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my city ISSN 1982-9922

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O que fica é a perda irreparável e uma sucessão de histórias que escancaram porque a cidade chegou até aqui com todos os seus problemas. São Paulo continua, como diz a música, sendo agenciada pela “força da grana que ergue e destrói coisas belas”.

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OLIVEIRA, Raíssa. A demolição do Pavilhão de Exposições do Parque Anhembi. Um desastre anunciado. Minha Cidade, São Paulo, ano 24, n. 278.01, Vitruvius, set. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/24.278/8918>.


01. Obras no Distrito Anhembi: espelho d’água já foi demolido
Foto Edson Lopes Jr. [Divulgação/Prefeitura SP]


Nos últimos anos assistimos em São Paulo uma série de disputas relacionadas às concessões de espaços considerados importantes marcos referenciais da cidade. Talvez as discussões em torno do caso do Ginásio do Ibirapuera tenha sido a mais conhecida, pois a sua demolição para a construção de um shopping gerou enormes protestos de representantes da sociedade civil, atletas, arquitetos e técnicos ligados à preservação do patrimônio histórico. Em 2021 houve outra polêmica em torno do Estádio do Pacaembu, inclusive com a venda de parte do seu patrimônio em lojas de decoração. Mas, no entanto, os descasos seguiram adiante, e o mais recente deles é o caso da demolição do Pavilhão de Exposições do Parque Anhembi.

A empresa GL Eventos, concessionária francesa que hoje gerencia o Parque Anhembi, anunciou nesse ano o projeto de modernização da área. Segundo a empresa era necessário tornar o Parque Anhembi competitivo, padronizá-lo de acordo com os parâmetros internacionais de exigências dos eventos e convertê-lo num edifício sustentável. Até aí não há o que questionar, afinal o setor de eventos é de grande relevância econômica para a cidade, direta e indiretamente. Podemos ainda dizer que o Parque Anhembi foi o precursor do turismo de negócios na cidade, portanto, bom seria tê-lo em pleno funcionamento. No entanto, dentro do pacote apresentado estavam intervenções preocupantes, propostas pela Raf Engenharia e arquitetos e pelo escritório francês Wilmotte & Associados. As demolições do Auditório Elis Regina e da praça já tinham sido executadas quando o Instituto de Arquitetos do Brasil — IAB tentou um diálogo com a empresa gestora para que fosse apresentado um outro projeto mais respeitoso e qualificado. A resposta foi impactante: a demolição do Pavilhão de Exposições.

O primeiro problema ligado ao assunto diz respeito à incompreensão geral sobre a própria demanda pública do projeto original do Parque Anhembi, o que não é algo direcionado apenas à proposta apresentada pela GL Eventos, mas principalmente ao poder público. O novo projeto consolida uma entrada praticada pelos eventos durante os últimos quarenta anos de uso do espaço, com frente para a avenida Olavo Fontoura, reforçando uma ligação paliativa entre o Pavilhão de Exposições e o Palácio das Convenções. Essa ligação deveria ser realizada por uma praça pública no projeto original, no entanto, de fato a praça nunca foi executada. A proposta do novo projeto foi fazer uma sequência de ampliações e marquises ocupando a única área da praça construída e que tinha Roberto Burle Marx como um dos projetistas, destruindo definitivamente a ideia inicial de Jorge Wilheim e equipe sobre a implantação dos edifícios isolados dentro de uma área pública. Obviamente, como esta área pública nunca saiu do papel, os fluxos entre os edifícios do conjunto sempre foram confusos a ponto de receberem ao longo dos anos inúmeras intervenções paliativas. Além dessa função estruturadora, a área pública era o ponto fundamental para garantir a contrapartida da concessão do terreno municipal. É importante lembrar que tal exigência foi feita em total concordância entre prefeitura e a primeira concessionária, uma vez que houve grande participação do governo e muito dinheiro público envolvido na sua construção. Apesar da contrapartida do espaço público ser uma obrigatoriedade na Lei n. 7048 de 1968, nunca houve qualquer manifestação sobre o assunto. Entretanto, de alguma maneira, esse direito público nos chegou até anos atrás garantido pelo Plano Diretor que enquadrava a área como Zona de Ocupação Especial. Porém, antes do anúncio do pacote de privatização, em 2016, os parâmetros urbanísticos da área foram também revisados na Lei de Zoneamento, permitindo mudar os coeficientes máximos de aproveitamento e multiplicando a possibilidade construtiva do local.

Parque Anhembi, contexto urbano, arquitetos Jorge Wilheim, Miguel Juliano e Massimo Fiocchi, São Paulo, 1963–1972
Foto Nelson Kon

Outro instrumento de controle que poderia salvaguardar o espaço seria a partir da preservação do conjunto pela relevância cultural e histórica, ou seja, pelo processo de tombamento aberto em 2004. No entanto, infelizmente o tombamento foi arquivado dentro de um contexto bastante polêmico. Inclusive não dá para deixar de afirmar que a justificativa do engavetamento do tombamento do Parque Anhembi foi um escândalo deixado para trás, abrindo precedências gravíssimas para a cidade, tornando-se uma jurisprudência sobre a substituição dos nossos monumentos pelos documentos sobre eles. Algo que deveria ser motivo de urgentíssima revisão nos órgãos de preservação e indignação para qualquer cidadão atento a essas questões sobre a memória da cidade.

