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my city ISSN 1982-9922

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CALIL, Carlos Augusto. Sobre o projeto de renovação do Largo do Paiçandu. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 271.01, Vitruvius, fev. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.271/8725>.


Largo do Paiçandu, São Paulo, 1889
Foto Werner Haberkorn [Acervo Museu Paulista da USP]


Alertado por uma matéria publicada em O Estado de S. Paulo (1), um grupo expressivo em quantidade e qualidade de interessados compareceu à audiência pública virtual organizada pela Prefeitura no dia 10 de janeiro passado.

Após a apresentação dos parâmetros da Parceria Público-Privada – PPP por técnicos da prefeitura, a rejeição foi unânime. Arquitetos, urbanistas, representantes dos moradores, de instituições culturais, professores, por motivos diversos, mas convergentes, reagiram com perplexidade à proposta.

Em linhas gerais, ela consiste em edificar dois prédios de residência na esquina da Avenida Rio Branco com o Largo do Paiçandu, onde no início do século 20 habitava a família de Mário de Andrade, que ali escreveu Pauliceia desvairada, uma das obras pioneiras do movimento modernista. Segundo a proposta, o largo propriamente dito deveria receber quiosques para comercialização informal. O edifício Olido – onde a Prefeitura mantém equipamentos culturais relevantes, como o Cine Olido, um dos últimos cinemas de rua da cidade; o Centro de Memória do Circo, instituição única no País; o FabLab, um núcleo de formação e pesquisa digital; a Vitrine da Dança, onde pares improváveis exercitam passos elaborados para o olhar público; etc. – seria desapropriado e na sua parte superior, instalada uma faculdade.

Cine Art Palácio, originalmente UFA-Palácio, São Paulo, 1936, arquiteto Rino Levi
Foto divulgação [Rino Levi, arquitetura e cidade, de Renato Anelli, Abilio Guerra e Nelson Kon]

Na mesma calçada, logo após a Galeria do Rock, encontra-se o edifício do Cine Art Palácio, um dos cinemas icônicos da cidade, testemunha da Cinelândia, que envolvia os cinemas Marrocos, Ipiranga e Marabá, Paissandu, Windsor e Dom José. O Art Palácio, obra do notável arquiteto Rino Levi, é um patrimônio da arquitetura art déco da cidade, tombado pelos conselhos do patrimônio histórico do município (Conpresp) e do Estado (Condephaat).

Fora da área restrita do largo, mas ainda no seu entorno, logo ali na esquina da Avenida Ipiranga com a São João, no edifício Independência, onde se situa o simpático Bar Brahma, o projeto pretende instalar um centro de coworking.

São basicamente três as fragilidades da proposta da Prefeitura: ela não atende a um programa real, ancorado na vocação histórica e social dessa região da cidade, não aproveita investimentos feitos em gestões passadas em projetos e desapropriações, e renuncia a exercer um papel que cabe ao poder público, sem possibilidade de transferência ao setor privado.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Largo do Paiçandu, São Paulo
Foto Dornicke, 2008 [Wikimedia Commons]

Do ponto de vista simbólico, o Largo do Paiçandu acolhe a tradicional contribuição negra à cidade, por intermédio da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, inicialmente erguida na Praça Antônio Prado e transferida no início do século 20 para o Paiçandu. A segunda apropriação foi a da comunidade circense. Durante o decênio de 1920, ali se estabeleceu o Circo Alcebíades, que viu nascer Piolin, o maior talento de palhaço entre nós. A terceira foi a do cinema, iniciada com o Art Palácio, nos anos 1930, depois completada com o Olido e o cine Paissandu. Em seguida, o largo recebeu a arquitetura de ponta, com a construção do edifício Wilton Paes de Almeida, pioneiro na utilização da pele de vidro em arranha-céu. A última chegou com a cultura pop, que encontrou o endereço certo na icônica Galeria do Rock.

Por fim, mas não menos importante, a imensa demanda reprimida por moradia popular na cidade concentrou-se no Largo do Paiçandu em duas ocupações: a do conjunto Boticário, ainda hoje lá instalada, e a do edifício Wilton Paes de Almeida, interrompida tragicamente no incêndio que levou ao seu desabamento com vítimas.

