os espaços foram sendo ocupados sucessivamente e seus limites se diluíram no horizonte, a falta de espaços vazios, de áreas urbanas não edificadas e ocupadas pelo concreto e o vidro está se tornando uma constante claustrofóbica contemporânea. Áreas pouco edificadas como praças, parques, largos ou mesmo áreas não ocupadas ou abandonadas e esquecidas pelo Capital, se solidarizam como respiros visuais à massa excessivamente construída de nossas cidades. Podemos dizer que a relação entre cheios e vazios em uma cidade se iguala e se faz tão importante quanto em uma obra de arte, quando quer o artista faze-la compreensível e assimilável.
As “terras vagas”
Dentro do debate atual sobre o urbano contemporâneo, encontramos o conceito francês sobre as Terrain Vague, que entenderemos aqui como “terras livres” ou “terras vagas”, que persistem na memória coletiva dos habitantes de uma cidade pela sua própria história e existência. São lugares abandonados à mercê da sorte: áreas industriais esquecidas pelas mudanças econômicas ou vazios deixados por catástrofes como o ocorrido em Nova Iorque; resíduos do crescimento urbano às vezes inacessíveis, às vezes pertencentes ao passado comum das pessoas; símbolos de uma era ou mesmo resultados da ganância da especulação imobiliária; lugares esses, que na cidade contemporânea são redescobertos como novas frentes para o crescimento urbano.
Para Solà-Morales, são lugares que se qualificam em seu próprio sentido de ausência e vazio, e portanto, passíveis de serem mantidos assim, preservados como elementos também formais e simbólicos do urbano e que não padecem de uma integração maior com a “trama eficiente e produtiva da cidade” (1). Os vazios urbanos, enquanto lugar da ausência, do vago/vacante, estão no entender de Perez-Gómez, aparte de todo o avassalador desenvolvimento tecnológico que marca a cidade contemporânea; escapando de sua hegemônica “dominação panóptica” (2).
O caso de Vitória
Trazendo para o contexto capixaba, voltamos nosso olhar especificamente para a região do Centro da cidade de Vitória, em um lugar onde, por muitos anos ficou para nós capixabas conhecido como o grande estacionamento por detrás da (já) antiga loja da Mesbla (agora, a loja de departamentos da Dadalto), e que hoje, está sendo transformado no mais novo Shopping Center da Capital, o Centro Shopping (3). Mais uma grande massa construída em um dos poucos espaços vazios restantes nesta região e que ainda preservava sua importância pela própria existência como um “vazio”, um “hiato” urbano que se abria ao visual da Baia de Vitória, dentro de uma cidade que historicamente deu as costas ao seu mar.
No atual caminhar do urbano onde se faz quase que totalmente inevitável a ocupação dos espaços residuais da cidade, poderíamos como exemplo de um exercício projetual (sem culpa de estarmos atrasados) pensar este vazio não mais como um outro lugar construído, mas transformá-lo em um novo lugar mais “raso”, menos ocupado e como uma extensão natural da vizinha e tradicional Praça Getúlio Vargas, tornado-se um complemento seu voltado ao lazer, à cultura, às manifestações de toda ordem... Um grande largo ou praça para shows, feiras, performances e teatros ao ar livre; local de eventos da municipalidade ou de outros órgãos públicos que trabalham diretamente com a comunidade...Um vazio único em sua existência e localidade, mas múltiplo em possibilidades.
Um lugar como esse no Centro de Vitória, somado aos vazios da região da Ponte Seca (4), da Praça Oito e a outros que eventualmente surgiriam através de uma nova estruturação urbana da região do Porto de Vitória e do Tancredão por exemplo, poderiam ser trabalhados como um grande complexo urbanístico de áreas públicas integradas a cidade e entre si, devolvendo à Capital capixaba a possibilidade de respirar novamente o ar de seu mar.
Conclusão: os vazios como espaços democráticos
Estes vazios urbanos, simbólicos ou não, esquecidos pelo crescimento urbano, áreas de passagem fortuita ou apressada dos dias atuais, às vezes desapercebidos de nossos sentidos ou remanescentes de nossas lembranças são parte de um bem da cidade, como seus edifícios, suas ruas e seus habitantes. São integrantes de um conceito de espaço democrático tão caro a nós nas cidades contemporâneas, as quais, necessitam cada vez mais de espaços vazios do que de novas torres de vidro e concreto.
notas
1
Segundo Solà-Morales, “a noção de “terrain” como a de “vague” contém uma ambiguidade e uma multiplicidade de significados que é a que faz desta expressão um termo especialmente útil para designar as categoria urbana e arquitetônica com que aproximamos aos lugares, territórios ou edifícios que participam de uma função dupla. Por uma parte “vague” no sentido de vacante, vazio, livre de atividade, improdutivo, em muitos casos obsoleto. Por outra parte “vague” no sentido de impreciso, indefinido, vago, sem limites determinados, no horizonte do futuro”. SOLÀ-MORALES, Ignasi de. Presentes y futuros. La arquitectura en las ciudades (texto). Catalogo do XIX Congresso da União Internacional de Arquitetos UIA Barcelona 96. Presentes y futuros. Arquitectura en las ciudades. Comitè d`Organització del Congrés UIA Barcelona 96 et. ail. ., p. 21-23. Barcelona, 1996.
2
PEREZ-GÓMEZ, Alberto. Espacios intermedios (texto). Catalogo do XIX Congresso da União Internacional de Arquitetos UIA Barcelona 96. Presentes y futuros. Arquitectura en las ciudades. Comitè `Organització del Congrés UIA Barcelona 96 et. all., p. 277. Barcelona, 1996.
3
Em nosso artigo publicado na seção “Minha Cidade” do site Vitruvius, abordamos com mais profundidade a questão da implantação do CentroShopping nesta região da cidade, sendo que, no discurso oficial da Municipalidade este será o elemento primordial na “revitalização” do Centro de Vitória. Ver em especial o artigo “Shopping do Centro: um problema de conceito” em www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc036/mc036.asp
4
Em recente artigo publicado na Revista Capixaba Imagem Urbana, a Prof.ª Arq.ta Martha Campos nos brinda com um belo texto sobre o vazio urbano situado abaixo da Cinco Pontes, região esta conhecida como “Ponte Seca”, onde uma vez ao ano, na época da Semana Santa, se torna o lugar tradicional em Vitória da compra do palmito, ingrediente básico da Torta Capixaba. Área que está para ser ocupada por um grande estabelecimento comercial e que mudará toda a fisiologia da região. Ver em especial: CAMPOS, Martha Machado. A Ponte Seca e a cidade: entre o vazio e o cheio...coisas vêm, coisas vão.... Revista Imagem Urbana, p. 48-50. Vitória, 2002.
sobre o autor
Fabiano Dias é Arquiteto-Urbanista.