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Giacomo Piraz Pirazzoli, Ana Carolina Bierrenbach e Nivaldo Vieira Andrade conversam sobre a conservação e reconhecimento da obra da arquiteta Lina Bo Bardi em Salvador.
PIRAZZOLI, Giacomo; BIERRENBACH, Ana Carolina; ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. A herança de Lina Bo Bardi em Salvador, Bahia. Três arquitetos debatem questões sobre conservação e outras mais. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 220.01, Vitruvius, nov. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.220/7172>.
[Giacomo Piraz Pirazzoli – GPP] Em 1946, Lina Bo Bardi emigrou da Itália para o Brasil. Depois de trabalhar em São Paulo, trabalhou em Salvador, na Bahia (1959-1964), onde encontrou o Afro-Brasil e, entre outras coisas, realizou o MAM – Museu de Arte Moderna, localizado no Solar do Unhão. Ao recuperar um edifício existente, realizando poucas intervenções, incluindo a famosa escada em madeira, Lina Bo declarou “isto não é um museu” uma vez que não há um acervo: melhor seria chamá-lo de “Centro, Movimento, Escola” – na mesma linha da reflexão iniciada por Pietro Maria Bardi desde 1946 (1). Quatro anos depois do “Centenário de Lina Bo Bardi (1914-2014) – Tempos vivos de uma arquitetura”, que você co-organizou em Salvador, com um foco na conservação da obra de Lina Bo – as janelas do MAM, que estão voltadas para a baía, se encontram “tampadas”, perdendo, assim, a relação com o lugar. Além disso, um sistema de ar condicionado foi instalado e alguns quadros foram pendurados nas paredes repintadas com uma improvável cor marrom. O resultado disso é um salão burguês ou outro qualquer, como jamais Lina Bo propôs em anos de exposições e museus (2). O que dizer sobre isso?
[Ana Carolina Bierrenbach – ACB] Em 2015 eu e o Eduardo Rossetti escrevemos um texto sobre o centenário da Lina na revista Risco (3) e lá nós fizemos algumas observações que acho que continuam válidas. Notamos o fato da arquiteta ser reconhecida no Brasil e exterior (por vezes chegando a um ponto de idolatria que consideramos excessivo). Suas obras em São Paulo têm sido cuidadas, e estão passando ou já passaram por intervenções. Talvez isso também tenha a ver com o papel que a arquitetura tenha por lá, um assunto mais difundido e valorizado pelas pessoas do que aqui em Salvador. Por aqui não existe minimamente um entendimento de que a arquitetura tenha um papel importante. Tomando os equipamentos de Lina espalhados em Salvador, e mais especificamente o MAM, parece-me que a situação dele está mais complicada. Parece que está sendo reaberto o Parque das Esculturas e o cinema. De fato, outro dia pudemos ver o complexo desde cima, e grande parte da cobertura está nova. Mas o píer, por exemplo, continua arruinado. De qualquer modo, acho que o MAM durante muito tempo teve um papel muito importante na cidade, e hoje em dia sua importância é extremamente limitada.
[Nivaldo Vieira Andrade – NVA] Concordo com Carol que, em São Paulo, a obra de Lina está sendo melhor preservada que em Salvador, talvez porque todas as quatro obras de Lina Bo Bardi tombadas pelo Iphan estão localizadas em São Paulo (4). O maior cuidado com a obra de Lina em São Paulo pode ser comprovado com a recente recuperação dos cavaletes do Masp (5) e com os planos de conservação em elaboração para o Masp (6) e para a Casa de Vidro, ambos com apoio da Getty Foundation (7). Por outro lado, em Salvador, além das já citadas alterações no Solar do Unhão, que modificaram o projeto expográfico de Lina de forma bastante agressiva, devo destacar a intervenção realizada no Teatro Gregório de Mattos, com a instalação de um sistema de ar condicionado cujos dutos são claramente superdimensionados e – mais grave ainda – com a criação de uma caixa de policarbonato e estrutura metálica para garantir a estanqueidade do pavimento superior do teatro, que modificou completamente a percepção da escada helicoidal em concreto e, em particular, do pilar vermelho que a estrutura e ao redor do qual ela se desenvolve.