Edifício Wilton Paes de Almeida, São Paulo, 1968, arquiteto Roger Zmekhol
Foto Abilio Guerra, jun. 2016

Em suma, o programa da renovação do Largo do Paiçandu deve incluir moradia popular, celebração do circo, valorização da arquitetura, apelo ao cinema e promoção da cultura: música, dança, teatro, artes visuais.

A proposta da Prefeitura poderá atender a todas essas demandas com a construção da Escola de Circo Piolin, que inclui no seu conjunto um edifício de moradia popular para receber os moradores do local. O belo projeto dos arquitetos Cartum & Libeskind está pronto há anos. Uma vez implantado, com certeza se tornará um ícone da arquitetura da cidade.

Circo Escola Piolin, Largo do Paissandu, São Paulo, arquitetos Marcos Cartum, Claudio Libeskind e Sandra Llovet
Foto divulgação

O restauro do Art Palácio pelo arquiteto Paulo Bruna é outro projeto que foi desenvolvido na gestão Serra/Kassab e suspenso, assim como a Praça das Artes, até hoje inconclusa. O Art Palácio não tem mais função de cinema, e foi adaptado para ser teatro musical, já que possui fosso para pequena orquestra. As respectivas áreas – da escola de circo e do cinema – já foram desapropriadas.

O edifício da Galeria Olido terá de ser desapropriado para que lá se mantenham as atividades culturais existentes. A parte superior do edifício, que já abrigou as Secretarias de Cultura e de Obras, poderia receber uma das secretarias municipais que ainda não se mudaram para o Centro, ou mesmo empresas municipais que pagam caro pelo aluguel de suas instalações.

O edifício do Cine Marrocos, já desapropriado pela Prefeitura, pode perfeitamente passar por uma obra de retrofit visando a receber moradia popular, enquanto o térreo, onde se localizava o cinema tombado, hoje destruído, deveria ser adaptado para um teatro de música e dança, ligado à Praça das Artes.

Cine Ipiranga e Hotel Excelsior, av. Ipiranga, São Paulo, 1941, arquiteto Rino Levi
Foto divulgação [Rino Levi, arquitetura e cidade, de Renato Anelli, Abilio Guerra e Nelson Kon]

A proposta de desapropriar o edifício “Independência”, situado na esquina da Ipiranga com a São João, não se sustenta. Muito mais relevante é o edifício do Cine Ipiranga, no outro lado da avenida, cuja arquitetura e mobiliário internos, desenhados por Rino Levi, continuam originais, graças a um tombamento do Conpresp. Ele é o único edifício em São Paulo que guarda a memória da experiência solene de ir ao cinema nos decênios de 1940 e 1950. Por esse motivo, merece ser desapropriado e restaurado para se transformar no Museu do Cinema, que atrairá turistas de todo o país. A parte superior do edifício, ocupada por um hotel, pode facilmente ser adaptada para uso residencial.

A nova administração estadual já declarou que pretende investir na renovação do Centro, dando continuidade às ações, iniciadas em gestões anteriores, com projetos já concluídos e em condições de rápida contratação de obras, que procuram valorizar o uso público de espaços referenciais dessa área. A própria Prefeitura aprovou recentemente um ambicioso projeto de intervenção no Centro expandido (PIU Centro) e realiza a revisão, complexa, do atual Plano Diretor. O Largo do Paiçandu pode ser a primeira materialização dessa parceria, entre duas instâncias do poder público: o municipal e o estadual.

Aliar valor simbólico com equipamentos culturais, oferta de moradia e renovação urbana com arquitetura de boa qualidade, Prefeitura com governo do Estado, para criar uma atmosfera acolhedora e respeitosa com a comunidade que habita o entorno, eis o caminho da valorização do Centro, que nós ainda chamamos de cidade.

nota

NE – publicação original do artigo: CALIL, Carlos Augusto. Sobre o projeto de renovação do Largo do Paiçandu. Coluna Espaço Aberto. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 10 fev. 2023 <https://bit.ly/3K9zEJD>.

sobre o autor

Carlos Augusto Calil foi Secretário Municipal de Cultura (2005-2012).

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