Gostaria de dar uma opinião sobre as obras em andamento do corredor de ônibus Santo Amaro – 9 de Julho, na cidade de São Paulo.

Esse trajeto data do final do século XIX, quando os artigos produzidos na então cidade de Santo Amaro, povoado de colonização européia, principalmente alemã, abasteciam de hortifrutigranjeiros a cidade de São Paulo. A atual Av. Santo Amaro e seu prolongamento, 9 de Julho, tinham como função exatamente o escoamento dessa produção para o Mercado Municipal, hoje situado no dito Centro Antigo ou Histórico. Portanto, jamais foi pensada para escoamento de outra coisa que não fosse produção. Na época, a ocupação de Santo Amaro era bastante rarefeita, por suas características produtivas, rurais principalmente. O transporte público era feito por bonde!

Na segunda metade do século XX, as características da região se alteraram por completo. Formas de ocupação e atividades produtivas novas deram lugar a produção agrícola. Bem mais ao sul ainda, próximo às represas Billings e Guarapiranga, a Lei de Proteção dos Mananciais, da década de 70, propiciou uma ocupação irregular e de baixa renda, suporte da migração que abastecia o mercado produtivo na cidade.

Hoje, em meados no século XXI, temos uma situação absolutamente diversa daquela configurada há quase 150 anos atrás. A ocupação periférica consolidou-se e adensou-se a tal ponto que obrigou o poder público a ter, seja no âmbito Municipal que Estadual, de debruçar-se sobre o problema e "inventar" formas de regularização, abastecendo essas regiões com equipamentos públicos e melhorias urbanas, tentando evitar assim um colapso. Isso do ponto de vista da moradia de massa. Portanto, o que antes era uma Vila Rural, passou a ser um conglomerado de ocupação de massa.

Por outro lado, a atividade industrial de pequeno porte ainda existe e produz. Santo Amaro conta com um Distrito Industrial produtivo.

Entre essa longínqua periferia – longínqua para quem olha a cidade a partir do centro – diversas mudanças urbanas ocorreram ao longo de todo o trajeto. Com o esvaziamento do centro, os bairros residenciais que fazem limite com a Av. Santo Amaro foram ganhando novos e "arricados" moradores. Por si só, esses bairros sofreram melhorias na prestação dos mais diversos serviços e oferecem uma qualidade de vida já rara na cidade. São inúmeros, e do ponto de vista imobiliário, verdadeiras pérolas: Santo Amaro, Chácara Santo Antônio, Granja Julieta, Alto da Boa Vista, Brooklin, Campo Belo, Moema, Itaim, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição.

Por outro lado, paralela a Av. Santo Amaro e distante no máximo uns 2km, a Av. Berrini, novo centro financeiro e administrativo, atrai uma população "estrangeira" à região, e com ela cria novas demandas urbanas e de serviços. Do outro lado, as Av. Washington Luís, 23 de Maio, ligam a região "expressamente" ao centro, não fosse o caos no trânsito.

No outro extremo, a Revitalização do Centro Antigo começa a oferecer serviços especiais: os públicos, entre muitos que pretende oferecer, como se faz notar com a mudança de toda a máquina administrativa do Estado de São Paulo para a região, e muitos dos órgãos Públicos Municipais, a começar pela sede do governo Municipal, a Prefeitura, e ainda por cima, pouco antes de chegar ao Centro, a Av. 9 de Julho atravessar os nobres bairros dos Jardins.

Por tudo isso, o percurso João Dias – Praça da Bandeira não é apenas a união de um ponto ao outro. Do ponto de vista de transportes, não é a única ligação. Os trens e metrôs que estão sendo instalados, conectando-se à malha de transportes rápidos existente, cumpre já um papel de escoamento de massa.

A característica principal desse corredor, ao meu ver, é criar a possibilidade de prestação de serviços para todo o trecho – nos moldes do que antes se chamava "centro de bairros", impossíveis de existirem na escala metropolitana. São sim "pólos de prestação de serviços" o que podemos observar. E esse corredor tem a grande oportunidade de aproveitar todas as variáveis apresentadas para ser reprojetado e reconstruído como um projeto urbano, na escala da metrópole-cidade que é São Paulo. Mas para tanto deve se preparar fisicamente para isso, (isso significa de fato um projeto de urbanismo e não de transportes), contemplando as possibilidades da existência de praças, calçadas largas para caminhada de muita gente, etc.

Como anda em "moda" o PPP Parceria Público Privada – o corredor Santo Amaro não deveria ser jamais uma intervenção unicamente municipal. Quem andar pelo corredor observará que a degradação ocorre na metade das quadras lindeiras a Avenida. Os novos empreendimentos que foram construídos o foram metade da quadra para dentro dos bairros. As novas construções que foram realizadas são grandes galpões ou estacionamentos, que do ponto de vista de investimento de melhorias edilícias, significam bem pouco. Estão todos esperando para serem desapropriados. Essa desapropriação não pode ser bancada apenas pelo Poder Público. Mesmo porque o benefício será público, se assim o desejar o dito Poder, mas certamente será Imobiliário, e portanto privado.

E vendo, diante mão, esse fenômeno, é dever do Poder Público gerenciar essa intervenção. O ônibus, nesse caso, localizado nesse "pólo de prestação de serviços", teria muito mais uma função de ligação entre os diversos trechos de que escoamento de massa – não eliminando também essa função. Isso rebatendo a tese de que então, com tantos recursos, porque não se faz o metrô?

O dinamismo que essa intervenção – se for levada com coragem e ousadia – pode propiciar, beneficiaria toda a região sul, e seria um vetor "organizativo" em termos de localização de equipamentos públicos, capazes de atender o público que vem das periferias rumo ao centro, e privados, que atenderia a todos os bairros lindeiros, de alcance regional dentro da cidade. E melhor de tudo, teríamos, do ponto de vista social, a tão defendida mistura das classes, aclamada pelos Modernistas Históricos Brasileiros, no espaço público urbano mais legítimo, a Rua!

Essa cirurgia urbana traria como conseqüência, mas apenas como conseqüência e não como objetivo, o efeito "belezura", tão falado pelo Poder Público Municipal e tão desejado pela população, toda ela.

sobre o autor

Assunta Viola, arquiteta, São Paulo.