[GPP] Prossigo com outro caso em Salvador. A intervenção de 2014 na Casa do Benin, a qual representa uma ponte de intercultura entre o continente africano e o Brasil. Lá, a palha trançada com que Lina Bo revestiu as colunas – alusão à controversa ordem africana ou ao tratado de Francesco di Giorgio Martini? – indicando uma escolha projetual precisa, documentada através de croquis e fotografias (bem como uma recordação pessoal, nesse caso), foi eliminada. Enquanto existiam as instalações tratadas segundo o léxico modernista (por exemplo os dutos de descarga de tinta vermelha) foram adicionados de uma forma aparentemente aleatória quaisquer canais galvanizados abertos para a iluminação. A exposição, curada por Pierre Verger e projetada por Lina Bo, se encontra alterada em relação ao original, ao inserir obras de relevância duvidosa. Assim como as grandes palmeiras, localizadas na área externa, foram substituídas por vasos com plantas menores; dentre outras modificações.
Creio que em vários lugares do planeta, inclusive na Itália – e não porque Lina Bo nasceu lá, mas porque a pesquisa italiana sobre conservação ainda tem projeção internacional –, dado o resultado dessa intervenção, ela não seria aceita. Claro que concordo com a importância dessas obras estarem vinculadas ao Iphan. Além disso, acredito que para intervir nas obras de Lina Bo – tão ricas em referências interculturais – precisaríamos de apoio científico para levantar a documentação necessária; nesse sentido, o Docomomo e o Instituto Bardi – Casa de Vidro poderiam desempenhar juntos esse papel, consolidando a natureza excepcional do "Keeping It Modern" apoiado pela Getty Foundation.
[ACB] Sobre as intervenções realizadas nesses edifícios, acredito que falte uma maior compreensão sobre as propostas de Lina Bo Bardi. Suas decisões projetuais – desde pontos mais específicos (como por exemplo a palha ao redor das colunas da Casa do Benim), como outros mais genéricos (como o uso da argamassa armada nas casas da Ladeira da Misericórdia e nas propostas do Centro Histórico) respondem não apenas às questões estéticas, mas técnicas e também estratégicas, vinculadas ao entendimento que Lina Bo Bardi possuía do papel dos edifícios na cidade e na vida dos cidadãos. Essa compreensão não é levada em consideração nas intervenções atuais em Salvador. No mesmo sentido que já foi comentado aqui, também acredito que falte delicadeza nas atuais intervenções, que nem conservam o existente devidamente, e nem produzem novas inserções com qualidade arquitetônica. E ambas as coisas são necessárias para manter os edifícios vivos, algo que era fundamental para a arquiteta.
[NVA] Sim, de fato as intervenções realizadas pela Prefeitura de Salvador na Casa do Benin apresentam alguns aspectos questionáveis... Mas ao menos, neste caso, o espaço está aberto à visitação. Muito mais grave, a meu ver, é o estado em que se encontra o conjunto da Ladeira da Misericórdia, que talvez seja a obra mais importante realizada por Lina em Salvador nos anos 1980 (8). O restaurante Quati está fechado há anos, e começa a entrar em processo de arruinamento; a ruína dos três arcos apresenta graves problemas de infiltração na laje, que tornaram o espaço inabitável; e o os outros três imóveis estão sem uso ou subutilizados. O próprio acesso à Ladeira está proibido pela Prefeitura, que colocou portões metálicos nos acessos superior e inferior. Exceto por um breve período, há uns dois anos, quando o artista plástico Joãozito coordenou uma ocupação artística no Quati, é muito difícil visitar uma das obras mais importantes de Lina e da arquitetura brasileira das últimas décadas. Demonstra o desconhecimento, por parte da Prefeitura, do lugar de destaque que Lina ocupa na arquitetura mundial e da relevância do projeto da Ladeira da Misericórdia no âmbito da sua produção.
notas
NA – O texto conjunto contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Capes. Silvia Raquel Chiarelli é responsável pela tradução e curadoria.
