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my city ISSN 1982-9922

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SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da; LEITE RIBEIRO, Edson. Cidade e história, caminhos e aspirações: qual a cidade que queremos? Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 114.03, Vitruvius, jan. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.114/3389>.


Zona portuária obsoleta em Buenos Aires
Foto Abilio Guerra


Vista aérea de São Paulo
Foto Nelson Kon

Vista aérea do Rio de Janeiro
Foto Nelson Kon

 

O debate sobre os problemas da cidade atual, a exemplo da favelização, violência, acelerada expansão, periferização, carências de infraestrutura, especulação fundiária e imobiliária e problemas de transporte, e suas possíveis soluções, negligencia uma reflexão sobre importante questão: qual a cidade que queremos, realmente? A pergunta é fundamental para alcançar as transformações almejadas, mas ainda insuficiente. Outras duas questões são igualmente importantes, na busca de alternativas viáveis: qual a cidade que precisamos e qual a cidade que podemos ter? Os pontos podem favorecer ao alcance de ações estruturais, difíceis de serem efetivadas, pois a estrutura intra-urbana representa historicamente, em sua configuração, as correlações de forças que constroem o ambiente urbano, sua lógica evolutiva e práticas estabelecidas na cidade. Resulta de ações e projetos desintegrados, de disputas, do jogo de interesses dos atores sociais e das forças que produzem e se apropriam do espaço intraurbano.

As alternativas pensadas para as nossas cidades geralmente não visualizam adequadamente a realidade, física e social, da urbe, sua estrutura, restrições, vocação e potencialidades, nem tampouco definem suficientemente como, onde e quando as ações desenhadas serão desenvolvidas, no espaço e no tempo. Assim, desperdiçam-se oportunidades de identificar proposições integradas, estruturantes e sustentáveis, de curto, médio e longo prazos. Julgamos que, com essas reflexões, pode-se abrir caminho para alcançar cenários desejados, procurando equacionar e minimizar os conflitos e contradições intraurbanas. Como já nos dizia o geógrafo Milton Santos, cada uma daquelas realidades-problema supracitadas sustenta e alimenta as demais e o crescimento da cidade é, também, o crescimento sistêmico dessas características, num verdadeiro círculo vicioso, onde os fatores mutuamente se causam, podendo perpetuar a problemática (1).

O quadro sob observação é agravado frente às profundas desigualdades sociais, verificadas especialmente em países em desenvolvimento, onde se aprofundam conflitos e contradições intraurbanas, materializadas quando da superposição de sítios sociais ao sítio físico natural, evidenciando as disputas entre atividades ou pessoas e grupos por dada localização na cidade. As localizações, a forma urbana e a acessibilidade são importantes variáveis para o esclarecimento da dinâmica da cidade, pois evidenciam a sua lógica evolutiva, no tempo e no espaço.

Na verdade, a dinâmica estrutural do espaço intraurbano (o espaço interno de uma cidade), do ponto de vista físico e social, é muito mal compreendida. As aglomerações, do ponto de vista natural, representam uma nucleação semelhante ao “modelo gravitacional”, onde os fluxos de energia e matéria, dada a atratividade, seriam otimizados, através da aproximação e articulação, de onde um dos objetos produzidos mais representativos é a área central da cidade, como um elemento primordial, revelando aspectos da economia de aglomeração.

O espaço da cidade, ao contrário de espaços regionais e nacionais, possui uma dinâmica particular, relacionada à acessibilidade, às localizações e à dinâmica de segregação das diferentes classes sociais. Como identifica Flávio Villaça, é estruturado fundamentalmente pelas condições de deslocamento das pessoas, enquanto portadoras da mercadoria força de trabalho e enquanto consumidoras. Ainda conforme o mesmo autor, no tocante à acessibilidade e à mobilidade, o espaço intraurbano é heterogêneo e setorizado, a partir da localização e das principais rotas de deslocamento na cidade. A acessibilidade pode ser considerada o valor de uso mais importante para a terra urbana, embora toda e qualquer terra o tenha, em maior ou menor grau (2). Também compõem a dinâmica da cidade, intrinsecamente, a sua lógica evolutiva, as propriedades físico-territoriais (morfológicas) e determinadas leis sócio-espaciais, ligadas à dinâmica de segregação das classes sociais. Nesse quadro estabelecem-se relações biunívocas entre a acessibilidade (transportes) e o uso do solo urbano.

De fato, uma das questões principais da cidade contemporânea é a perda do seu caráter social. Esse espaço tem originalmente e idealmente uma vocação coletiva, pública e abrangente. Considerável parcela de seus problemas advém do fato de serem predominantemente construídos através de decisões individualistas ou oligopolistas.

Hoje, a maior parte da população mundial vive em cidades, com tendência de acelerado incremento da população urbana; por isso a preocupação com o espaço intraurbano é fundamental, sendo esse fenômeno relativamente recente. Os primeiros hominídeos apareceram há, pelo menos, quatro milhões de anos e o homo sapiens apareceu há aproximadamente trezentos mil anos. No entanto, a cidade surge há aproximadamente seis mil anos (a cidade antiga pré-clássica), nas regiões da Mesopotâmia, Egito – Vale do Rio Nilo – e Vale do Rio Indo.

Antes do surgimento da cidade, a sociedade humana passou pela experiência da aldeia, um estágio pré-urbano, muito diferente da cidade. Na cidade da antiguidade clássica, os edifícios e os espaços públicos assumiram grande importância, destacando-se a polis grega, a civitas e a maior cidade da antiguidade clássica: Roma, identificada pela extensão do seu território imperial. Com a ruptura do Império Romano, surge a cidade feudal e o burgo medieval, com economia agrícola e participação do artesanato, apresentando estrutura física simples, geralmente concêntrica, mas com produção econômica interna e divisão social do trabalho mais complexa, contendo atividades especificamente urbanas.

Com a introdução gradativa de um capitalismo pré-industrial, mercantilista, a partir do Renascimento, visualizam-se grandes desigualdades sociais e a especulação, com a acumulação da riqueza. A monumentalidade das construções e dos espaços voltam a fazer parte do espaço urbano. Historicamente, a urbanização mais vigorosa foi fruto da concentração de riquezas e poder, que conduziram à fascinação pela cidade e, as fases mais intensas, ocorreram no período industrial, onde as regiões que mais se urbanizavam eram as mais industrializadas.

A cidade industrial, pela primeira vez na história, começa a produzir mais riquezas que o espaço rural, como locus da produção, atraindo mais populações para o meio urbano, donde ressaltam-se o desejo de “modernização” e as reformas sanitaristas, no âmbito do tripé ordenar – embelezar – sanear. As idéias modernistas internacionalizadas, da primeira metade do século XX, e a produção em larga escala, onde destaca-se o automóvel, desenvolveram a infra-estrutura e produziram também novas necessidades urbanas. Surge, então, nova idéia fundamental para a estrutura urbana: “habitar – trabalhar – circular – recrear”.

A década de 1970 gerou muitas modificações na sociedade, na estrutura da cidade e no pensar o planejamento: o urbano se “globaliza” e emergem as preocupações ambientais de forma ampla e, no Brasil, intensifica-se a chamada “urbanização acelerada”, iniciada nos anos 1940/1950.

Nesse quadro, alguns aspectos positivos podem ser indicados: redução do consumo de recursos naturais; estruturação de sistemas de transportes coletivos nas cidades; inclusão de portadores de necessidades especiais; redução do processo de metropolização excessiva; etc. Por sua vez, os aspectos negativos foram: superacumulação e concentração de riquezas; aumento da miserabilidade urbana e das desigualdades sociais; segregação em enclaves urbanos – de um lado o condomínio de luxo e do outro lado a favela –, que já existia no período anterior, aumentando consideravelmente as suas dimensões.

Na América Latina, a urbanização foi intensa e inadequada. O Brasil, na década de 1920, tinha apenas 20% da população morando em áreas urbanas e 80% morando em áreas rurais. Ao final do século XX a situação era inversa: 80% já moravam em cidades. No nível mundial, é apenas neste século que a população urbana supera o número de pessoas morando em áreas rurais.

No Brasil, as cidades ocupam muito mais área do que deveriam ocupar, onde as populações segregam-se em setores sócio-espaciais, destacando localizações territoriais, a especulação e a valorização da terra urbana, a periferização e o aumento do tamanho da cidade. As cidades se espalham de forma cada vez mais rarefeita e inadequada, aumentando seus custos e inviabilizando os aspectos coletivos globais intraurbanos, onde o modelo de transporte adotado termina por alimentar essa dinâmica, em que a cidade nunca cresce para dentro. Os problemas das cidades são semelhantes mas, alguns, destacam-se em algumas delas: o trânsito em São Paulo; a informalidade e a violência no Rio de Janeiro; os alagamentos em Belém; o saneamento em Belo Horizonte; as severas restrições geográficas à organização territorial em João Pessoa, etc. É indiscutível que, apesar dos discursos públicos, o planejamento (estrutural) foi negligenciado no Brasil, onde foram produzidas inúmeras ilusões. De fato, falsas explicações sobre os problemas urbanos geraram falsas receitas para superá-los, agravando os conflitos da cidade, a partir de visões equivocadas (conscientes ou inconscientes) entre o que é desenvolvimento (qualidades) e o que é “crescimento” (quantidades). Por outro lado, todos concordam com os fins (melhorar as cidades), mas com os meios,... não! Esses são complicadores ao efetivo planejamento estrutural da cidade.

O que fazer? Deve-se procurar entender a cidade e a sua realidade, buscando ações integradas, flexíveis, oferecendo alternativas e oportunidades urbanas iguais. Essas questões pontuam, além de ações sociais básicas (educação, emprego e renda), a profissionalização da gestão pública, as operações urbanas consorciadas, um olhar especial sobre as cidades de porte médio (ainda com chances de recuperação), o enfrentamento da questão favela, a organização do transporte coletivo, o planejamento estrutural das cidades, e não se intimidar com esses desafios urbanos, em busca de uma cidade mais integrada. Esse parece ser um caminho na busca da cidade que queremos, mas que precisamos e podemos ter, de caráter coletivo e social, sustentável e com possibilidades de oferecer uma melhor qualidade de vida para os seus cidadãos.

notas

1
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo, Hucitec, 1993.

2
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Nobel, 1998.

[texto elaborado a partir de palestra apresentada pelos autores no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, seção da Paraíba, à diversos segmentos da sociedade civil, em setembro de 2008]

sobre os autoresJosé Augusto R. da Silveira – Arquiteto e urbanista, Professor Doutor da Universidade Federal da Paraíba

Edson Leite Ribeiro – Arquiteto e urbanista, Professor Doutor da Universidade Federal da Paraíba

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