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my city ISSN 1982-9922

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A prevalecer a atual tendência de tratar as edificações como objetos sujeitos a modismos insólitos e transitórios, não há dúvida de que, com o passar do tempo, a imagem da cidade se assemelhará a uma colcha de retalhos dissonantes

how to quote

JANOT, Luiz Fernando. Cidades espetaculosas. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 137.02, Vitruvius, dez. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.137/4159>.


Região da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro
Foto Southamerican [Wikimedia Commons]


No Rio, durante a segunda metade do século passado, eram raros os empresários da construção civil que davam importância para a aparência externa das edificações. Diante de um mercado consumidor pouco exigente e preocupado apenas com o espaço interno das unidades privativas, o resultado não poderia ser outro, senão um conjunto de prédios desprovidos de qualquer preocupação estética. Nas duas últimas décadas, esse comportamento deu lugar a uma tendência de transformar as construções em ícones arquitetônicos exuberantes, especialmente na Barra da Tijuca. Aos poucos, esse conceito chegou às obras públicas e, com ele, a cidade passou a incorporar construções estilosas que desconsideram o contexto urbano onde se situam. Um exemplo evidente é a passarela da estação “Cidade Nova” do metrô carioca, com seus arcos e tirantes exagerados, comprometendo a paisagem histórica do Canal do Mangue e sua aleia de palmeiras imperiais.

A história das cidades demonstra que, com o passar do tempo, o que costuma perdurar é o conjunto externo das edificações, enquanto que os usos e as funções se modificam de acordo com as transformações sociais, econômicas e culturais. A prevalecer a atual tendência de tratar as edificações como objetos sujeitos a modismos insólitos e transitórios, não há dúvida de que, com o passar do tempo, a imagem da cidade se assemelhará a uma colcha de retalhos dissonantes. Se, ao contrário dessa tendência, as edificações apresentarem padrões de qualidade arquitetônica consistentes, não restará dúvida de que a integridade das construções será preservada, independentemente dos usos a que forem destinadas. No Rio, os prédios do antigo Paço Imperial, na Praça XV, do Centro Cultural do Banco do Brasil, na Candelária e do Palácio do Catete são exemplos de edificações históricas que tiveram seus usos alterados sem qualquer comprometimento do seu valor estético. Viena, Praga, Moscou, Paris, Londres e Nova York são cidades que souberam proteger a sua ambiência urbana da ação predatória das construções espetaculosas e esteticamente inconsistentes.

Atualmente, estamos convivendo com a influência das “cidades-espetáculo” concebidas exclusivamente para atrair turistas interessados em consumir as suas luxuosas ofertas lúdicas. Dubai e Abu Dahbi, nos Emirados Árabes Unidos, são exemplos paradigmáticos desse tipo de cidade. A forma como se dá a comercialização imobiliária nessas cidades, inclui empresas de corretagem especializadas em adestrar o gosto dos futuros clientes aos seus extravagantes padrões estéticos. O deslumbramento com a sua aparência vem agregando, a cada dia, mais seguidores. Numa outra escala arquitetônica, encontramos, na periferia das grandes cidades, os imensos condomínios residenciais construídos em perfeita sintonia com os seus similares norte-americanos. Portanto, não será surpresa encontrar, no Brasil, simulacros burlescos dos condomínios exibidos nos filmes “Beleza americana” e “O show de Truman”. Vale a pena conferir. Nesse momento, diante da crise econômica mundial, cabe refletir sobre quanto tempo deverá durar a ciranda financeira que sustenta esses tresloucados empreendimentos imobiliários globais.

A verdade é que as sociedades estão se tornando cada vez mais dependentes dos padrões de consumo impostos através dos meios de comunicação. A aparente esquizofrenia em possuir, a qualquer custo, o último modelo de celular, de computador e de automóvel chegou ao mercado imobiliário transformando os imóveis em bens de consumo descartáveis. O insofismável processo de mercantilização da cidade se estendeu para além dos limites atribuídos à iniciativa privada. Também o poder público, na ânsia de se mostrar up to date, passou a realizar obras para despertar a atenção dos eleitores e atender a interesses injustificáveis. O recente projeto para implantação de um teleférico na favela da Rocinha - contrariando o plano diretor daquela localidade que prevê planos inclinados para o transporte de pessoas, carga e coleta de lixo - é um exemplo típico de demagogia política e desperdício de dinheiro público.

Com a repercussão dos grandes eventos esportivos, o Rio se transformou em palco para a atuação de grandes investidores. Entretanto, o caráter altamente especulativo dos investimentos financeiros internacionais exige que os governos assumam, de fato, o papel de mediadores dessa complexa engrenagem econômica e política. Caso contrário, a sociedade e o cidadão comum não passarão de meros espectadores diante da realização dessas vultosas obras públicas.

nota

NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Cidades espetaculosas. O Globo, Rio de Janeiro, 29 out. 2011.

sobre o autor

Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.

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