O bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, é objeto de vários estudos por seu planejamento (Plano Piloto para a Baixada de Jacarepaguá) e pelo rápido crescimento que experimentou no último quarto de século. Neste tempo, suas grandes avenidas foram alargadas para dar vazão ao crescente tráfego de automóveis, ganharam semáforos e controladores de velocidade. Suas torres residenciais e comerciais bem como supermercados, shopping-centers e condomínios de casas se espalharam atraindo novos moradores e trabalhadores. Projeto de Lucio Costa, é em área maior que o Plano Piloto de Brasília. Mas, apesar de datar de 1969, permanece até hoje inacabado.
Esse rápido crescimento deixou à mostra vários problemas, que na época do projeto não foram considerados ou considerados pouco importantes. O projeto não é compatível com um sistema eficiente de transporte público, levando o morador a optar sempre que possível pelo transporte individual. Seu traçado não oferece possibilidade de diferentes trajetos entre dois pontos (digo isto levando em conta o que foi construído até o momento.) Assim, não há como escapar de um engarrafamento. Seus espaços amplos oprimem o transeunte mais do que liberam a vista do horizonte. As longas distâncias multiplicam os gastos com infra-estrutura. São imensos os espaços vazios.
Para o cidadão que não possui carro, vir ao bairro é um transtorno. Para aquele que o tem, visitar o bairro representa um grande gasto de combustível já que as distâncias são grandes e um erro de caminho pode levar a uma grande volta para se alcançar o destino. A Barra é desarticulada do resto da cidade. Seu traçado é exceção no meio da cidade tradicional. Sua forma e densidade contrastam com os bairros adjacentes, seja Lagoa, Tijuca ou Jacarepaguá.
É inquestionável a genialidade do Projeto, fruto do pensamento de uma época, teve seus erros e acertos, como tudo mais. Foi feito em nome de uma utopia já contestada. Precisou ser construído, usado, avaliado para que hoje pudéssemos saber o que dele tiramos de bom e de ruim. Merece ser preservado assim como Lucio Costa o concebeu. Mas não deve ser propagado impensadamente. Seus custos são altos. Quem o pagará?
A cidade poderia ser mais densa, poderia ter mais parques. Não há necessidades de se existir tanta área livre dentro dos lotes. E, pior, não há necessidade de se ter tanto espaço livre nas vias públicas. Estes não são apropriados pela população e geram grande gasto com sua manutenção aos cofres públicos.
Isso leva a pensar: que custos são esses para a cidade? O Rio de Janeiro não é uma cidade pobre, mas até que ponto vale a pena gastar com o corte de grama de imensos gramados públicos, com o recapeamento de imensas extensões de avenidas e com extensas galerias de águas pluviais entre outros serviços necessários, enquanto há necessidades mais prementes.
Mas é isso que vem acontecendo: a cidade tradicional, com edificações coladas nas divisas, que bem definia quadras, praças, separava claramente espaços públicos de particulares perdeu lugar para a idéia modernista de espaços amplos e abertos já aí sem nenhum traço utópico mas como se fosse a única alternativa para fugir de imensos paredões edificados. De que vale exigir um afastamento de 3,00m da divisa do lote podendo a varanda ainda balancear 0,80m sobre esse afastamento? Que grande espaço se consegue aí? Um corredor de 4,40m. Isso quando o edifício vizinho não é colado à divisa e reduz este espaço pela metade.
Estas obrigações, ao invés de permitirem prover luz e ventilação ao cidadão (de cuja carência resultou o início da preocupação da questão urbana como ciência), terminam por privá-lo das mesmas. Faz com que existam apartamentos de frente para outras torres de onde não se consegue ver o céu e muito menos amplos espaços abertos. Não seria melhor ter um apartamento de frente para a rua ou para o interior da quadra em edifícios mais baixos? A vista do céu estaria garantida e se eliminaria espaços residuais. É verdade que em nosso país o espaço não é problema, mas a ocupação do território custa dinheiro que infelizmente não nos sobra.
Uma cidade mais densa certamente seria mais barata: menos gastos com infra-estrutura, com transporte público, menor tempo nos trajetos, menor gasto com combustível. A economia de dinheiro poderia ser revertida em melhorias para a população: mais parques, melhores hospitais, melhores escolas e uma cidade bem equipada e melhor cuidada. E, com o tempo economizado nos trajetos o cidadão poderia ter mais tempo para o lazer. Qualidade de vida em todos os sentidos.
Essa densidade não precisa ser aquela do Centro, Tijuca ou Zona Sul, mas sim conjuntos de edifícios mais baixos, contíguos que dariam forma às quadras e teriam uma escala mais humana. Grandes cidades européias possuem poucos edifícios altos e não são por isso menos densas e nem tampouco desagradáveis de se andar. Um bom exemplo dessa idéia está na própria Barra da Tijuca: a área do Jardim Oceânico, onde os edifícios têm três andares colados na divisa, se mostra mais densa que as demais subzonas do Plano, incluindo aí a concentração de torres de quase trinta andares na área conhecida por Athaydeville. A repetição deste modelo mais denso mas nem por isso opressor e desumano permitiria uma cidade mais compacta. Eles poderiam ser mais altos, ter cinco ou seis andares, aqueles que o próprio Lucio Costa julgou ideal para as superquadras de Brasília. As casas ficariam para os subúrbios, não tão distantes já que o tamanho da área urbana seria reduzido.
As vias poderiam ter caixas mais modestas, compatíveis com a altura das edificações e com o trânsito melhor distribuído por uma malha maior de vias. A cidade seria mais “capilarizada” e, com isso as “artérias” principais poderiam ser menos largas. O verde não deve deixar de existir nestas mas as grandes áreas arborizadas podem ser melhor agrupadas em parques, onde a população poderia realmente aproveitar seu tempo livre.
No entanto as largas avenidas na Baixada de Jacarepaguá seguem sendo abertas e/ou alargadas... E os edifícios isolados continuam se multiplicando tanto na Barra da Tijuca quanto em zonas urbanas de traçado tradicional, alterando a paisagem destes bairros.
Proponho pois, deixarmos os altos espigões apenas para os centros financeiros, e as largas pistas para as rodovias e auto-estradas para que assim possamos construir uma cidade mais uniforme, mais humana e, sobretudo mais barata.
sobre o autor
Daniel Delvaux Jaulino, arquiteto (UFRJ, 2001), Rio de Janeiro RJ.