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my city ISSN 1982-9922

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MÜLLER, Fábio. Plano Diretor de Santa Maria RS: um olhar sobre o passado, no presente, pelo futuro. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 060.01, Vitruvius, jul. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/05.060/1972>.



A Cidade é, por excelência – e para além da aparência – fantástica realização humana, produto tenaz da luta desencadeada contra o meio e a favor da espécie. Dito de outra forma, é justo reflexo da ação do homem sobre o território, em sua premente necessidade de sobrevivência e troca social, desde que se descobriu um tanto mais ciente de si e do mundo que o cercava, lá nos idos do Neolítico. Não é, portanto, fenômeno, como querem alguns, mas profundo retrato sócio-histórico; uma construção constante enquanto reproduz, formal e concretamente, numa paisagem transformada de primeira em segunda natureza, o movimento social da vida em suas várias dimensões – política, econômica, artística, filosófica – pelos fatos contingentes de espaço e de tempo com os quais lida o homem, em sua marcha inexorável no planeta.

Em sendo assim, nunca está pronta e nem é apenas uma: congrega, no espaço, pessoas com diferentes visões sobre a vida e a arte que, no cotidiano e na rotina, edificam-na gradualmente em imagem e semelhança a um senso comum advindo de tácito acordo, no intuito geral de prover “segurança” e “boa vida” por associação, como um dia explicara Aristóteles. Em entendimento amplo e no limite, é isto: a cidade é o mais crucial reflexo do próprio homem e da sua ação social, uma aglomeração de pessoas num mesmo espaço pelo que têm de necessidades, valores, aspirações; é um real “produto de nossas mãos”, com tudo o que isso possa representar: trabalho, dificuldade, desacordo, incompreensão, egoísmo, ambição, sonhos e esperanças... nem mais, nem menos, mas exatamente.

Isto posto, não devem surpreender, aos cidadãos santa-marienses atentos, os rumos tão descentrados tomados pelas discussões que vem sendo feitas, na imprensa e nos fóruns abertos ao debate público, acerca das proposições do novo Plano Diretor, especialmente, a que trata do Tombamento de algo em torno de 300 edifícios (a centena é marcante...) de interesse histórico-cultural em larga área do Centro. Partindo de tal entendimento, pode-se, inclusive, mais facilmente compreender o jogo de interesses que, nesse caso – e quase sempre – tem balizado a discussão e que faz parte do processo de planejamento (quando há!) e construção de qualquer cidade sob a égide do capitalismo pós-industrial.

Só para situar, o que ocorre, agora, em Santa Maria, acerca de seu Patrimônio, é problema faceado e solvido em cidades díspares que um dia, porventura, debruçaram-se sobre a consideração do seu passado e presente para, através de políticas públicas, conformar mais racionalmente seu futuro. No crepúsculo do nosso velho acampamento, no entanto, observamos alistarem-se no horizonte, ainda outra vez – pelos mais diversos interesses e vicissitudes humanas – inovadores de um lado e conservadores de outro, defensores do capital e do lucro a todo custo, em uma linha, e defensores do homem e da cultura, na outra, colocando-se em lados opostos e prontos para tudo; e quem há de sentenciar quem, nisso tudo, não tem alguma razão? No entanto, vislumbramos o quanto o assunto poderia ser mais clara e equilibradamente conduzido, sem os equívocos de procedimento que dão margem a interpretações incorretas, ao desacordo e ao conflito, e é isso que tem causado inquietação. Alinhou-se Prefeitura e seus técnicos em uma das trincheiras, com os agentes imobiliários ocupando o mato do outro lado do campo de batalha, e entre eles ficaram os cidadãos em geral e aqueles proprietários dos imóveis listados ao Tombamento, sem saber, de imediato, o que deveriam fazer.

A Prefeitura, compulsoriamente, fez uma lista, sem critérios técnicos claros ou validados por órgãos competentes – eles existem, no Brasil, em nível nacional, estadual e, mesmo, local – lançando a bala do canhão que desencadeou o combate; os agentes imobiliários, sem alternativa, porque atacados, inesperadamente, de frente, reagiram com pesada artilharia para todos os lados, alvejando, entre outras coisas, alguns edifícios, que, realmente, “tombaram” (felizmente, por enquanto, ainda foram poucos os escombros contados); no meio de tudo, alguns cidadãos desnorteiam-se com o barulho, outros saem correndo, amedrontados, um grupo ri, apavorado, enquanto outros, pelo próprio medo, ou colocam-se na frente – braços estendidos – das pobres fachadas (já tão sofridas pela falta de manutenção, pelas cores horrorosas e pela dose excessiva de anúncios publicitários), ou vão, ingenuamente, conformar fileira – braços dados ou não – entre os opostos, na linha de batalha.

A Prefeitura, do governo participativo, não “construiu” a idéia – discute-a, para parecer que foi definida conjuntamente, mas tem peças que não realinha; os proprietários, leigos, não sabem bem porque seus edifícios têm esse interesse todo: nem são tão antigos, nem são tão bonitos; nenhum D. Pedro dormiu ou passou por lá... por que? Os agentes imobiliários, por sua vez, a partir de sua lógica, têm medo da cidade museificada, do cenário congelado, lugar onde não mais poderiam construir e lucrar. Não alcançam que se pode ganhar dinheiro com tal “Patrimônio”, quando bem tratado e divulgado; que vale a pena conservar não só por nostalgia ou apreço, mas por Identidade e Memória – reveladas pela antiguidade, história ou valor artístico de um edifício ou conjunto, mas, também, pelo significado peculiar a um grupo ou a toda a população – porque a cidade é permanência e continuidade. Não sabem que o Tombamento pode não significar a morte do edifício, a morte da cidade, quando pensado dentro de uma dinâmica que busque coincidir a cidade histórica e a cidade moderna, legítimas e de mesmo direitos, e não, necessariamente, excludentes.

Exemplos felizes no projeto e no concreto existem numerosos, nesse sentido... Baltimore, Rio de Janeiro, Curitiba, Pelotas, Triunfo. É uma luta que vale a pena ser lutada, embora as baixas e o desassossego; mas a divisa não deve ser a defesa ou a conquista de um único ponto de vista, como numa guerra qualquer: essa é a guerra da nossa vida, da vida em comunidade, para “a segurança e a boa vida”; por isso a bandeira deve ser o coletivo, em prol do bem comum: temos de dar uma dimensão um tanto mais “humana” ao lugar onde rimos e choramos.

sobre o autor

Fábio Müller é arquiteto e urbanista, mestrando no PROPAR/UFRGS e professor das áreas de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo na Universidade Luterana do Brasil/Campus Santa Maria e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões/Campus Santiago.

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