Como nem mesmo a ação civil pública deu conta de reverter essa situação, passaram a boiada, como se diz — o que corroborou com as últimas consequências, sem que houvesse mais nenhum tipo de instrumento para a sua proteção do conjunto. Dessa maneira assistimos ao a consequência direta dessa longa história: a estrutura de alumínio de 260m x 260m do Pavilhão de Exposição desapareceu da paisagem. Para lembrar da memória da maior cobertura em estrutura espacial de alumínio construída no mundo na década de 1960, o projeto manteve uma parte da cobertura em forma de uma marquise, com aproximadamente 25m — o que é algo completamente inaceitável em um projeto que considere a estrutura como um objeto documental de grande relevância histórica. É o que podemos chamar de cenário fake, completamente dispensável, pois não remete a nenhum tipo de situação similar àquela que o edifício alcançava em sua totalidade nas suas relações com o lugar, em sua implantação ou mesmo em suas características estruturais e de produção. É só lembrar que toda a estrutura espacial de alumínio, com os seus 67.600m², foi levantada de uma só vez, através de 25 torres, num procedimento nunca mais repetido no mundo.

Todas as escolhas projetuais apenas reforçam o que os urbanistas anunciaram quando houve a modificação do zoneamento na área: o interesse da privatização era pela área ocupada pelo Parque Anhembi e não por aquilo que ele representava na cidade, foi o que disse Raquel Rolnik na ocasião. E é o que estamos assistindo. De fato, ele será substituído por um galpão igual a tantos outros existentes por aí. Todo o ineditismo e todas as histórias que essa cobertura nos desvelava foram completamente ignoradas. O resultado é escandaloso e medíocre.

Infelizmente quem entra numa feira dentro do Pavilhão de Exposições, com tantos estandes, luzes, publicidades e corredores, não sabe que a construção deste espaço foi inédita no mundo e que ela deveria ser motivo de apreciação. Para a construção da estrutura do Pavilhão de Exposições foi necessário um acúmulo de conhecimento internacional sobre o cálculo das estruturas espaciais ainda em desenvolvimento pelos engenheiros do mundo todo naquele período. Embora tenha sido construída no Brasil, muito conhecimento foi empregado ali, o que o torna ainda mais relevante como documento material moderno internacional. Além disso, o matemático anglo-canadense Cedric Marsh, consultor da Alcan, que desenvolveu os cálculos, elaborou a estrutura de uma maneira tão específica que as peças que compunham a estrutura trabalhavam no seu limite máximo, gerando então uma super minúcia de detalhes e uma leveza estrutural. Tal minúcia obrigou a indústria do setor do alumínio direcionada à construção civil a se desenvolver. Trata-se de uma experiência construtiva ligada à pré-fabricação, ainda pouco usada no país, o que também significa outros modos de produção, mão-de-obra mais qualificada se comparada aos canteiros de obras usuais no Brasil, como os do concreto armado. A produção da estrutura demandou parcerias com empresas internacionais, a adequação e ampliação da indústria nacional, agenciamentos financeiros e políticos com o estado, enfim, histórias que demonstravam um específico momento do desenvolvimentismo daquele período no Brasil — o que ainda é necessário ser conhecido profundamente, inclusive para entendermos o nosso atual cenário, principalmente o político.

Posto estas questões é necessário tornar público cada um dos agentes envolvidos nessa história. Todos eles: a prefeitura ignorando o valor público desse espaço, os órgãos de preservação abrindo caminho para a destruição de mais um patrimônio da cidade, a concessionária e os escritórios de arquitetura e engenharia envolvidos dando um aval para a execução de um projeto nada sensível ao patrimônio moderno. Também é inacreditável a incoerência das narrativas promovidas até aqui e que defendem uma visão de futuro mais atenta às questões do século 21. Além de tudo o que foi colocado anteriormente, o projeto teria uma proposta sustentável, segundo a GL Eventos e os arquitetos. No entanto, parte de uma proposição nada sustentável: a demolição de uma estrutura inteiramente confeccionada em alumínio. Não se trata de uma ruína e nem de uma estrutura destruída por alguma catástrofe, pelo contrário, trata-se de uma estrutura consolidada, mas que depois de setenta anos necessitava apenas de adaptações e manutenções. Eu me pergunto o que vai acontecer com as peças em alumínio do Pavilhão de Exposições? Virará lixo? Ou serão derretidas com a sua história?

A escala do projeto e a história da sua construção demandaram muita energia e patrimônio público. Retirar o Pavilhão de Exposições do seu contexto é apostar no esquecimento das possibilidades urbanas que São Paulo desperdiçou no passado, é fazer mais do mesmo, é negar outras formas de convivialidade imaginadas — e que demandam experiências como esta do Parque Anhembi para se compreender os rumos que a cidade de São Paulo tomou. Existiam alternativas. Outras propostas foram pensadas e poderiam ser pensadas ainda. Afinal a escala do empreendimento e a importância que ele ocupava em várias escalas exigia um projeto mais atento, de preferência vindo de uma ampla discussão pública (e dentro de processos mais qualificados, como os concurso públicos por exemplo). O que faltou foi uma condução séria e representativa sobre o Parque Anhembi.

O que fica dessa história é uma perda irreparável, mas também, uma sucessão de histórias que escancaram porque São Paulo chegou até aqui com todos os seus problemas. São Paulo apenas continua sendo agenciada pela lógica do capital ou, como diz o poeta, pela “força da grana que ergue e destrói coisas belas”.

Parque Anhembi, contexto urbano, arquitetos Jorge Wilheim, Miguel Juliano e Massimo Fiocchi, São Paulo, 1963–1972
Foto Nelson Kon

sobre a autora

Raíssa de Oliveira é arquiteta pós-doutoranda do IAU USP e autora da tese Parque Anhembi: a produção de um centro de exposições em São Paulo (1963-1972) defendida em 2016 na FAU USP.

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278.01 São Paulo
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