Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
Crônica com reflexões sobre o desaparecimento das salinas na Região dos Lagos, estado do Rio de Janeiro.

english
Chronicle with reflections on the disappearance of salt pans in the Lagos Region, state of Rio de Janeiro.

español
Crónica con reflexiones sobre la desaparición de las salinas en la Región de Lagos, estado de Río de Janeiro.

how to quote

MENDES, Carina. Onde estão as salinas? Minha Cidade, São Paulo, ano 24, n. 277.01, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/24.277/8936>.


Região do sal, Lagoa de Araruama, São Pedro da Aldeia RJ
Foto Carina Mendes


Demorei a estabelecer uma conexão entre a umidade que vejo subir nas paredes da minha casa, no Novo Portinho, em Cabo Frio, e os galpões comerciais que vejo subir nas margens da rodovia Márcio Corrêa, em São Pedro da Aldeia. Perdoem a desatenção, mas justifico o lapso pelo tempo que moro na região, pouco mais de um ano.

O principal foco de umidade é justo no meu escritório, tanto que, muitas vezes, em minhas pausas de trabalho, me distraio observando as características da patologia. Além das manchas amareladas, há partes estufadas, com uma textura rugosa, como pequenos grãos que, pela concentração, tentam romper a camada de tinta.

Como trabalho na área do patrimônio cultural, já sabia que se tratava das tais eflorescências, ou seja, do acúmulo de sais que migram e se depositam na superfície do revestimento. Mas minha questão era outra: de onde vinha todo aquele sal?

Em relação aos galpões, eles vêm surgindo entre a rodovia e a beira da Lagoa de Araruama, no trecho de São Pedro da Aldeia. Como tenho uma rotina de idas e vindas ao Rio de Janeiro, venho acompanhando esses verdadeiros elefantes brancos ─ ou amarelos, ou vermelhos, ou azuis ─ que, a cada viagem, parecem brotar como sementes em solo fértil, prometendo cobrir a vista da lagoa. Venho também me questionando sobre os instrumentos legais que têm permitido aquela ocupação.

Região do sal, Lagoa de Araruama, São Pedro da Aldeia RJ
Foto Carina Mendes

É estranho pensar nessa opção calculada de substituir o percurso da rodovia observando a bela paisagem da lagoa por uma muralha de galpões opacos e desproporcionais, sem nenhuma beleza em particular.

Um catavento ou outro esquecido na paisagem é uma pista sobre o que está por trás dos dois eventos. A Região dos Lagos foi marcada pelo ciclo econômico do sal, que se desenvolveu especialmente a partir do século dezessete, e entrou em declínio por volta da década de setenta do século vinte. Nisso, não houve mais espaço para as salinas, que ficaram fadadas ao progressivo desaparecimento. O que observamos hoje, a partir da rodovia, é fruto desse processo: salinas aterradas e terreno forjado recebendo novo uso.

Dia desses, pesquisando imagens antigas, me deparei com a foto de uma enorme área de salinas em Cabo Frio. Procurando me localizar a partir de alguns pontos conhecidos, descobri que se tratava do meu bairro. Fiquei impactada. Depois achei engraçado pensar que aqueles que assistiram à transformação da área poderiam adequar aquela frase clichê para “quando cheguei aqui, era tudo salina”. Eu, entretanto, quando aqui cheguei, já era tudo alvenaria, e a salina que existia agora parece querer sair pela parede do meu escritório.

Outro dia, conversando com um motorista de aplicativo, não lembro bem o fio da meada que o conduziu ao seguinte comentário sobre a beira da lagoa em São Pedro da Aldeia: “A senhora viu o que estão fazendo lá? Uma maravilha! Quantos empregos não vai gerar?”

Região do sal, Lagoa de Araruama, São Pedro da Aldeia RJ
Foto Carina Mendes

Não que eu seja contra o desenvolvimento econômico, não me entendam mal, mas o argumento da geração de emprego parece a carta coringa de um baralho, a qual se pode recorrer para justificar qualquer coisa. Tampouco acho que deveriam ter mantido todas as salinas da região, desejo despropositado, já que infactível. Mas de uma coisa não tenho dúvidas: há algo que se perdeu ou vem se perdendo ─ do ponto de vista paisagístico, histórico, cultural, etnográfico, social etc. ─ com o aterramento das salinas. E diante das poucas que ainda restam, a única questão que me ocorre é: não seria possível outro destino para elas que não os seus apagamentos?

sobre a autora

Carina Mendes dos Santos Melo é arquiteta e urbanista, possui mestrado e doutorado na área. Trabalha no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e é professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estácio de Sá – Unesa. Carioca de raízes nordestinas, atualmente mora em Cabo Frio RJ.

comments

277.01 São Pedro da Aldeia
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

277

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided