Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

my city ISSN 1982-9922

abstracts

how to quote

GOROVITZ, Matheus. Sobre uma obra interrompida. O Instituto de Teologia de Oscar Niemeyer. Minha Cidade, São Paulo, ano 09, n. 098.02, Vitruvius, set. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.098/1877>.



 
Todos os movimentos da alma são regidos por leis análogas às da gravidade. Somente a graça constitui a exceção.

(Simone Weil, A gravidade e a graça)

O Instituto de Teologia projetado em 1962 por Oscar Niemeyer é obra inconclusa, foi interrompida pela barbárie. Darcy Ribeiro relata:

“Quando a Universidade de Brasília foi invadida e tomada de assalto pelas briosas tropas da polícia mineira, o único dos vários institutos que criamos que se viu destruído foi o de Teologia Católica. O ódio que suscitava era tamanho que, além de denunciar e anular o convênio da Universidade com a Ordem Dominicana, incendiaram o próprio edifício do Instituto de Teologia que era, aliás, uma das mais belas obras de Oscar Niemeyer” (1).

Mudo o tempo do verbo, pois o belo está presente nessa obra, e apenas espera que o olhar educado ilumine a consciência da necessidade de concluí-la.

Imaginação

O Instituto de Teologia inaugura, com os projetos para Brasília, uma nova diretriz na trajetória artística de Oscar Niemeyer enunciada no “Depoimento” de 1958:

“As obras de Brasília marcam, juntamente com o projeto para o Museu de Caracas, uma nova etapa no meu trabalho profissional. [...] Neste sentido, passaram a me interessar as soluções compactas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original. Dentro do mesmo objetivo, passei a evitar as soluções recortadas ou compostas de muitos elementos, difíceis de se conterem numa forma pura e definida” (2).

Resumo o que grifei: volumes geométricos, harmonizados com o espaço exterior, somados às estruturas são os expedientes expressivos adotados como fatores ordenadores do partido plástico e concorrem, pela mais avançada racionalidade, para objetivar a imaginação enquanto recurso de criação artística. Niemeyer resume tal estratégia: “Do encontro da imaginação com a poesia e a técnica nasce a arquitetura” (3).

Shakespeare distingue o arbítrio, ilusão, fantasia, devaneio ou alucinação da ação imaginativa do artista porque esta se apóia sempre em fatos reais e concretos da percepção:

“Loucos e amantes têm mentes tão inflamadas,Neles a fantasia é tão imaginativa, que enxergamO que a fria razão jamais poderá entender.O lunático, o amante e o poetaSão todos feitos de imaginação;Um vê mais demônios do que há no inferno:Pensa encontrar Helena num semblante egípcio;O olho do poeta, num arrebatado refinamento,Olha da terra ao céu, do céu à terra,E enquanto a imaginação concebeFormas desconhecidas, sua penaDá-lhes corpo e, ao vazio etéreoDá um lugar de moradia e um nome”.Shakespeare, Sonhos de uma noite de verão, Ato V, Cena I

A estrutura define o projeto, como quer Niemeyer: “Quando a estrutura está pronta, é a arquitetura, é o momento de criação da arquitetura em si”. A colunata se destaca do bloco vedado como entidade autônoma, mesmo partido adotado no Itamaraty.

O pórtico avarandado visa à fluidez e continuidade entre o espaço da natureza, da edificação e do entorno. Confluem, também com a mesma intenção: a esbelteza dos componentes estruturais, os volumes curvilíneos da Igreja, a horizontalidade, a rampa de grandes proporções, a presença do cruzeiro e o entorno paisagístico tratado como área de transição – como esplanada – a exemplo do átrio que dá acesso à Igreja.

Tais disposições revelam a filiação artística à tradição do Barroco, como confessa o arquiteto referindo-se ao projeto: “Terá característica arquitetônica diferente – barroca se o desejarem”. A descrição de Argan sobre o espaço do Barroco corrobora com esta afirmação:

“Um relacionamento livre entre o edifício e o entorno exclui a possibilidade de distinguir como valor a relação exterior e interior. Há continuidade entre natureza “natural” e natureza “artificial”. É uma segunda natureza implantada na primeira, prolongando-a no movimento sempre mais livre das massas, na curvatura das superfícies, na articulação do edifício ao meio ambiente por rampas, terraços, pórticos, projeção ou recuo dos volumes, enfim, na configuração do entorno como parque ou jardim” (4).

O terraço, projetado à guisa de claustro conventual, reprisa o partido adotado por de Le Corbusier no Convento La Tourette (1956). É igualmente permeado pelo espaço natural com o mesmo propósito: “O homem e a natureza postos, novamente, em contato efetivo” (5).

Vedado pelo atual ocupante, a Secretaria da Educação, o outrora belo terraço avarandado, agora desfigurado, denuncia a síndrome da agorafobia epidêmica que se alastra por Brasília: o impulso irrefreado de confinar os espaços abertos e deles se apropriar como o que ocorre nos pilotis dos blocos de superquadra e comércios de entre quadra.

Natureza

A imaginação criativa opera por analogia – o distanciamento entre modelo e imagem. Para Niemeyer, a garantia de harmonia reside na analogia entre natureza e arquitetura:

“A arquitetura se baseia em razões permanentes, em leis eternas de equilíbrio, proporção e harmonia [...] O espaço arquitetural faz parte da arquitetura e da própria natureza, que também a envolve e limita” (6).

“No sentido mais geral, a natureza é a existência das coisas sob leis”, assim postulado por Kant, o conceito de natureza é análogo ao de harmonia definido por Lucio Costa como recurso de composição plástica: “Subordinação de todas as partes a uma determinada lei” (7). Para Niemeyer, a noção de natureza – os fenômenos subordinados a uma lei geral de causalidade – é o lastro do seu imaginário e paradigma estruturador da arquitetura: “A arquitetura se baseia em razões permanentes, em leis eternas de equilíbrio, proporção e harmonia”.

A imaginação artística é legitimada pela analogia e pela a plenitude da obra decorrente da sua racionalidade intrínseca. Segundo Kant: “Valemo-nos da imaginação para remodelar a experiência, sempre ainda segundo leis baseadas na analogia, mas ainda segundo princípios sediados na razão” (8).

Da coerência proveniente da rigorosa estruturação em si, determinada de modo singular pelo partido plástico, depende a eficácia da imagem poder promover o necessário distanciamento tornando-a inteligível, passível de decodificação. Volumes puros, fluidez espacial e a estrutura interagem, e, mediante caráter sistêmico, conferem integridade ao partido plástico. Pela permeabilidade espacial conjugada à singeleza volumétrica e às estruturas, a arquitetura mimetiza a natureza. Como nos demais projetos, o Instituto de Teologia impregna a paisagem e é por ela impregnada. Niemeyer enfatiza:

“O espaço arquitetural é a própria arquitetura, e, para realizá-la, nele interferimos externa e internamente, integrando-a na paisagem e nos seus interiores, como duas coisas que nascem juntas e harmoniosamente se completam [...] O espaço arquitetural faz parte da arquitetura e da própria natureza, que também a envolve e limita. Entre duas montanhas ele está presente e nas suas formas se integra como um elemento de composição paisagística” (9).

Estruturas

No mesmo sentido, Niemeyer celebra a natureza pela identidade entre estrutura considerada como sistema tectônico e estrutura entendida como sistema plástico. Confere verossimilhança aos seus projetos ao conotar o princípio da necessidade, de causa e efeito das forças naturais intrínseco à lei da gravidade. A lógica estrutural legitima e dá credibilidade à visão deslumbrada, tornando-a verossímil. Oscar Niemeyer imprime dramaticidade explorando os recursos da técnica do concreto armado, seja reduzindo as dimensões dos componentes estruturais, tornando-os muito delgados, esbeltos e filiformes ou, alternativamente, conferindo expressividade pelas pelos grandes vãos e apoios monolíticos.

Pré-fabricação

O Instituto de Teologia alinha-se com os demais projetos para a Universidade de Brasília e com o Ministério da Defesa como exemplo pioneiro no Brasil da pré-fabricação. Notável é o fato de Niemeyer tirar partido plástico deste sistema construtivo. Cumpridos os requisitos técnicos e funcionais, o suporte vertical pré-fabricado comparece como artifício compositivo. Por suas dimensões, é o fator de comodulação que contrapõe à horizontalidade um fator de comensurabilidade e proporcionalidade harmonizando, assim, as partes entre si e com relação ao todo:

“Razões econômicas fazem preponderar a pré-fabricação de concreto armado que, já constituindo rotina no Exterior, assumiu, entre nós, características próprias e, a meu ver, mais flexíveis e inovadoras [...] Não sou favorável aos conjuntos pré-fabricados que visitei na Europa, apesar do avanço técnico que apresentam. Seus objetivos são de total economia, o que explica os aspectos monótonos e repetidos” (10).

Escalas

No risco preliminar, a arcada acompanhava toda a extensão do bloco vedado. Entretanto, apenas um trecho da arcada foi construído. A alteração foi deliberada pelo arquiteto, conforme depoimento pessoal do Professor Ernesto Walter, responsável pelo cálculo estrutural. A reformulação evidencia a identidade própria de cada uma das escalas além de conciliar as diferenças destas dimensões profana e sagrada consubstanciadas em escalas: Coloquial, onde se desenvolvem as atividades cotidianas; e Monumental, simbolizada pelo peristilo. A implantação da Igreja, não construída, retoma o partido do Palácio da Alvorada, cujo compromisso com a tradição é lembrado por Niemeyer:

“O Palácio da Alvorada, em Brasília, sugere elementos do passado – o sentido horizontal da fachada, a larga varanda que desenhei com o objetivo de proteger esse palácio, a capelinha a lembrar, no fim da composição, as nossas velhas casas de fazenda” (11).

Desenho, desígnio

Concluo pelo momento de geração do projeto, o traçado. Feito no seu carro em viagem para o Rio, consubstancia o imaginário de Niemeyer e ilustra sua contribuição para o desenvolvimento desta faculdade de criar um mundo à imagem e semelhança das aspirações, necessidades e possibilidades de um viver mais humano. Através dos desenhos exerce a arte do ofício, acena para a utopia maior, a condição de possibilidade de construção de uma natureza propriamente humana – o estabelecimento de uma comunidade ideal do possível.

Que o cego vandalismo destrua a dimensão utópica, imagem de aspiração e de liberdade, torna a utopia ainda mais significativa nestes tempos sofridos. A arquitetura deve permanecer utopia – tanto mais quanto a incompreensão impede a utopia.

[texto originalmente publicado no Caderno Pensar do Correio Braziliense, 8 dez. 2007.]

notas 1
RIBEIRO, Darcy. UnB: invenção e descaminho. Rio de Janeiro, Avenir, 1978, p. 27.

2
NIEMEYER, Oscar. “Depoimento”. Módulo, n. 9, Rio de Janeiro, fev. 1958, p. 3-6.

3
Idem, ibidem.

4
ARGAN, Giulio Carlo. L’âge barroque. Genève, Skira, 1994, p. 102. Grifo do autor.

5
LE CORBUSIER. Une oeuvre; un combat; un homme. Catálogo de exposição de fotografias de Lucien Hervé. Paris, [s./ ed.], 1966, p. 12.

6
NIEMEYER, Oscar. Op. cit.

7
COSTA, Lucio. Sobre arquitetura. Porto Alegre, CEUA, 1962, p. 148.

8
KANT, Immanuel. The critique of judgement. Oxford, Oxford University Press, 1952, p. 176.

9
NIEMEYER, Oscar. Op. cit.

10
Idem, ibidem.

11
Idem, ibidem.

sobre o autor Matheus Gorovitz (1938) graduou-se pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1965) onde concluiu o mestrado (1989) e doutorado (1996); estagiou como pós-doutor na Université de Paris I Sorbonne (2000); professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília onde ministra disciplinas de história da arte e estética nos cursos de graduação e pós-graduação; autor de: Brasília, uma questão de escala e Os riscos do projeto

comments

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided