Elaborando um roteiro a pé na área central de São Paulo, minha cidade, me coloquei fisicamente de encontro com memórias e reminiscências paulistanas, caminhando pelas ruas do centro. Andando, anotando e pensando tentei restabelecer as relações com alguns espaços, queria saber quando foi a primeira vez que ouvi algo sobre esses lugares. De repente me caiu a ficha, ou melhor, as cartelas e o tabuleiro do Banco Imobiliário, será possível?
Resolvi viajar no tempo e verificar o que saiu e o que entrou no tabuleiro do Banco Imobiliário dos anos 60 para os nossos dias. O jogo atual é fácil de encontrar, mas o “daquele tempo” só encontrei no Museu da Estrela, na Casa dos Sonhos, onde obtive autorização para verificar no tabuleiro da minha infância, que cidade era aquela em que apostávamos todos os nossos recursos imaginários, e compará-la com a do tabuleiro atual.
Nunca havia observado atentamente os logradouros oferecidos pelo jogo. É uma confusão generalizada de ruas, bairros, regiões, parques, aeroporto e acho que nunca ninguém reclamou, afinal o negócio era jogar e ganhar aqueles desejados dinheirinhos de papel jornal. E ainda é só isso o que importa.
Sabemos que o centro antigo e as áreas mais tradicionais da cidade foram abandonados, mas não tinha me dado conta de que esta fuga fora incorporada aos jogos infantis, notadamente este que fala de pontos e valores imobiliários. O choque foi grande. Imagino que até nas cidades destruídas por guerras a renovação urbana não foi tão radical. Aqui aconteceu uma autêntica revolução espacial, ou seja se analisarmos os logradouros que saíram na área central, pode-se verificar que o Banco Imobiliário também desistiu do Centro de São Paulo.
Tanto o jogo antigo como o novo, são de caráter nacional e o tabuleiro divide-se entre Rio de Janeiro e São Paulo, com 10 endereços para cada cidade, no antigo e 12 para São Paulo e 10 para o Rio, no novo. Milagrosamente nesse período os valores do “dinheiro” do Banco Imobiliário, acompanhados apenas de um cifrão, sem cruzeiros, cruzados ou reais mantiveram-se quase que inalterados, bem diferente da vida real, onde o preço de compra do próprio jogo deve ter aumentado em milhões ou bilhões de vezes.
No período desta minha pesquisa o Monopoly, título original do jogo criado em 1934, nos Estados Unidos, fez 60 anos e foi reconhecido como o jogo do século, com mais de 200 milhões de unidades vendidas em 80 países; só no Brasil são mais de 100 mil jogos vendidos por ano.
Os aficionados são muitos e se organizam comunidades, reais ou virtuais, com trocas de experiências, até no Orkut já existe um grupo de “loucos por Banco Imobiliário”. Nesses grupos discutem-se estratégias e formas dominar o tabuleiro, como derrotar os adversários e ficar literalmente com tudo. Não se fala do caráter de cada cidade e de sua mudança espacial.
Já imaginaram um jogo desses politicamente correto, seria muito chato? Quem investir nas áreas deterioradas, não paga imposto. Os hotéis das áreas centrais terão incentivos fiscais, será que daria certo? Cada jogo tem sua dinâmica e quem atualizou o nosso Banco Imobiliário não deve satisfações, mas provavelmente sentiu o que a realidade mostra em nossa cidade: a especulação, a criação de novos bairros e o abandono de locais antigos e consagrados deixa espaços, mesmo com boa infra-estrutura, em rápida decadência.
Na verdade a principal característica das brincadeiras infantis é brincar de ser “gente grande”, imitando os adultos e a vida social em atitudes e formas de conduta. O sucesso da boneca Barbie, para citar um único exemplo, está aí para comprovar a tese. Se o jogo fosse condescendente com a cidade seria ele irreal e falso? Não sei responder.
Resolvi restringir essa discussão à área central de São Paulo, de onde saíram todos os endereços que faziam parte do jogo: Praça da Sé, Avenida Ipiranga, Rua Anchieta e Campos Elíseos:
- A praça central da cidade, onde está o marco zero e a Catedral;
- A avenida que depois se tornou famosa por conta de seu cruzamento com outra, a São João;
- Uma rua, a Anchieta, que quase ninguém conhece e nem sei como entrou no jogo;
- Um antigo bairro chique, onde ficava o Palácio do Governador e acabou se deteriorando e transformando os casarões em cortiços.
No tabuleiro dos anos 1960, os 10 logradouros da cidade, hierarquizados por ordem de valores para compra, eram: Av. Ipiranga ($360), Rua Anchieta ($350), Av. Paulista ($350) Praça da Sé ($260), Av. 9 de Julho ($260), Pacaembu ($220), Jardim América ($180), Aeroporto de Congonhas ($140), Campos Elíseos ($100) e Parque Ibirapuera ($100).
No tabuleiro de 2004, os logradouros aumentaram de 10 para 12 e são: Morumbi ($400), Interlagos ($350), Jardim Paulista ($280), Brooklin ($260), Av. Brigadeiro Faria Lima ($240), Av. 9 de Julho ($220), Av. Rebouças ($220), Av. Europa ($200), Rua Augusta ($180), Av. Pacaembu ($180), Av. Paulista ($140), Jardim Europa ($140).
E o Banco Imobiliário de 2010 como será? Só haverá Shopping Centers? A dinâmica da cidade poderá reverter o destino do jogo?
Com os movimentos de recuperação do centro de São Paulo, a retomada de atividades com a volta de órgãos governamentais, a desmontagem do minhocão e a conseqüente revalorização dos Campos Elíseos e circunvizinhanças, quem sabe se nos Bancos Imobiliários do futuro, as velhas cartelas dos logradouros das áreas centrais de São Paulo não serão reabilitadas e reincorporadas?
[artigo publicado originalmente na revista Urbs, São Paulo, Associação Viva o Centro, jan. 2006, p. 24-25.]
sobre o autor Michel Gorski, arquiteto e urbanista em São Paulo, co-editor da editoria Arquiteturismo do Portal Vitruvius.