O mundo contemporâneo urbaniza-se cada vez mais. As cidades alargam seus limites, muitas invadem o meio rural, outras deixam seus moradores ocuparem terrenos íngremes, alagadiços ou impróprios para moradias. De qualquer forma, sobretudo em países subdesenvolvidos, morar próximo ao local de trabalho é um desafio e uma aspiração seja qual for a classe social a que pertença o urbanita. Na América Latina e especialmente no Brasil, o desafio da moradia para os pobres foi enfrentado não com políticas públicas de longo alcance, pois a omissão e o improviso foram adotados pelos administradores públicos, assim como o “laissez faire” das moradias informais, as favelas ou os continuados empreendimentos do setor imobiliário. A classe média, todavia, continua tendo seu problema resolvido pela abundante oferta do mercado imobiliário.
Em nosso contexto geográfico, a favela foi o ajustamento possível diante dos altos custos dos imóveis construídos por empresas e mesmo por governos municipais. Em vista disso, a favela se espraia, acompanha o declive de morros ou as várzeas e barrancas de rios. Nesses casos, a moradia dos empobrecidos fica à mercê de inundações ou queda de barreiras, o que aumenta as possibilidades de acidentes graves com perdas de vidas e incalculáveis perdas materiais.
No caso de Brasília, vê-se que a cidade é um “imenso canteiro de obras”, como escreveu o grande geógrafo Milton Santos. Como canteiro de construções várias, no centro e nas cidades-satélites, a Capital é um contínuo edificar, ensejando que a população reivindique acabamentos necessários para tornar o ambiente menos hostil, com uma “Segunda Natureza” menos árdua. Será menos “selva de pedra” se, nos acabamentos, forem introduzidas melhorias no setor da arborização; aumento da área gramada e de pequenos lagos, tudo para amainar a dureza do período seco.
Se o conforto ambiental é uma demanda, sobretudo na empoeirada periferia, o mesmo acontece com a pavimentação para pedestres e veículos. Há núcleos urbanos no DF que, implantados há anos, não contam com passeios e ruas pavimentadas. No período chuvoso, as pessoas convivem com a lama, sendo complicado locomover-se para qualquer atividade, sobretudo para as crianças, na ida à escola. No período seco e frio, a convivência com o pó chega ao ponto crítico de afetar a respiração de crianças e idosos, que lotam hospitais.
Em relação às vias públicas, o GDF deve dotar as paradas de ônibus com um mínimo de conforto, inclusive com banheiros públicos. Há ruas e avenidas em que o “ponto de ônibus” se reduz às placas, muitas delas depredadas pela revolta dos que ainda não foram admitidos à urbanização civilizada. Mas, as paradas de ônibus são “pormenores”, se comparadas aos próprios veículos de transporte coletivo. Felizmente, já não circulam mais as “gaiolas”, verdadeiros “paus de arara”, para transporte de operários. Os velhos ônibus, alguns com data de validade vencida, são caminhões com carroceria e bancos sem conforto. Circulam sujos e quebram com freqüência, trazendo prejuízos para os que chegam atrasados ao trabalho, se cansam já no início do dia e pagam passagens das mais caras do país. O prejuízo é para quem depende desse transporte coletivo e para as empresas que empregam trabalhadores das satélites; portanto, danos para os “usuários”, que são tratados como “meio-cidadãos” e, para a economia, pois cansaço e atrasos reduzem o poder de produção dos trabalhadores. Transportes coletivos de melhor qualidade, portanto, é um dos acabamentos prioritários para Brasília. Ou se amplia a rede do trem suburbano (metrô).
Mas, há inúmeros outros complementos para os moradores da cidade e para turistas, como banheiros públicos e facilidades para a locomoção entre os diversos setores da Capital. Claro está que grandes obras como pontes, viadutos e duplicação de pistas estão na agenda há quase três lustros. Com isso, o setor construtivo emprega e lucra. Mas, a grande massa da população requer mais do que flores nos canteiros centrais do Plano Piloto de Brasília. Embelezar interessa, mas as prioridades acima enumeradas vão para mais perto da massa populacional periferizada e necessitada de escolas com maior número de professores, com melhor equipamento didático, conforto e segurança; hospitais com maior equipe médica e atendentes, melhor equipados para consultas e exames. Por outro lado, hospitais e escolas devem ter seus prédios reformados e ampliados.
Atentar para a pequena escala ou o cotidiano dos brasilienses é urgente e requer políticas públicas de médio e longo prazo. Por isso, o GDF e os empreendedores privados devem assumir uma visão de futuro, pondo nas respectivas pautas o setor habitacional. Não basta à população ter o lote (“legalizado” ou não), pois ela requer moradias condignas e investimento em água tratada e saneamento básico. O GDF deve por obstáculos a legalização pura e simples dos quase quinhentos condomínios, pois alguns deles ocuparam terras impróprias à ocupação habitacional, ecologicamente falando. Outros são frutos de grilagem de terras públicas e privadas, num cipoal jurídico de difícil resolução. Por isso, a ser verdadeira a legalização pretendida, alguns loteamentos serão atestados públicos da impunidade que grassa no país. Além disso, melhores condições para o setor produtivo e para a classe trabalhadora são imperativas: morar próximo do local de trabalho é aspiração generalizada em toda a metrópole. Descentralizar e ampliar as oportunidades de trabalho é mais do que um acabamento urbano: é estratégica necessidade para o DF sair do epíteto de “cidade da burocracia”.
Enfim, o que se sugere é a volta do planejamento urbano, com visão de totalidade e que perpasse governos do DF por décadas.
nota
1
Artigo originalmente publicado com o título "Acabamentos urbanos no DF" e em formato condensado no jornal Correio Braziliense, Caderno Opinião, p. 25, 07 jul. 2007.
sobre o autor
Aldo Paviani, geógrafo e pesquisador associado da UnB.