Anúncios, propagandas, poluição sonora e visual, todas juntas e unidas no mesmo espaço, na mesma hora, no mesmo momento. Avenida Francisco Morato. Para uns, o mais puro exemplo de poluição visual, já outros afirmariam que essa é a terrível, porém a mais crua realidade dos eixos comerciais de nossas cidades.
A questão da poluição visual urbana é bastante complicada. Complicada porque, hoje, vivemos numa sociedade que trata o seu espaço público como um grande shopping center. Venda do espaço, compra do “querer comprar mais”; e isso tem que ser severamente combatido. A cidade não é uma grande revista ou canal de televisão que se vende espaço para publicidade. Ela é muito mais, ela é de usuários que pedem – e precisam – de cultura, história, sucessos e fracassos. E essa situação só poderá ser combatida quando formarmos um ciclo entre população consciente (que age, discute, opina e pressiona), setor público consciente (que trabalha em parceria com a população e empresas privadas) e empresas privadas conscientes (que investem em melhorias na cidade, manutenção de espaços públicos, vendo que sua publicidade está na vontade de ajudar e melhorar).
Até agora foi falado o que praticamente todo mundo sabe e acredita, mas então porque é tão difícil agir? Porque não vemos espalhados por ai, uma ação que realmente dê resultados? Uma ação que mostre a que veio? Existem vários planos para tentar responder algumas dessas questões, e mais do que isso, planos que abrem caminhos para tantas outras perguntas. Todos com um mesmo fim: resgatar o caráter público do espaço público e, conseqüentemente, a valorização da população enquanto cidadãos.
Porém, para que isso aconteça, e acredito realmente que a finalidade das intervenções urbanas, pensadas ou efetivamente concretizadas seja este, é necessário que cada ponto, cada eixo, cada canto seja visto com suas particularidades, suas características, suas qualidades e seus defeitos.
A avenida
A Avenida Francisco Morato, localizada na cidade de São Paulo é um típico exemplo de um eixo comercial que rasga um bairro predominantemente residencial. Mas existem particularidades que devem e precisam ser analisadas. Estamos tratando de um eixo que, ao mesmo tempo em que não favorece o pedestre e, conseqüentemente o seu comércio local, não é capaz de equacionar, em muitos períodos do dia, os impactos gerados por uma “entrada” da cidade.
O comércio
A questão de seu comércio também é absolutamente relevante: quando esse se apresenta local (shopping, concessionária, drogarias e fast food) seus freqüentadores utilizam o carro, pois a infra-estrutura oferecida para o pedestre é praticamente inexistente (vide o estado das calçadas e a dificuldade de atravessar a Avenida) e quando esse se apresenta específico, caso dos comércios populares (lojas de “tudo por um real”) que conseqüentemente se instalam próximo das paradas de ônibus, a Avenida oferece bolsões de estacionamento ao invés de generosas calçadas.
A paisagem urbana
A paisagem urbana encontrada na Avenida nada mais é do que o reflexo de leis que tomam por si objetos isolados e não levam em consideração aspectos de importância infinita como o relevo do local, o entorno e a abrangência que um out door do Mc Donalds, por exemplo, pode causar.
Hoje a lei que regulamenta os anúncios os classificam em: especial, complexo, transitório, balão ou inflável, de finalidade cultural, de finalidade político partidário, simples e não-anúncio. Em nenhuma das classificações é levada em conta particularidades locais e análise conjunta de impactos que esses podem gerar. Quanto à implantação desses anúncios, a lei especifica, separadamente, a colocação em fachadas, marquises, coberturas e empenas cegas e, mais uma vez, não é levada em conta a inter-relação entre ambos.
Tratar o desenho dos anúncios como um “plano de massas”, respeitando a configuração do terreno, os edifícios construídos e a identidade do local, portanto é absolutamente fundamental. Com o intuito de preservar características e peculiaridades locais do comércio, o “plano de massa” vem com o intuito de harmonizar as diferenças, estudar impactos visuais gerais e não isolados e assim impor limites.
A percepção do local
O ar concentradamente poluído, o ruído elevado e também concentrado em horários de pico, bem como o andar irregular pelo passeio igualmente irregular, rouba da visão, a possibilidade de contemplação na Francisco Morato.
Autores como Fayga Ostrwer, Arnheim, Jun Okamoto e outros defendem que a percepção é multisensorial. Ainda que de predominância visual, a percepção dos ambientes tem nos demais sentidos, a confirmação das impressões obtidas pela visão. Nos estudos fisiológicos dos elementos sensoriais perceptivos realizados por Teiderman, verifica-se que o processamento articulado de todos os receptores ratifica a verdade do estímulo recebido.
Assim como a percepção, os planos de intervenção urbana também têm que se apresentar em múltiplas e facetadas frentes. Para desenvolver um estudo de intervenção pertinente, os primeiros passos têm que ser justamente elencar o que é relevante discutir: o que é gráfica urbana? como resolver a poluição visual? quais os mobiliários urbanos necessários para a área? são perguntas importantes mas não auto-suficientes no complexo problema da poluição visual urbana. Nenhum plano funcionaria sem englobar a questão do espaço público (para a população “espaço de ninguém”, para a publicidade “espaço de quem tem dinheiro”). Somente através de uma inversão desses valores é que será alcançado um bom resultado.
“Abre-se aqui o espaço para a utopia. Não de uma cidade ideal e estática, modelo acabado, mas a de uma cidade rica de possibilidades e de realizações, cheia de imprevistos mesmo, como em um jogo, mas direcionada por uma vontade moral, que se reconheça como humana, e não entregue a forças cegas, sejam elas naturais ou de mercado” (1).
bibliográfia
BARTALINI, Vladimir. Reabilitar nossas cidades. Boletim Óculum. Campinas, nº 24, p 4. Outubro 1998, p. 4
sobre o autor
Antonio Fabiano Jr., arquiteto formado pela FAU PUC-Campinas, São Paulo SP.