NE - Publicações anteriores do artigo: PIRAZZOLI, Giacomo; BIERRENBACH, Ana Carolina; ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Il Giornale dell'Architettura, n. 1723, Turim, 11 jul. 2018 <http://ilgiornaledellarchitettura.com/web/2018/07/11/dialogando-sulleredita-misconosciuta-di-lina-bo-bardi-a-salvador-di-bahia/>; PIRAZZOLI, Giacomo; BIERRENBACH, Ana Carolina; ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de. Lina Bo Bardi’s Brazilian masterworks are in danger of being lost. Archpaper, Nova York, 3 out. 2018 <https://archpaper.com/2018/10/lina-bo-bardi-preservation>. Para uma melhor compreensão dos argumentos e dos fatos narrados, o editor tomou a liberdade de incluir notas de rodapé no artigo enviado pelos autores.
1
TENTORI, Francesco. Pietro Maria Bardi per la serie “Testo&Immagine”. Antithesi – giornali di critica dell'architettura, Ferrara, 7 nov. 2001 <www.antithesi.info/0newf/leggitxt.asp?id=122>. Ver em especial o item “Musei senza limiti”.
2 Sobre a relevância e significado da expografia na obra de Lina Bo Bardi, ver ANELLI, Renato Luiz Sobral. O Museu de Arte de São Paulo: o museu transparente e a dessacralização da arte. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 112.01, Vitruvius, set. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.112/22>
3
Publicado em 2015, o número corresponde ao período do segundo semestre de 2014. BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza; ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Lina Bo Bardi reloaded: vestígios, memórias, latências. Risco, n. 20, São Carlos, IAU USP, 2014, p. 74-86 <www.revistas.usp.br/risco/article/view/117442/115212>.
4
Obras tombadas de Lina Bo Bardi tombadas pelo Iphan em São Paulo: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – Masp (2002); Casa de Vidro (2003); Teatro Oficina (2004); Sesc Pompeia (2014). IPHAN. Lista dos Bens Tombados e Processos em Andamento (1938-2018). Brasília, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2018 <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126>.
5
CORULLON, Martin. Concreto e cristal: arquitetura. Os cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi de volta ao Masp. Projetos, São Paulo, ano 16, n. 181.04, Vitruvius, jan. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/16.181/5908>; ANELLI, Renato. Recuperação do Masp: Heitor Martins, Adriano Pedrosa, Martin Corullon e Gustavo Cedroni. Prêmio APCA 2015, categoria “Patrimônio cultural”, modalidade "Arquitetura e Urbanismo". Drops, São Paulo, ano 16, n. 101.02, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.101/5924>; PIRAZZOLI, Giacomo. Metros Arquitetos Asociados [Lina Bo Bardi]: riallestimento della collezione permanente / The Permanent Collection Redesigned – Masp San Paolo/ São Paulo. Domus, n. 999, Milão, fev. 2016, p. 86-95.
6
OKSMAN, Silvio; FURLAN, Lucia; NADALUTTI, Luiza. Plano de conservação da estrutura do Masp. Drops, São Paulo, ano 18, n. 127.09, Vitruvius, abr. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.127/6962>.
7
ANELLI, Renato; CERÁVOLO, Ana Lúcia. Fundação Getty patrocina projeto de conservação da Casa de Vidro. São Paulo, Instituto Bardi – Casa de Vidro, 14 nov. 2016 <http://institutobardi.com.br/?p=973>.
8
Sobre as intervenções de Lina Bo Bardi em Salvador, em especial na Ladeira da Misericórdia, ver: FERRAZ, Marcelo. O Pelourinho no Pelourinho. Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 096.02, Vitruvius, jul. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.096/1885>.
sobre os autores
Giacomo “Piraz” Pirazzoli, professor Dipartimento di Architettura – DiDA, Università di Firenze, e bolsista Capes 2017-2019, FAU Mackenzie, São Paulo.
Ana Carolina Bierrenbach, professora FAU-UFBA e membro Docomomo-Bahia.
Nivaldo Vieira Andrade, professor FAU-UFBA e presidente nacional Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB.