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my city ISSN 1982-9922

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O divertido artigo comenta as políticas públicas para agricultura urbana em São Paulo, desde os anos 80 até hoje, que oscila entre “pavê” e “pacumê”, na corruptela nheengatu. Contudo, a inovação do prefeito atual deixa em dúvida se é “parri” ou “pachorá”.

how to quote

CALDAS, Eduardo de Lima; JAYO, Martin. É pavê ou pacumê? Agricultura urbana em São Paulo em tempos de cidade linda. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 205.01, Vitruvius, ago. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.205/6637>.


Corredor verde implantado pela gestão Doria, com alecrim, manjericão, orégano e salsa, entre outras espécies
Foto divulgação [Prefeitura de São Paulo]


O nheengatu, “língua geral” desenvolvida pelos jesuítas nos séculos 16 e 17 com base no vocabulário e na pronúncia tupi, é a base do dialeto caipira, que dentre outras características suprime o “r”, seja no meio, seja no final das palavras. Então, é pavê ou pacumê?

Essa clássica pergunta feita em nheengatu serve muito bem para orientar as análises sobre agricultura urbana e periurbana no município de São Paulo.

A Região Metropolitana de São Paulo, pouco a pouco, perdeu sua tradicional função de “cinturão verde” produtor de hortifrutigranjeiros, responsável pelo abastecimento da capital. Ferraz de Vasconcelos há muito tempo não é a terra do pêssego; Suzano também há muito deixou de ser a terra do morango ou a cidade das flores; e a região Leste do município de São Paulo, com certa influência da colonização japonesa, deixou de produzir hortifrutigranjeiros e pêssegos, restando apenas nome de uma importante avenida: Jacu-Pêssego.

Horta “pacumê” em São Mateus, zona leste de São Paulo, 25 jul. 2017
Foto Martin Jayo

A periferia e o subúrbio de São Paulo se adensaram, e as áreas que outrora abrigavam chácaras produtoras de hortifrutigranjeiros atualmente são bairros populares densamente povoados, em geral por pessoas que se deslocam diariamente para a região central. A especulação imobiliária, o modelo espraiado de crescimento urbano de São Paulo e as políticas públicas de habitação – das antigas Cohabs ao mais recente Minha Casa Minha Vida – favoreceram esse processo de crescente urbanização.

Ao mesmo tempo em que a cidade se vê obrigada a abastecer-se de alimentos vindos de cada vez mais longe, o tema da agricultura urbana tem despontado de diferentes formas, ao longo das últimas três décadas, na agenda de discussões da cidade.

Agricultura urbana nada mais é do que o nome diz: produção de alimentos dentro da cidade. Em geral, caracteriza-se pela ocupação sistemática e ampliada de terrenos ociosos dentro do traçado urbano, com a implementação de hortas e pomares individuais, comunitários ou coletivos.  Com auxílio do nheengatu, vejamos como evoluiu sua discussão na cidade de São Paulo.

Antecedentes

Na década de 1980, por meio dos programas Nossa Horta e Horta e Criação Comunitária, o governo Montoro (1983-1987) espalhou hortas comunitárias pelo estado de São Paulo, inclusive na capital. Surpreendente é que algumas hortas instaladas na ocasião permaneçam até hoje produtivas, como é o caso das vinculadas à Associação de Agricultores da Zona Leste.

Em dezembro 1986, por meio dos programas Nossa Horta e Horta e Criação Comunitárias, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado registrava 1517 hortas na região metropolitana de São Paulo, entre comunitárias, institucionais e educacionais, que contavam com área média de 500 metros quadrados e eram responsáveis pelo fornecimento de alimentos para 300 mil pessoas (1).

Estas eram, inequivocamente, hortas “pacumê”. Muitas delas instaladas em regiões como Mooca, Penha, São Miguel Paulista, Ermelino Matarazzo, Itaquera, Guaianazes e Vila Prudente.

Marta Suplicy

Entre 2001 e 2004, mais de uma década depois do final do governo Montoro, a política de agricultura urbana foi retomada em nível municipal. Desta vez o esforço não foi apenas do Executivo, mas ocorreu também no Legislativo. Foi aprovada, por iniciativa da vereadora Lucila Pizani Gonçalves (PT), a Lei Municipal 13.727/2004 que instituiu o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana de São Paulo, que tinha entre seus objetivos declarados combater a fome, incentivar a produção para o autoconsumo e reduzir o custo do acesso ao alimento para os consumidores de baixa renda.

Em seguida, foram realizados seminários, oficinas e uma série de mobilizações além da implantação de algumas hortas e o fortalecimento de outras resistentes desde décadas passadas. A referida Lei, no entanto, só foi regulamentada cinco anos mais tarde, por meio do Decreto 51.810/2010.

Neste caso, a luta foi para a construção de instrumento de políticas públicas municipais e pouco avançou além do plano discursivo. Ao contrário da experiência estadual dos anos 1980, não há registro de quantidade expressiva de hortas produtivas que tenham resultado do programa. Trata-se, portanto, de hortas mais “pavê” do que “pacumê”.

José Serra e Gilberto Kassab

Entre 2005 e 2012, na gestão do sanitarista Eduardo Jorge na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, realizou-se um conjunto de ações que incidiram sobre a agricultura urbana, dentre as quais se destaca a criação de dois programas de política pública: o Ambientes Verdes e Saudáveis e o Parques Lineares.

O programa Ambientes Verdes e Saudáveis, realizado em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde, consistia em capacitar agentes de saúde sensibilizando-os para a importância da interface entre meio ambiente e saúde. Atualmente o Programa está vinculado à Secretaria da Saúde e tem mais de 1.500 projetos desenvolvidos simultaneamente, dentre os quais limpeza e manutenção de praças, formação e manutenção de hortas comunitárias e incentivo à alimentação saudável nas escolas.

Já o programa Parques Lineares consistiu na criação de parques em torno de rios e córregos recuperados pelo governo estadual, por meio do programa Pacto das Águas. Vários destes parques foram parcialmente ocupados pela sociedade civil com a instalação autônoma de hortas, como é o caso da Horta das Corujas, na região da Vila Madalena, zona oeste de São Paulo.

Nos dois casos, as hortas não foram foco central da política nem fizeram parte de um programa sistematizado. A não ser por algumas poucas hortas escolares “pacumê”, a maioria tem caráter didático pedagógico e servem mais “pavê”.

Neste período, produtores da Região Sul de São Paulo fortaleceram-se na perspectiva de produzir “pacumê”. Nesta luta, estiveram presente, dentre outros, a Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais de Água Limpa (Cooperapas), a Associação dos Agricultores Orgânicos (AAO) e Associação de Pequenos Agricultores Familiares do Jardim Damasceno (APAFA). A Cooperapas realizou sua primeira venda de produtos orgânicos (para o Instituto Chão) em 2015. Ainda neste contexto, teve início a realização de muitas feiras orgânicas e agroecológicas, como é o caso da que ocorre próximo ao Parque do Ibirapuera. São experiências “pacumê”.

Fernando Haddad

No período de Fernando Haddad à frente da prefeitura de São Paulo (2013-2016), algumas políticas públicas foram consolidadas na perspectiva de fortalecer a agricultura urbana, dentre as quais: a Promulgação da Lei 15.920/2013, que estabelece o Sistema Integrado Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional; o estabelecimento de uma área rural para São Paulo e o reconhecimento da agricultura urbana e orgânica por meio da Lei 16.050/2014 (Plano Diretor Municipal).

A sociedade civil começou a ganhar visibilidade com relação à ocupação de espaços públicos e constituição de hortas. Nesta matéria, destacam-se a Rede Hortelões Urbanos; o Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (MUDA) e a Associação de Agricultores da Zona Leste.

Horta “pavê” na Avenida Paulista
Foto divulgação [Blog Simplesmente, de Claudia Visoni]

A Rede de Hortelões Urbanos fez intervenções que ganharam muita visibilidade, como foi o caso da Horta das Corujas, no Parque Linear das Corujas, que, embora nascida no período anterior, ganhou maior repercussão midiática neste. Também ganhou fama a Horta do Ciclista, numa pequena área em pleno canteiro central da avenida Paulista. A grande visibilidade que estas iniciativas ganharam é inversamente proporcional à sua capacidade de produzir para alimentar pessoas: não se trata de hortas “pacumê”, mas de hortas “pavê”.

O Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (MUDA), por sua vez, promove oficinas, cursos, atividades de sensibilização e articula-se para exercer pressão sobre o poder público. Trata-se de um movimento que, embora cumpra papel importante, também produz hortas “pavê”.

E finalmente a Associação de Agricultores da Zona Leste, composta por 23 hortas em diversos bairros da zona leste da capital, muitas das quais em terrenos da companhia de transmissão de energia elétrica, é uma associação que produz hortas “pacumê”.

João Doria Jr.

Com o início da gestão de João Doria Jr. à frente da prefeitura, em janeiro de 2017, algumas hortas da zona Leste, por nós visitadas em julho, relataram passar por dificuldades com a perda de apoio do poder público municipal. O que não significa que a nova administração não esteja dando importância à agricultura urbana. À sua maneira, é certo.

Em 5 de agosto, foi inaugurado um “corredor verde” plantado com mudas de alecrim, manjericão, orégano e salsa, entre outas espécies, em 11 mil metros quadrados de muros da avenida 23 de Maio anteriormente cobertos por grafites.

A um custo de R$ 9,7 milhões para a implantação e R$ 137 mil mensais para a manutenção, a iniciativa é bancada por empresa privada (pelos próximos seis meses), como compensação ambiental pelo corte de 856 árvores em um empreendimento imobiliário na zona Sul.

Faixa com publicidade do “corredor verde”, instalada em viaduto da av. 23 de maio
Foto divulgação [Prefeitura de São Paulo]

Agrônomos e paisagistas, segundo matéria do jornal O Estado de S.Paulo (2), escolheram as ervas a serem plantadas de forma a deixar a avenida “mais sensorial”: as pessoas poderão colher folhas de manjericão ao passar pela calçada, além de sentir o aroma de alecrim no meio do engarrafamento.

O projeto constitui a iniciativa mais proximamente relacionada a agricultura urbana de que se tem notícia na nova gestão municipal. Mas é “pavê” ou “pacumê”? Artigo de pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN, publicado em 2016 em periódico classificado no estrato A1 do sistema de avaliação Qualis/Capes (3), mostra que as partículas expelidas pelos escapamentos comprometem a segurança dos vegetais produzidos em hortas expostas ao tráfego na cidade de São Paulo. Os vegetais dessas hortas têm diversas substâncias químicas em níveis acima dos máximos recomendados para consumo.

Conclusão

Na atual gestão, diferentemente dos diversos governos anteriores, o que se propõe em termos de agricultura urbana e de paisagismo, além de caro e excludente em termos de geração e distribuição de renda, é potencialmente perigoso à saúde. Sem dúvida, trata-se da inauguração de um novo tipo de agricultura urbana, que não é nem “pavê” nem “pacumê”. O caso pode ser “parri”, ou talvez “pachorá”, mas nossa limitada proficiência em nheengatu não nos permite decidir, com plena convicção, qual dos dois vocábulos melhor se aplica.

notas

1
Dados publicados pelo jornal O Estado de S.Paulo, 17/12/1986, Suplemento Agrícola, pág.10.

2
PALHARES, Isabela. 23 de Maio ganha 11 km de corredor verde. O Estado de S.Paulo, 05 ago. 2017, p. A-21.

3
AMATO-LOURENÇO, Luís Fernando; MOREIRA, Tiana Carla Lopes; SOUZA, Vanessa Cristina de Oliveira; BARBOSA JR., Fernando; SAIKI, Mitiko; SALDIVA, Paulo Hilário Nascimento; MAUAD, Thais. The influence of atmospheric particles on the elemental content of vegetables in urban gardens of Sao Paulo, Brazil. Enviromental Pollution, v. 216, set. 2016, p. 125-134.

sobre os autores

Eduardo de Lima Caldas e Martin Jayo são professores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.

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