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my city ISSN 1982-9922

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NEIVA, Simone Loures Gonçalves. Calçados sobre tatami. A ilegibilidade das cidades japonesas. Minha Cidade, São Paulo, ano 04, n. 041.01, Vitruvius, dez. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/04.041/2028>.


Casa tradicional japonesa [Process Architecture, Japan: Climate, Space and Concept, nº 25, Process Architecture Publi]


Mapa de Tóquio [Masai, Yasuo, Atlas Tokyo, Ed. Heibonsha Ltd., Tokyo, 1986.]

Mapa de Manhattan [Fragner, Benjamin, The Ilustrated History of Architecture, Sunburst Books, London, 1994.]

Casa tradicional europeia [Ashihara, Yoshinobu, The Aesthetic Townscape, The MIT Press, Cambridge, 1979]

 

No ocidente a preocupação com simetria, perspectivas impressionantes, monumentos, ruas e praças sempre existiu. E foi a rua, ou pelo menos a experiência linear, o elemento essencial sobre o qual a paisagem da cidade moderna se desenvolveu. Desde a Antiguidade a noção de cidade como uma estrutura coletiva de espaços lineares está arraigada na cultura ocidental e continua a funcionar como matriz para a noção de boa forma no planejamento de grande parte das cidades contemporâneas. Entretanto, essa noção se mostra como antítese da noção japonesa. Equivale a dizermos que se as cidades analisadas por Lynch em The Imagem of the City seguem uma lógica predominantemente linear, em que o tráfego e a arquitetura monumental são privilegiados, segundo o conceito de path-and-land mark, as cidades japonesas, por outro lado, têm poucas linhas retas, praças e monumentos, e parecem seguir uma lógica de node-and-district.

Com exceção de Nara, Quioto e Saporo – as quais adotaram o sistema cartesiano no desenho de suas ruas –, as cidades japonesas são essencialmente orgânicas e constantemente consideradas ilegíveis por visitantes ocidentais. Tóquio, por exemplo, a despeito de sua importância no cenário mundial, parece uma colcha de retalhos mal cortados e envolvidos por ruas tortuosas, nada similar a outras metrópoles contemporâneas. Aos olhos dos americanos, por exemplo, acostumados a traçados tipo tabuleiro de xadrez, como o de Manhattan, o desenho de Tóquio parece pouco lógico e funcional. Já para os japoneses é a linha reta que surge como o elemento estrangeiro.

Segundo o arquiteto Ashihara, a imagem caótica e ilegível que os visitantes têm de Tóquio deve-se provavelmente ao fato de a percepção linear ocidental ser imprecisa para a leitura do espaço japonês. Contudo, o simples hábito de tirar os sapatos ser a primeira coisa que o japonês faz ao chegar em casa revela a primazia do território sobre a linha na percepção espacial japonesa, definindo o espaço da casa tradicional e talvez nos esclarecendo algo mais sobre a resistência ao traçado linear no Japão.

Adaptada ao calor dos típicos verões úmidos, a casa nipônica tradicional teve seu piso elevado para permitir maior ventilação. No entanto, o hábito de tirar os sapatos não se justifica apenas pela diferença de nível entre a rua e a casa. Para o japonês, a despeito de razões religiosas, manter o piso de tatami incontaminado pela sujeira da rua também significa resguardar a superfície onde ele se assenta, faz as refeições e dorme, atividades que no ocidente são separadas do piso por cadeiras, mesas e camas. Na casa japonesa o tatami é o elemento espacial permanente e crucial. É ele que demarca claramente o território. As paredes, por sua vez, móveis e removíveis, feitas de painéis de madeira e papel – soji e fusuma –, são consideradas elementos temporários e secundários na formação do espaço.

De outro modo, em lugares como Itália e Grécia, onde nasceu a arquitetura ocidental, a casa tradicional, paralela à rua, teve como elemento fundamental a parede. Na Europa, os verões quentes, mas secos, permitem que os espaços ladeados por pedras sejam agradáveis, ao contrário do que acontece nos úmidos verões asiáticos. Para os habitantes da "arquitetura da parede", os pisos do espaço interno e do espaço externo possuem uma mesma ordem espacial, e a ação de tirar o sapato ao entrar em casa não existe. Na casa européia a parede recebe maior atenção e respeito que o piso. É ela, e não o piso, que acentua a linearidade dos espaços e claramente diferencia interior de exterior.

Para Ashihara a ilegibilidade das cidades japonesas, aclamada por visitantes ocidentais, pode estar, entre outras razões, associada aos diferentes valores atribuídos à linha e ao território, ou ao modo como cada cultura define o que vem a ser dentro e fora no espaço da casa e da cidade. Para se ler o "texto" das cidades japonesas é necessária uma gramática não linear, pouco difundida e ainda estranha no ocidente. Tão estranha para um europeu que desconhece a cultura japonesa quanto o motivo de tirar os sapatos ao entrar num restaurante em Osaka.

De acordo com Sorensen, historicamente o traçado cartesiano implantado nas cidades de Nara e Quioto, por volta do ano 700, não teve um impacto duradouro sobre a urbanização de outras cidades japonesas. E mesmo as tentativas mais modernas de implantação de um sistema cartesiano, como em Saporo, não se tornaram populares. Segundo Funahashi, a maior parte dos japoneses ainda resiste à implantação de um modelo ocidental linear "mais legível" no Japão contemporâneo. Assim, a adoção do traçado linear sobre a milenar malha urbana das cidades japonesas, ainda que as tornasse mais "legíveis", significaria a imposição de um sistema absolutamente estranho à mentalidade espacial nipônica. Aparentemente, algo tão difícil de ser assimilado por um japonês quanto andar calçado sobre o tatami.

bibliografia

Ashihara, Yoshinobu, The Aesthetic of Tokyo, The Ichigaya Publishing Co., Ltd., Tokyo, 1998.

Ashihara, Yoshinobu, Exterior Design in Architecture, Van Nostrand and Reinhold, New York, 1970.

Funahashi, Kunio, Addressing System: Spatial Structure and Wayfinding in Japanese Towns, In: Current issues in Enviromental Behavior Research – Proceedings of the third Japanese – United States Seminar Held in Kyoto, Japan, July 19-20,1990, Ed. University of Tokyo, Tokyo, 1990.

Lynch, Kevin, The Image of the City, MIT Press, Cambridge, 1960.

Sorensen, Andre, The Making of Urban Japan, Cities and Planning from Edo to 21st Century, Nissan Institute/Routledge Japanese Studies Series, Tokyo, 2002.

sobre o autor

Simone Neiva é arquiteta e urbanista pela UFES, pós-graduada em História da Arte e História da Arquitetura pela PUC/RIO e mestre em Environment Behavior Studies pela Universidade de Tóquio.

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